A psicóloga Rozângela Alves Justino, uma das autoras de ação que pedia a suspensão de norma do Conselho Federal de Psicologia que proíbe o tratamento da homossexualidade como doença, embasou sua defesa em processo no qual foi censurada pelo colegiado por oferecer a “reversão sexual” em trechos da bíblia.

O jornal O Estado de S. Paulo obteve acesso aos autos do processo de primeira instância, no Conselho Regional do Rio de Janeiro, que correram sob sigilo e culminaram com uma primeira punição, em 2007.

A profissional, ao lado de outros apoiadores da chamada terapia de reversão sexual, obteve liminar favorável ao tratamento. O juiz federal da 14ª Vara de Brasília Waldemar Cláudio de Carvalho acolheu parcialmente a ação dos autores e proibiu que o Conselho Federal de Psicologia “censure” a terapia de reversão sexual.

Rozângela foi censurada em 2009 pelo Conselho Federal de Psicologia por oferecer terapia para curar homossexualidade masculina e feminina.

Presbiteriana e dona de uma entidade descrita como associação de “apoio ao ser humano constituída segundo os princípios cristãos” ela foi punida pelo colegiado após representação de duas pessoas no Conselho regional de Psicologia do Rio. Atualmente, ela é assessora parlamentar do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica.

A psicóloga moveu ação para suspender a Resolução de 1999 do Conselho Federal de Psicologia, que prevê que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. Ela foi punida em 2009 justamente com base nesta norma.

Um dos autores do processo, Eugênio Ibiapino, funcionário público e um dos fundadores do movimento LBGT da baixada fluminense, afirma que descobriu a atuação de Rozângela pelas entrevistas que concedia à imprensa.

“Decidi que teria que fazer alguma coisa. Já naquela época eu percebia que existia o perigo de essa proposta ter muito apoio da sociedade e da mídia e aumentar muito a discriminação. Aquelas declarações consolidavam uma cultura de extermínio da comunidade gay que já era forte. Por isso, eu denunciei. Havia um perigo da ideologia dela (Rozangela) propagar aquilo na TV e nos jornais. O apoio seria muito grande de setores homofóbicos da sociedade. Por isso, entrei com processo no conselho federal de psicologia”, disse.

Em meio ao processo, Rozângela afirmou que “independente do que diz ou não certos estudos e pesquisas pessoas tem deixado a homossexualidade há séculos”. Ela ainda argumentou que “as primeiras citações de pessoas que deixaram a homossexualidade encontram-se registradas na bíblia, na Carta do apóstolo Paulo, em Cor 6.9-11: “Ou não sabeis que os injustos não herdaram o reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas, nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o reino de Deus”.

Consta nos autos que ela “continua sua argumentação dizendo que os primeiros a descobrirem que pessoas poderiam deixar a homossexualidade foram os cristãos, numa época em que a ciência psicológica não existia”. Diz, ainda, que os “ativistas gay” declaram que “a OMS não mais considera a homossexualidade como doença”, mas, segundo ela, este parece ser “um entendimento parcial da OMS”.

José Novaes, um dos conselheiros e relator do caso, afirmou, ao proferir seu voto, que “não há como negar que, fundamentada em sua confissão religiosa, a psicóloga representada considera a homossexualidade uma anormalidade que precisa ser ‘reparada’ – curada – através de processo terapêutico, pela “terapia reparativa ou de conversão”.

“A própria análise etimológica dos termos: ‘reparação’ e ‘conversão’ o revela: repara-se (conserta-se) algo que está quebrado, escangalhado, que precisa de reparo para funcionar corretamente; quando a ‘conversão’ são bem claras as conotações religiosas do termo – a ‘conversão dos infieis’ é o melhor exemplo”, anotou.

Defesa

Rozângela Alves Justino divulgou nota sobre o caso, reproduzida a seguir:

“Nota de esclarecimento à população brasileira sobre a liminar deferida em favor da ação popular que requer a suspensão e anulação da resolução 001/1999, do CFP. Brasília (DF), 20 de setembro de 2017.

Os psicólogos, autores da Ação Popular n. 1011189-79.2017.4.01.3400 TRF1-DF, vêm a público esclarecer que têm por objetivo suspender e anular a Resolução 001/1999, do Conselho Federal de Psicologia, a qual estabeleceu normas de atuação para os psicólogos em relação à Orientação Sexual, por ela ferir o patrimônio público, a liberdade científica, o livre exercício da profissão e do direito do consumidor.

O Juiz de Direito Federal, Dr. Waldemar Claudio de Carvalho, concedeu, parcialmente, a solicitação do grupo de psicólogos, para que o CFP não impeça e não puna os profissionais que atenderem pacientes em sofrimentos por orientação sexual egodistônica, uma vez que a referida resolução afronta dispositivos constitucionais, causando prejuízos aos direitos individuais e coletivos, em razão do freio que ela impôs ao desenvolvimento científico, por ser este um patrimônio público, protegido pelo Estado.

O advogado do grupo de psicólogos, Leonardo Loiola Cavalcanti, já peticionou junto à OAB Nacional e do Distrito Federal para que venham intervir, no sentido de que essa instituição cumpra a sua missão institucional (art. 44, Lei 8.906/1994), para resguardar a liberdade científica, o livre exercício da profissão, o direito do consumidor e a preservação do patrimônio público.

Medidas judiciais serão tomadas quanto à disseminação de informações distorcidas, contrárias aos intentos dos profissionais que moveram tal ação e ao que está contida na liminar do magistrado da 14ª Vara Federal, diante da descontextualização do que foi requerido e deferido. Também serão tomadas medidas judiciais no que diz respeito à ofensa a moral e a dignidade dos autores da ação popular.”