03/11/2017 - 8:18
O estudante João Pedro Marinho, de 19 anos, chegou em casa no fim da tarde e encontrou o irmão, Guilherme, de 12 anos, em uma situação que o deixou alarmado. Ele jogava videogame com um adulto completamente estranho e não havia mais ninguém no apartamento. Assustadíssimo, pensou em chamar a polícia, mas antes telefonou para a mãe, Sandra Marinho, que estava no trabalho. Ela riu e explicou: “Calma. Seu irmão está com um AT (Acompanhante Terapêutico)”.
Poucos meses antes, nem mesmo Sandra tinha ouvido falar nesse tipo. O profissional vai à casa do paciente e, muitas vezes, o acompanha a locais públicos – como parques, restaurantes e baladas – com o objetivo de dar suporte psicológico e melhorar as habilidades sociais. Diferentemente da tradicional terapia no divã, que analisa problemas com base em relatos, o AT mergulha no universo individual do paciente, participando do cotidiano.
A prática, apesar de ser desconhecida de muitos, vem se popularizando a ponto de ter chegado à teledramaturgia. Na novela Pega Pega, da TV Globo, um AT que entrou na trama para ajudar a adolescente Bebeth a superar o trauma da morte da mãe. No dia da primeira sessão, ele convida a jovem para um passeio de bike, o que a surpreende muito. Mas é justamente essa postura de “amigo” que ajudou, na novela, Bebeth – assim como Guilherme, na vida real – a estabelecer um vínculo mais rápido com o terapeuta.
Faz três anos que Guilherme tem o apoio de Filipe Colombini, de 32 anos, coordenador da Equipe AT, um grupo paulistano com 40 profissionais. “Ele entende o que eu falo. Entende os meus pontos de vista sobre um determinado jogo, por exemplo. É meu brother”, conta Guilherme, agora com 15 anos. Quais foram os avanços na vida do garoto nesse período? “Aprendi a estudar e também fiquei mais sociável. Sempre fui muito fechado”, diz o jovem, que chegou a organizar em casa, com a ajuda de Colombini, um campeonato de games.
A facilidade do serviço domiciliar também ajudou muito a proliferar a quantidade de ATs para o público mais novo. “Eu trabalho o dia inteiro. O deslocamento para levar e trazer os filhos complica muito a vida. O AT é uma comodidade, além de ser eficiente”, diz Sandra.
“O AT não substitui a terapia convencional, é uma indicação clínica para quem precisa de uma intervenção no cotidiano”, explica o psicanalista Ricardo Gomides.
Para a psicóloga Andrea Vianna, “o excesso de atividades a que, hoje, os jovens são submetidos, provocou o aumento de depressão e pânico nesse grupo”. Ela é uma das coordenadores do curso de Acompanhamento Terapêutico do Programa Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em São Paulo.
Equilíbrio
A popularização do AT também se deve à propaganda feita pelos próprios pacientes. Entre eles, está o ex-jogador de futebol e comentarista, Walter Casagrande Júnior, de 54 anos, autor de Casagrande e Seus Demônios, livro de 2014 em que conta sua luta contra o vício em drogas, escrito em parceria com Gilvan Ribeiro. Nas palestras, Casagrande reforça a importância do AT para seu equilíbrio.
“Geralmente faço três sessões por semana com três profissionais que se revezam nos meus atendimentos”, conta. “Quando minha namorada e meu filho não estão por aqui, saio com os ATs. Vamos ao cinema, jantamos fora, e aproveito para fazer a terapia.”
No início do tratamento, segundo ele, os ATs ajudaram a reconhecer que em alguns locais a vontade de experimentar um chope, por exemplo, surgiria, mas que também desapareceria no momento seguinte. Essa foi uma das técnicas de reinserção social passada ao ex-atleta. “Prefiro sair com os ATs porque sei que não terão atitude fora do padrão ou que me coloque em risco”, diz Casagrande.
“Eu sofria de fobia social. Não saía mais de casa e havia desistido dos estudos”, conta Mário Henrique, de 25 anos, que também recorreu ao serviço. No início do atendimento, o AT e o paciente estabelecem um projeto. O jovem fez supletivo, entrou no curso de Engenharia e fez amigos. “Minha vida mudou muito e para melhor.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.