11/11/2022 - 11:48
Por Marta Nogueira e Rafaella Barros
RIO DE JANEIRO (Reuters) – O PT avalia acionar a Justiça para interromper o processo de licenciamento que visa liberar a Petrobras para perfurar um poço na Bacia da Foz do Rio Amazonas, no Amapá, disse à Reuters uma representante da área ambiental do partido, no que parece ser a primeira prova de fogo do governo eleito na área ambiental.
O movimento ocorre após executivos da Petrobras terem reiterado na semana passada que preveem receber a autorização do Ibama para perfurar a região ainda neste ano, apesar de o Ministério Público Federal, ONGs e comunidades ainda verem falhas no processo de licenciamento.
A ação judicial seria movida no caso de a licença sair este ano, antes portanto do início do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Para as entidades, a Petrobras não teria ouvido as comunidades de forma adequada e teria um estudo de impacto ambiental desatualizado e incorreto para a atividade, o que a petroleira nega.
A estatal abraçou a missão de abrir a nova fronteira exploratória na região depois que gigantes como BP e TotalEnergies desistiram de ativos por dificuldades para obter licenciamentos.
A perfuração em questão está planejada para um bloco que fez parte de um conjunto de ativos na Foz do Amazonas leiloados em 2013, pelo então governo de Dilma Rousseff.
“As ONGs protetoras do meio ambiente, e o próprio PT, a gente precisa entrar com uma ação para isso ser coibido o quanto antes. Esse estudo prévio não ouviu as comunidades”, afirmou a secretária nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Naiara Torres, em uma entrevista por telefone.
“É um perigo fazer atividades potencialmente poluidoras na foz porque pode trazer um prejuízo a uma biodiversidade que pode ser que exista só naquela região. Além disso, toda a área da foz é considerada área de proteção”.
A representante do PT, lideranças indígenas e ONGs consideram que a Petrobras busca obter a licença antes da posse do novo governo, que eles veem como menos flexível que o atual na concessão de autorizações ambientais.
“Eu ainda vejo que esse ‘sprint’ final que ela (a Petrobras)está dando nesses últimos meses de governo Bolsonaro é para aproveitar esse contexto de órgãos bastante permissivos, flexibilizados”, disse o porta-voz de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil, Marcelo Laterman.
“Mas eu espero e acredito que o novo governo terá um pouco mais de cuidado, olhando o direito das pessoas e os impactos”.
Procurado, o Ibama não respondeu pedidos de comentários.
A Petrobras chegou a realizar no passado dezenas de poços na Foz do Amazonas –rica em ecossistemas e com geologia ainda pouco conhecida–, sem descobertas comerciais. Mas descobertas mais recentes em outros países vizinhos com geologia semelhante reativaram o interesse na região, só que em locações mais profundas.
TRÂMITES DO LICENCIAMENTO
A procuradora da República no Pará Gabriela Tavares Câmara disse à Reuters que o MPF paraense e no Amapá fizeram recomendações em setembro à Petrobras e ao Ibama para que as comunidades fossem ouvidas conforme convenção 169 da OIT e que a companhia fizesse um novo estudo de modelagem de dispersão do óleo, em caso de acidente.
Segundo a procuradora, a Petrobras está usando junto ao Ibama um estudo de modelagem de dispersão do óleo feito pela antiga operadora do bloco, a BP, em 2015, que já havia sido questionado por estudiosos e pelo próprio órgão ambiental –a área foi deixada pela BP entre 2020 e 2021 após dificuldades para obter a autorização.
“Nem em um pior cenário esse estudo prevê que o óleo atinja a costa. Os estudiosos dizem que isso não reflete a realidade”, disse a procuradora, pontuando que o estudo é necessário para a elaboração do plano de emergência a ser seguido caso haja um vazamento de petróleo.
Procurada pela Reuters, a Petrobras confirmou que as primeiras modelagens necessárias ao licenciamento foram realizadas em 2015 pela BP, mas ressaltou que houve uma revalidação do estudo.
“A Petrobras ratifica que esse estudo de modelagem hidrodinâmica e de dispersão do óleo é válido e atende plenamente o seu propósito no estudo ambiental. Mesmo assim, a companhia realizou uma nova modelagem, cujos resultados validam os obtidos anteriormente”, afirmou a petroleira por email.
O MPF também pontuou que a atividade vai impactar quatro comunidades indígenas no Amapá e comunidades quilombolas e ribeirinhas no Pará.
Nesse caso, a Petrobras disse que desde 2015, quando o processo de licenciamento teve início, foram realizadas pela então operadora BP 47 reuniões setoriais em 22 municípios, além de três audiências públicas, em 2017, nos municípios de Oiapoque/AP, Macapá/AP e Belém/PA, com ampla participação.
A petroleira disse que está realizando ainda outras 18 reuniões em novembro nos 18 municípios que compõem a área de influência da atividade. Em reunião realizada na terça-feira, no Oiapoque, a Petrobras registrou a participação de aproximadamente 500 representantes de comunidades locais.
CONSULTA AOS POVOS
Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na região, diz que a entidade, junto com o Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), solicitaram encontros com a petroleira, com a presença de representantes do MPF, para entender melhor o projeto e os riscos, mas sem sucesso.
À Reuters, a Petrobras confirmou o recebimento dos ofícios solicitando o encontro e informou que está atualmente em contato com a entidade, de modo a agendar uma reunião com os caciques em data a partir do dia 28 de novembro, conforme solicitação da entidade.