O risco de a Enel perder a concessão de distribuição de energia em São Paulo aumentou após o governo federal voltar a falar em “caducidade” do contrato, segundo avaliação de analistas, em um sinal de maior indisposição do poder concedente com a empresa italiana após reiterados problemas de fornecimento de energia na maior região metropolitana do país.

A avaliação é de que a pressão política pode fazer com que a Enel decida pela venda da concessão — alternativa que foi adotada em vários outros casos em que a situação de uma distribuidora se agravou e havia risco real de perda do contrato.

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A caducidade da concessão é uma medida considerada extrema e demorada e precisa ser precedida de um processo administrativo, que prevê uma análise técnica, apuração de falhas e transgressões e espaço para defesa da empresa. A agência reguladora Aneel já está debruçada sobre o tema e pode recomendar ou não a medida, e a palavra final é do governo federal.

“Entendemos que a decisão surge como uma reação ao mais recente apagão de grandes proporções em São Paulo e, considerando as reações das autoridades e da opinião pública aos apagões anteriores da Enel São Paulo, consideramos altamente improvável que a decisão (pela caducidade) seja alterada”, disseram os analistas do JPMorgan, em nota a clientes.

Apesar dos problemas enfrentados atualmente, a empresa tenta renovar antecipadamente seu contrato em São Paulo, que vence em 2028. Esse processo, porém, está suspenso até que a Aneel decida sobre a intimação que pode levar à caducidade.

Potenciais compradores

O UBS BB indicou, em relatório, empresas que seriam potenciais interessadas em assumir a concessão da região metropolitana de São Paulo, recordando que Neoenergia e Energisa chegaram a participar do processo de 2018 de venda da concessão pela AES, que teve a Enel como vencedora. A CPFL também seria uma candidata ao ativo, acrescentou.

Analista do mercado citam ainda a J&F, dos irmãos Batista, que têm sido muito ativos em aquisições no setor elétrico nos últimos anos.

A alternativa de venda da concessão é permitida juridicamente e já foi usada pela própria Enel, quando vendeu a distribuidora em Goiás para o grupo Equatorial, em 2022. O artigo 4-c da lei 9.074/1995 prevê a possibilidade de a empresa apresentar um plano de transferência de controle societário como alternativa à extinção da outorga.

Primeiro caso de caducidade no setor

Se concretizada, a caducidade da Enel São Paulo seria a primeira a ser decretada na história do setor de distribuição de energia.

No passado, a Aneel chegou a recomendar caducidade para outras distribuidoras, como as do Amazonas e Amapá, mas as antigas donas transferiram o controle dessas empresas para que a medida não precisasse ser posta em prática.

A Enel enfrentou situação semelhante em Goiás, onde decidiu vender sua concessionária de distribuição de energia para o grupo Equatorial após fortes críticas de autoridades sobre má prestação dos serviços no Estado.

Mas diferentemente do caso de São Paulo, em Goiás a Enel possuía um contrato de distribuição mais recente e com cláusulas concretas para disparar a possibilidade de caducidade. Como estava comprovadamente descumprindo indicadores de qualidade, conforme apuração da Aneel, havia maior pressão sobre a empresa para vender a concessão.

O que diz a Enel

Procurada sobre a questão relacionada à venda, a Enel não comentou o assunto, mas afirmou em nota que está disposta a realizar investimentos “maciços em redes resilientes e digitalizadas, além da implantação em larga escala de uma rede de distribuição subterrânea”, como parte de uma estratégia “compartilhada com todas as instituições envolvidas”.

A companhia diz cumprir as regras, “tendo apresentado avanços consistentes em todos os índices relacionados à qualidade do serviço”, e reafirmou ainda “confiança no sistema jurídico e regulatório brasileiro para garantir segurança e estabilidade aos investidores com compromissos de longo prazo no país”. 

Quanto tempo pode durar o processo na Aneel?

A Aneel confirmou nesta quarta-feira que vai incluir a análise do apagão da semana passada em São Paulo no processo já aberto sobre a distribuidora Enel São Paulo que poderá levar à caducidade da concessão.

O termo de intimação, lavrado pela Aneel no ano passado, já começou a ser avaliado pela diretoria do órgão no mês passado, mas foi suspenso por pedido de vista do diretor Gentil Nogueira.

Depois do apagão da semana passada, o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, chegou a pedir em ofício que Nogueira trouxesse o processo novamente para discussão da diretoria na reunião extraordinária do regulador marcada para esta quinta-feira.

Nogueira respondeu, porém, que o processo não poderia ser pautado ainda porque faltam “informações relevantes”, citando uma avaliação que está sendo conduzida pela área técnica da Aneel sobre a atuação e o desempenho da Enel São Paulo no evento climático extremo da semana passada.

Advogados afirmam que a rápida evolução de um processo de caducidade, embora politicamente viável, seria juridicamente incorreta. Eles citam o direito de ampla defesa por parte da concessionária e citam que o tema costuma exigir longas discussões e elaboração de laudos técnicos, já que a caducidade só deve ser declarada se o serviço estiver sendo prestado fora das normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço, sob risco até de questionamentos jurídicos e pedidos de indenização.

Risco regulatório e incertezas

Na tentativa de dar uma resposta rápida para a sociedade, uma alternativa que poderia ser tomada pelo poder público é a intervenção. Mas especialistas alertam que a opção pode não ser muito interessante neste momento, dada a possibilidade de que um novo evento climático intenso acarrete, mais uma vez, um apagão de grandes proporções na área de concessão, deixando a impressão de que a presença do poder público diretamente não alterou nada. Em se tratando de um ano de eleição, o governo federal pode, no entanto, não querer arriscar um movimento deste tipo.

O UBS BB afirmou que o risco regulatório associado a eventos climáticos extremos aumentou não só para a Enel São Paulo, mas também para as outras concessionárias do país, uma vez que as discussões sobre o tema passaram a se centrar mais percepção da qualidade do fornecimento de energia nessas emergências do que no cumprimento formal dos indicadores.

“E essa mudança é importante porque aumenta a flexibilidade regulatória, mesmo que o caminho legal para uma rescisão antecipada (da concessão) continue complexo”, disse o banco.

No caso da Enel São Paulo, os analistas do UBS BB avaliaram que, como a concessão termina em 2028, a opção mais “racional” seria um acordo informal do governo com a empresa para que o contrato atual não seja rompido e a troca da operação na região ocorra depois de um leilão após o término efetivo da concessão.

“Um acordo informal parece uma escolha racional, iniciando os preparativos para um leilão na data de vencimento, mas este processo é claramente marcado por uma coisa: incerteza”.

Com informações do Estadão Conteúdo