Os detalhes do plano de paz que levou ao cessar-fogo em Gaza são deliberadamente vagos, dizem os negociadores. Muitas perguntas ainda permanecem, e as respostas podem trazer a paz ou o retorno dos combates.Vago e indefinido: especialistas concordam que essas são as melhores descrições do plano de cessar-fogo que o governo dos Estados Unidos conseguir levar adiante em Gaza.

Alguns observadores, incluindo os principais mediadores, afirmam que essa imprecisão foi deliberada e até mesmo necessária para que os oponentes – o grupo extremista Hamas, com sede em Gaza, e o governo de direita israelense – concordassem com alguma coisa.

Ainda há muito a ser negociado, e a falta de clareza alimenta temores de novos combates. “O fato de Israel e o Hamas terem concordado com a primeira fase de um plano de cessar-fogo é um primeiro passo importante”, diz Hugh Lovatt, pesquisador sênior do programa do Oriente Médio e Norte da África do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), à DW.

“No entanto, é muito cedo para falar em paz e ainda há questões e preocupações significativas que precisam ser abordadas. […] A chave para um cessar-fogo bem-sucedido é se os planos podem realmente ser implementados e se ambos os lados cumprem sua parte do acordo.”

Questões como a desmilitarização de Gaza, a proposta de uma “força internacional de estabilização”, garantias internacionais e as intenções de longo prazo do governo israelense ainda estão sendo debatidas, explica Lovatt.

Israel vai se retirar totalmente de Gaza?

Gaza tem 41 quilômetros de comprimento e 10 quilômetros de largura. Após dois anos de conflito, o exército israelense afirmou controlar a maior parte do enclave costeiro.

O acordo de paz patrocinado pelo presidente americano, Donald Trump, diz que Israel não controlaria ou anexaria Gaza e que as tropas israelenses deveriam se retirar se os reféns israelenses fossem libertados. Há relatos de que as tropas israelenses se retiraram parcialmente nos últimos dias, e os 20 reféns restantes foram libertados nesta segunda-feira (13/10).

A retirada militar inicial se limita à “linha amarela”, uma fronteira dentro de Gaza onde os militares israelenses ainda controlam cerca de metade da Faixa.

De acordo com o acordo de paz, as forças armadas israelenses recuarão ainda mais depois que outras condições forem cumpridas. Elas irão para uma “linha vermelha” assim que uma “força de estabilização internacional” for destacada. Então, quando Gaza estiver sob o controle de uma nova autoridade de transição, elas recuarão ainda mais.

Nenhum cronograma foi fornecido no acordo de paz, então não está claro quando tudo irá ocorrer.

Essa retirada final faria com que as tropas israelenses voltassem a policiar a zona-tampão entre Israel e Gaza, que existe desde o início do século. Israel expandiu essa zona ao longo do tempo e argumenta que a área é necessária para sua segurança.

A zona-tampão costumava ficar a 300 metros da fronteira, mas, no acordo de cessar-fogo de janeiro de 2025, foi retraçada “com uma profundidade de 700 a 1.100 metros dentro de Gaza”, informou em março a organização israelense sem fins lucrativos Gisha, que defende a liberdade de movimento dos palestinos.

Isso representa cerca de 17% da Faixa de Gaza e também significaria a destruição permanente de comunidades e o acesso a terras agrícolas, de acordo com a Gisha.

Quem é a “força internacional de estabilização”?

O ponto 15 do plano de paz afirma que os Estados Unidos cooperarão com parceiros árabes e internacionais para implantar uma “força internacional de estabilização”, ou ISF, em Gaza.

Essa força trabalharia com Israel e o Egito para proteger as fronteiras de Gaza e também deveria treinar e apoiar uma nova força policial.

Especialistas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington, observaram na semana passada, em uma análise conjuntural, que essa coperação pode ser especialmente desafiadora.

“A criação de uma força internacional de estabilização de parceiros árabes e globais também enfrentará grandes obstáculos. A menos que haja um apoio claro dos elementos palestinos no terreno (incluindo o Hamas, que se opõe à ideia), é difícil imaginar que qualquer força árabe esteja disposta a ser destacada para o terreno.”

Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da França disse aos jornalistas que o país estava pronto para contribuir com uma ISF; a Alemanha disse que forneceria fundos para ajuda, mas não pessoal para tal força.

O Egito lançou a ideia de incluir tropas americanas. Em uma reunião no Egito nesta segunda-feira que reuniu diplomatas e chefes de governo para discutir o cessar-fogo, o ministro das Relações Exteriores egípcio, Badr Abdelatty, disse à emissora americana CNN: “Precisamos de tropas americanas no terreno”.

Cerca de 200 soldados americanos já chegaram a Israel para ajudar a estabelecer um “centro de coordenação civil-militar”, mas não há sinal de que entarão em Gaza.

Qual é o futuro do Hamas?

Há relatos de que o Hamas já está retomando o controle da segurança na Faixa de Gaza, e que os combatentes do grupo radical estão lutando contra rivais dentro de Gaza, em retaliação a crimes como saques de ajuda humanitária ou por terem supostamente recebido apoio de Israel.

No avião a caminho de Israel, Trump disse a repórteres que seu governo havia realmente dado ao Hamas “aprovação por um período” para fazer isso, a fim de evitar problemas sociais maiores no território devastado.

O acordo de paz fala sobre a completa “desmilitarização de Gaza”, mas é vago em detalhes. Observadores apontaram que não há parâmetros específicos sobre como deve ser a desmilitarização, nem prazos. Isso dá a Israel e ao Hamas margem para protelar seus avanços.

“Mesmo que a liderança do Hamas aceite a exigência de Israel [de desarmamento], muitos de seus combatentes provavelmente se recusariam a entregar suas armas e poderiam desertar para grupos mais radicais”, escreveu Lovatt em uma análise no início deste mês.

Outros observadores apontam que o Hamas é muito mais do que apenas um grupo de combate. É também um partido político com uma ideologia baseada na resistência à ocupação israelense dos territórios palestinos, e provavelmente continuará a existir como força política.

O plano de paz faz referência à criação de um Estado palestino e à sua autodeterminação. Mas, novamente, não há detalhes reais sobre como isso poderia acontecer, e neutralizar a ideologia do Hamas “exigirá um maior compromisso israelense de se retirar de Gaza e se engajar em negociações de paz entre israelenses e palestinos”, disse Lovatt.

Quem garante a adesão ao plano de paz?

A maioria dos observadores concorda que, como o plano de 20 pontos é tão vago em detalhes, alguém precisa assumir o papel de torná-lo mais concreto.

“Para apaziguar sua ala direita e garantir sua própria sobrevivência política, [o premiê israelense Benjamin] Netanyahu pode ser tentado a retomar a guerra contra o Hamas assim que os reféns forem libertados”, escreveram especialistas de dois think tanks, o International Crisis Group e o CSIS, na revista Foreign Affairs na semana passada.

“Para realmente quebrar essa dinâmica, os EUA precisarão exercer pressão contínua sobre Israel.”

Mas, como argumentou o pesquisador sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos Emile Hokayem no jornal britânico Financial Times esta semana, “o plano pode fracassar se os EUA se cansarem ou se distraírem, ou se mais uma vez se deixarem seduzir pelos linha-dura israelenses”.