Uma das características mais marcantes dos livros clássicos é, talvez, a de se tornarem cada vez mais atuais na medida em que o tempo passa. Ou seja, um clássico é aquele que sempre se apresenta como contemporâneo, independentemente de ter sido escrito no século 19 da nossa era ou antes de Cristo. Certas obras, inclusive, possuem o dom de serem muito mais pertinentes para os tempos em que estamos vivendo do que para os tempos em que foram escritas. É o caso, por exemplo, de um livro que venho utilizando com muita frequência em meus cursos e Laboratórios de Leitura para o mundo corporativo: A Morte de Ivan Ilitch, de Liev Tolstói, publicado originalmente em 1886.

A Morte de Ivan Ilitch narra a história de um homem comum, honesto e trabalhador que supera os grandes obstáculos sociais da Rússia czarista para chegar ao topo. Sendo o fênix de la famille, Ivan, dotado de grande inteligência emocional e força de vontade, não só chega à universidade, onde se forma em Direito, como, em pouco tempo, galga postos e cargos invejáveis, traçando uma carreira extraordinária. É claro que para performar desta maneira, Ivan se obriga a apostar todas as suas fichas e todas as suas forças. Como uma mariposa que sempre gira em torno de uma lâmpada (a imagem é do próprio Tolstói), assim era Ivan, por exemplo, em torno das pessoas mais bem posicionadas. E até mesmo na hora de escolher uma esposa, Ivan Ilitch colocou em ação suas melhores habilidades de networker. Como nos conta Tolstói, tudo, inclusive seu casamento, “estava de acordo com seus cálculos”. Tudo em nome do seu grande ideal: uma “vida leve, decente e agradável” – expressão que hoje foi sintetizada na palavra “sucesso”.

Muito rapidamente Ivan atinge seu objetivo. Seus primeiros anos de casado correspondiam perfeitamente a esse ideal: bom salário, boa posição social, uma casa decorada como todas as casas de pessoas bem-sucedidas devem ser. Tudo comme il faut; tudo perfeito para postar nas redes sociais. Entretanto, quando tudo parecia ir às mil maravilhas, no auge de suas forças e do seu sucesso, Ivan Ilitch adoece. Uma doença que começa sorrateira e que ele finge não ser nada, mas que, aos poucos, vai minando sua boa disposição e sua “vida leve, decente e agradável”. Ivan, então, vê-se obrigado a resignar-se à sua impotência. Primeiro tem de deixar o trabalho, e logo em seguida é esquecido por todos. Recluso no seu quarto, separado do convívio familiar por um biombo que mal disfarça os gemidos de dor e de angústia, Ivan se revolta. Busca uma explicação para sua desgraça, mas não a encontra. No drama do enfrentamento da solidão e da morte, Ivan, assistido apenas por um devotado criado que lhe mostra o que é a compaixão, começa então a revisitar sua trajetória e passa a desconfiar que talvez não tenha vivido a vida que era para ser vivida. Poucas horas antes de morrer, depois de passar por momentos lancinantes, Ivan consegue ver “aquilo” que era preciso ser feito para que a vida tivesse algum valor. Ivan, por isso, morre em paz, mas deixa para nós, leitores vivos, o seu drama: qual a vida que vale a pena ser vivida?

Não são poucos os líderes e gestores do mundo corporativo que, ao lerem e discutirem A Morte de Ivan Ilitch nos encontros de Laboratório de Leitura que coordeno, começam a fazer uma séria e profunda revisão de vida, mostrando como a história da vida e da morte de Ivan, escrita no século 19, pode ajudar muita gente, no século 21, a refletir sobre os rumos de sua vida com um pouco mais de tempo, antes que seja tarde demais.