Punks, góticos, surfistas, rappers, playboys, skatistas, clubbers, roqueiros… Para se diferenciarem uns dos outros e, ao mesmo tempo, compartilharem das mesmas paixões, os jovens costumam pertencer a uma determinada tribo urbana. Se encontram em festas, se vestem uniformemente, têm ídolos em comum e seguem uma espécie de cartilha de comportamento. É o que Márcia Merlo, professora de antropologia da PUC São Paulo, define como ?a construção de uma identidade para se diferenciar da sociedade?. Esse fenômeno, do, não se restringe apenas à juventude. No universo corporativo, esses grupos ganham espaço cada vez maior. Há os aficionados por aviões, os malucos por velocidade, os amantes de carros antigos, os fãs de motocicletas, os enófilos, os adoradores de canetas e assim por diante. Comportam-se, guardadas as devidas proporções, como os jovens. Só que com uma grande diferença: para fazer parte dessas tribos é necessário desembolsar polpudas quantias. Que o diga o executivo Lauro Chacon, diretor de recursos humanos de uma grande multinacional. Para ser mais um dos 200 sócios do Clube Céu, que reúne amantes de aviões ultraleves no Rio de Janeiro e que tem como fundador o presidente da companhia aérea portuguesa TAP, Fernando Pinto, ele comprou uma pequena aeronave italiana avaliada em US$ 55 mil. ?Pertencer ao clube é como compartilhar um sonho com outras pessoas?, diz Chacon.

Além de sonhos, é a chance de criar uma ampla rede de relacionamentos que, no futuro, pode render negócios. Afinal, esses grupos são formados por profissionais dos mais variados tipos ? de médicos até empresários. ?Grande parte dos meus amigos são proprietários de Harley Davidson?, diz o empresário Marco André Vilhena, dono de uma empresa de transporte de valores, referindo-se à mítica motocicleta. Ele é mais um dos membros do Harley Owners Group (HOG), um clube de três mil aficionados pelas portentosas máquinas. Apesar do visual, eles não lembram em nada o transviado motoqueiro Wyatt, personagem estrelado por Peter Fonda no filme Easy Rider, de 1969. Os integrantes costumam viajar nos fins de semana e não medem os gastos para aproveitar a sensação de liberdade nos seus cavalos de aço. Prova disso é que Vilhena encomendou um dos três exemplares da moto Softail Springer Screamim que desembarcará no Brasil em 2007. A máquina chegará ao País no valor estimado de R$ 130 mil. Mas, como um legítimo fã da marca, ele pretende instalar todos os acessórios a que tem direito. A brincadeira, portanto, custará R$ 180 mil.

Todo esse fanatismo, principalmente por carros, motos e aviões, é benéfico para as marcas. Mais: algumas delas fazem desse culto uma eficiente ferramenta de marketing. ?A gestão de relacionamento é a grande tendência do marketing moderno?, diz Pyr Marcondes, diretor da consultoria Superbrands. ?É uma maneira de estar presente até no momento de lazer dos clientes.? A italiana Maserati, por exemplo, faz isso com maestria. Ela criou um campeonato de automobilismo no qual empresários tornam-se pilotos nos fins de semana. Com nove etapas, o chamado Trofeo Maserati reúne 15 participantes e conquistou respeito no mundo do automobilismo. ?A vantagem da prova é que ela traz uma imagem positiva para a marca?, diz Chico Serra, piloto e diretor desportivo do projeto. Tudo é desenhado de modo a oferecer uma infra-estrutura completa aos pilotos. A começar pelo carro e pela equipe de mecânicos disponibilizados pela montadora italiana. Ao piloto, cabe apenas desembolsar uma média de R$ 40 mil por prova e dirigir o bólido a uma velocidade de 280 km/h. ?A sensação de entrar no carro e escutar o ronco do motor é única?, diz Rafael Derani, sócio do Grupo de Comunicação Projeção. ?A adrenalina vicia.? A paixão pela velocidade também é compartilhada com o seu pai, Walter Derani, que faz parte da equipe. ?Correr ao lado do meu filho é uma honra?, diz o pai coruja. Mas, afinal, até que ponto essa obsessão por um objetivo em comum é saudável?

O psicanalista Jorge Forbes alerta que pertencer a um determinado clube é bom até o momento em que o indivíduo não fique dependente daquele círculo. ?Se a pessoa não sabe separar as tarefas e põe o clube acima de tudo, a atividade torna-se insalubre?, diz ele. O Mercedes-Benz Classic Car Owners Club, um clube com 238 sócios, donos de carros antigos da marca, tenta fazer de suas reuniões ambientes propícios para troca de experiências e encontros familiares. DINHEIRO acompanhou o último evento mensal do clube realizado, em outubro passado, na cidade de Valinhos, interior de São Paulo, e comprovou como a paixão dos pais é passada para os filhos. O empresário Paulo Bodini, dono de um modelo 280C de 1974, desfilava orgulhoso com a sua pequena filha. Como ele, uma fila de motoristas e seus familiares passeava a bordo de carros antigos pela cidade. No trajeto, eram aplaudidos e recebidos com carinho pelos cidadãos. Se a turma da Mercedes gosta de exibir a paixão pelas máquinas, outros grupos preferem o anonimato. É o caso do Pen Club do Brasil, com 674 membros que se encontram em reuniões mais discretas. Para essa turma, a busca por novidades e raridades é incessante. ?Eu comprei canetas em 20 prestações?, conta o empresário José Roberto Fernandes. Hoje, com um acervo de 250 peças, ele guarda algumas delas no banco. ?As mais caras permanecem em um cofre com temperatura controlada.? Uma paixão, definitivamente, sem limites.

QUEM SÃO OS AFICIONADOS

 

CAVALOS DE AÇO
Quem são: o empresário Marcos Vilhena (à esq.) e o diretor de relacionamento do HOG Brasil, José Carlos Tadeu
O que é: Harley Owners Group, com três mil afiliados
Como é: Clube dos proprietários de motos Harley Davidson. O HOG oferece aos seus membros uma série de passeios mensais

 

ALTA VELOCIDADE
Quem são: Rafael Derani, sócio do Grupo Projeção, o piloto Arthur Bragantini e o empresário Walter Derani (da esq. para a dir.)
O que é: Trofeo Maserati, com 15 pilotos
Como é: campeonato de automobilismo dividido em nove etapas que são realizadas nos principais autódromos do País

 

NOSTALGIA ALEMÃ
Quem são: o empresário Paulo Bodini, o advogado Sérgio Preuss e o presidente fundador do clube, José Roberto Azevedo (da esq. para a dir.)
O que é: Mercedes-Benz Classic Car Owners Club, com 238 sócios
Como é: colecionadores de Mercedes antigos expõem os carros e conversam sobre as máquinas

 

FINA ESCRITA
Quem são: José Roberto Fernandes (à esq.), presidente da empresa de eventos Intermeios, e Sebastião Martins, dono da Loja de Canetas Ravil
O que é: Pen Club do Brasil, com 674 membros
Como é: clube que reúne colecionadores de canetas e organiza encontros semanais

ENÓFILOS EM AÇÃO
Quem são: Daniel Pinto, médico ortopedista, Edécio Armbruster, presidente da Sbav, e José Luiz Pagliari, membro da associação (da esq. para a dir.)
O que é: Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, com 200 sócios
Como é: com reuniões semanais e degustações de vinho, ela oferece diversos cursos