O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante reunião do Conselhão, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), na terça-feira, 12, repercutiu na imprensa. “Se for necessário este país fazer o endividamento para crescer, qual é o problema? Qual o problema de você fazer uma dívida para produzir ativos produtivos para este país?”, questionou o Chefe do Executivo. Mas qual, afinal, é o problema da fala de Lula?

A fala vai de encontro com o que é defendido pela equipe econômica, em especial ao pensamento do ministro Fernando Haddad, líder da Fazenda, sobre fechar 2024 com déficit zero e cumprir a meta fiscal. O presidente da República vem contrariando o ministro, e já disse que a meta “dificilmente será cumprida” e que não faria corte de investimentos para garanti-la.

“Não é verdade que déficit faz crescer. De dez anos para cá, a gente fez R$ 1,7 trilhão de déficit e a economia não cresceu. Não existe essa correspondência, não é assim que funciona a economia”, explicou Haddad em encontro de filiados do PT.

Em entrevista para a IstoÉ Dinheiro, André Roncaglia, doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que Lula volta, na fala de ontem, a salientar a prioridade alocativa dele, que é fazer investimentos e, de certa maneira, desafiar ou pressionar a Fazenda que cria espaço orçamentário, para não prejudicar os gastos essenciais do governo.

“Existe um orçamento de gasto corrente, que é esse que o Haddad está tentando segurar, e existe o orçamento de investimento, que são os gastos de capital. Apesar da fala do presidente estar incorporando ambos sem diferenciar, essencialmente o que ele está dizendo é que investir em capital, seja na infraestrutura física, seja na infraestrutura social, gera efeitos que são positivos e que no longo prazo eles se pagam”, explica o professor. 

Assim, Roncaglia compara com exemplo dos Estados Unidos, citando políticas adotadas: “o próprio plano Biden, o Inflation Reduction Act, o CHIPS Act, o American Families Plan, todos esses planos que o presidente fez nos EUA foram feitos com um forte endividamento do Estado porque se entende que o efeito social, o retorno social desses gastos, eles mais do que compensam o custo financeiro deles em termos de endividamento”.

O que é a dívida pública?

A dívida pública “abrange empréstimos contraídos pelo Estado junto a instituições financeiras públicas ou privadas, no mercado financeiro interno ou externo, bem como junto a empresas, organismos nacionais e internacionais, pessoas ou outros governos”. A dívida federal pode ser formalizada por meio de contratos celebrados entre as partes, ou por meio da oferta de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional.

Maria Lúcia Fattorelli, fundadora da organização Auditoria Cidadã da Dívida, traz à tona que países ricos consideram as dívidas internas instrumentos de investimento, diferente de como faz o Brasil. Hoje, a dívida brasileira, na casa dos R$ 7,9 trilhões – 74% do Produto Interno Bruto (PIB), ‘não tem contrapartida em investimentos públicos’, conforme defende a ex-auditora da Receita Federal. Segundo ela, mecanismos financeiros usam a dívida pública para promover desvios de recursos para bancos e grandes rentistas, desvirtuando o que deveria ser um meio para financiar investimentos importantes para o país.

“Toda a receita advinda de novos títulos é usada para pagar os gastos com a própria dívida. É insustentável, é uma pirâmide. Há anos novos títulos são emitidos para pagar os gastos da própria dívida. É dinheiro que deixa de ir para a saúde, educação e demais investimentos”, afirma. 

Em suma, o ‘problema’ hoje pode ser o desalinhamento da fala de Lula com o discurso de Haddad, que mantém o discurso de contas controladas.

“Eu não vejo com muita preocupação do ponto de vista orçamentário, fiscal, essa fala do presidente Lula, pois quem está tocando isso é a Fazenda. Então eu acho que o que ele está colocando é mais o trabalho do líder de motivar os empresários, motivar as pessoas a tocar esses planos, a avançar nisso. E no que depender do governo, eu acho que o presidente Lula está dizendo que existem mecanismos de endividamento que podem ser via BNDS, via bancos públicos – Caixa, Banco do Brasil – e eventualmente até pelo orçamento, se for necessário”, finaliza Roncaglia.