EUA e Israel bombardearam instalações de enriquecimento de urânio. Órgão fiscalizador da ONU afirma até agora não ter informações sobre aumento nos níveis de radiação, e especialistas veem danos limitados.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ter “obliterado” as três principais instalações do programa nuclear iraniano na noite deste sábado (21/06 no horário de Washington, madrugada de domingo no Irã): Isfahan, Natanz e o ultraprotegido complexo subterrâneo de Fordo, que foi alvejado com bombas especiais antibunker capazes de “escavar” o solo antes de explodir a até 61 metros de profundidade.

Fordo era considerado especialmente estratégico porque teria sido projetado para produzir graus mais puros de urânio, o que o tornava militarmente mais significativo. Foi ali que, em 2023, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão de fiscalização nuclear da ONU, anunciou ter encontrado partículas de urânio enriquecido a um grau de 83,7% de pureza – próximo dos 90% necessários ao desenvolvimento de armas nucleares.

A extensão dos danos causados pelo ataque deste domingo segue desconhecida.

Desde 13 de junho, Israel também vem atacando instalações nucleares em Natanz, Isfahan, Arak e Teerã. A ação tem o objetivo declarado de inviabilizar o desenvolvimento de armas de destruição em massa pelo regime iraniano. Teerã nega que tivesse essa pretensão e alega que seu programa nuclear tinha apenas fins civis.

Mas até que ponto esses bombardeios poderiam provocar um desastre nuclear?

Órgão fiscalizador da ONU monitora situação

A AIEA até agora contabiliza danos à instalação de enriquecimento de urânio em Natanz, ao complexo nuclear de Isfahan e a centros de produção de centrífugas em Karaj e Teerã.

Em Arak, segundo a entidade, as forças israelenses danificaram o reator de pesquisa de água pesada de Khondab, que ainda estava em construção, além de uma planta próxima que produzia água pesada. A AIEA afirma que as estruturas não estavam em operação e não continham material nuclear, e que portanto não houve efeitos radiológicos.

Sobre os ataques deste domingo a Isfahan, Natanz e Fordo, o órgão disse que não há informações de aumento nos níveis de radiação. “Até o momento, não esperamos que haja qualquer consequência para a saúde das pessoas ou do ambiente fora das áreas atingidas”, afirmou o diretor da AIEA, Rafael Grossi.

Risco de contaminação limitado, dizem especialistas

Especialistas até agora têm afirmado que o risco de contaminação decorrente dos ataques contra a infraestrutura nuclear iraniana é baixo. Isso porque, diferentemente da usina nuclear de Bushehr – que, até agora, não teria sido afetada por bombardeios –, não há reações nucleares acontecendo nas unidades de enriquecimento de urânio atacadas.

Horas antes do ataque a Fordo, a emissora americana NPR havia informado que o urânio enriquecido armazenado nos subterrâneos do complexo está na forma gasosa, e que “isso significa que não há como ocorrer uma reação em cadeia nuclear descontrolada”.

Como explicou à Reuters a pesquisadora Darya Dolzikova, do think-tank londrino Rusi, ataques a instalações nas etapas iniciais do ciclo do combustível nuclear — as fases em que o urânio é preparado para uso em um reator — representam, sobretudo, riscos químicos, e não radiológicos.

Nas instalações de enriquecimento, como Natanz, Isfahan e Fordo, a preocupação dos cientistas é com o UF6, ou hexafluoreto de urânio.

“Quando o UF6 interage com o vapor d’água no ar, ele produz substâncias químicas nocivas”, disse Dolzikova à agência de notícias Reuters. “Com ventos fracos, grande parte do material tende a se depositar nas proximidades da instalação; com ventos fortes, o material pode viajar por distâncias maiores, mas também tende a se dispersar mais amplamente. O risco de dispersão de produtos químicos perigosos é menor em instalações subterrâneas.”

Chefe da unidade de segurança civil da Universidade de Leicester, no Reino Unido, Simon Bennett também afirmou à Reuters que os riscos ao meio ambiente decorrentes de um ataque a instalações subterrâneas são mínimos, pois o material nuclear está “enterrado sob possivelmente milhares de toneladas de concreto, terra e rocha”.

Antes de entrar em um reator nuclear, o urânio é pouco radioativo, explica James Acton, codiretor do Programa de Política Nuclear da Carnegie Endowment for International Peace. “O hexafluoreto de urânio é tóxico […]. mas na verdade não costuma se deslocar por grandes distâncias e é pouco radioativo”, acrescentou.

Segundo ele, é “improvável” que ataques como os que Israel vêm conduzindo causem consequências significativas para além das próprias instalações nucleares.

Ataque a Bushehr poderia provocar desastre nuclear

A grande preocupação dos especialistas é com a segurança do reator nuclear em Bushehr, na costa do Golfo. A instalação é a única usina nuclear em operação no país, e funciona com combustível importado da Rússia.

O temor de uma catástrofe tomou conta da região na última quinta-feira (19/06), quando os militares israelenses anunciaram ter alvejado Bushehr e depois voltaram atrás, dizendo que haviam se enganado – Israel afirma querer evitar qualquer desastre nuclear.

Especialistas concordam que ataques a instalações de enriquecimento de urânio seriam um problema menor de contaminação química, com alcance restrito ao entorno, mas que danos a reatores de energia seriam um problema muito mais sério. Num cenário desses, elementos radioativos seriam liberados no ar ou no mar, possivelmente causando uma “catástrofe radiológica”, nas palavras de Acton.

Além de Bushehr, há ainda um reator de pesquisa nuclear em Teerã que contém radioatividade e que, se atingido, representaria um grande risco de contaminação radiológica “mais parecido com Fukushima ou Tchernobil”, nas palavras do jornalista Geoff Brumfiel à emissora NPR.

Segundo Brumfiel, outro local crítico é o reator nuclear em Dimona, Israel. Ele é parte do programa de armas nucleares israelenses e, se atingido pelo Irã, poderia desencadear uma crise de grandes proporções.

Países do Golfo estão especialmente preocupados

Para os países do Golfo, o impacto de qualquer ataque a Bushehr seria piorado pelo potencial de contaminação do mar na região, comprometendo seriamente uma fonte importante de água potável dessalinizada.

A água dessalinizada responde por mais de 80% da água potável nos Emirados Árabes Unidos, e por cerca de 50% na Arábia Saudita. No Barein e no Catar, a dependência é total.

O Conselho de Cooperação do Golfo (GCC, em inglês) está em alerta máximo para monitorar qualquer eventual contaminação decorrente dos ataques, segundo a Reuters, mas até o momento não detectou quaisquer sinais de ameaça.

“Se um desastre natural, vazamento de óleo ou mesmo um ataque proposital prejudicarem a dessalinização da água, centenas de milhares de pessoas poderiam perder o acesso a água de forma praticamente instantânea”, explicou Nidal Hilal, professor de engenharia e diretor do Centro de Pesquisa em Água em Abu Dhabi da New York University.

“Plantas costeiras de dessalinização são especialmente vulneráveis a ameaças regionais, como vazamentos de óleo e contaminação nuclear”, disse Hilal.

ra (Reuters, AP, ots)