Escalada do conflito e possível fechamento do Estreito de Ormuz pressiona preços do petróleo e provoca temores de efeito-cascata em outras cadeias de produção.A escalada do conflito entre Israel e Irã e o envolvimento dos EUA eleva o risco de uma campanha militar mais ampla na região, cujos impactos econômicos seriam sentidos em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Até o momento, o governo brasileiro condenou os ataques e diz acompanhar com “forte preocupação” a ofensiva israelense. Do ponto de vista econômico, o temor é que uma consequente elevação dos preços do petróleo tenha efeito-dominó, afetando outros produtos importados e exportados pelo Brasil.

Em 2024, quando as tensões entre Israel e Irã estavam num patamar muito mais baixo, o Ministério de Minas e Energia já havia demonstrado preocupação com a falta de suprimentos se o conflito se ampliasse.

Israel mira gás e petróleo do Irã

Ao lançar mísseis contra o Irã, Israel mirou a infraestrutura militar do regime iraniano mas também suas instalações de produção energética. O complexo South Pars, que abriga um dos maiores campos de gás natural do mundo, foi atingido, assim como refinarias de petróleo no sul do país. Apesar disso, não há relatos de impactos diretos na capacidade produtiva iraniana de derivados fósseis.

Ainda assim, a ofensiva militar pressionou os preços mundiais do Brent (petróleo bruto), que subiram 19% desde a véspera dos primeiros ataques israelenses. A expectativa é que os valores possam alcançar o pico observado no início da invasão russa da Ucrânia, por exemplo. Na ocasião, houve impacto inflacionário direto sobre diversas cadeias produtivas.

Nesta segunda-feira (23/06) a commodity sofreu uma nova escalada, chegando a 77,1 dólares (R$ 419) por barril. O movimento ecoa a entrada direta dos EUA no conflito e a decisão do parlamento iraniano de fechar o Estreito de Ormuz.

O pequeno trecho marítimo de 33 quilômetros de comprimento conecta o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e escoa 20% da produção mundial de petróleo, o equivalente a 19 milhões de barris por dia.

Por ali também passa um terço do petróleo transportado por via marítima, majoritariamente produzido pelos países que compartilham as águas do Golfo Pérsico: além do Irã, Kuwait, Bahrein, Iraque, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Omã, dos quais cinco constam entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo.

O estreito também permite a distribuição de gás natural liquefeito, grande parte produzido em South Pars e na refinaria catariana de North Dome, além de produtos químicos e fertilizantes. O Irã, por exemplo, é o 8º maior fornecedor de ureia ao Brasil, que em 2025 comprou 20 milhões de dólares (R$ 110 milhões) do produto. No caso do petróleo, o Brasil, apesar de ser produtor, ainda precisa comprar: em 2023, por exemplo, 22% das importações vieram da Arábia Saudita.

Bruno Cordeiro, analista de Inteligência de Mercado da StoneX, avalia que mesmo a alternativa de escoar a produção pelo Mar Vermelho pode ser arriscada e manter os preços em patamares elevados, já que a via marítima é alvo de ataques dos rebeldes houthis do Iêmen, apoiados pelo Irã.

Risco de fechamento do estreito

O fechamento da passagem marítima ainda depende de uma série de instâncias deliberativas e do aval do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei. Mas sua possibilidade já alimenta a especulação, e os custos globais de petróleo e gás.

A expectativa também encarece os custos de frete e de seguros, desencadeando um aumento de preços global. Especialistas avaliam um risco de efeito-cascata também nos custos dos alimentos.

Para o doutor em Geografia e pesquisador de pós-doutorado na Unicamp Gustavo Glodes Blum, o Brasil é pouco dependente da economia iraniana e israelense, mas muito interdependente num contexto mais amplo, sofrendo efeitos indiretos da reorganização dos fluxos comerciais.

“Um conflito pode fazer esses países desenvolverem práticas de limitação da circulação, seja dos recursos financeiros, seja de produtos a serem exportados”, afirma. O fechamento de Ormuz é um exemplo desse efeito sistêmico, pois envolve não apenas o Irã, mas os demais países do Golfo.

“Um conflito internacional traz consequências de um ponto de vista mais amplo, como a disrupção dos corredores econômicos, das vias de circulação e a relação que o Brasil tem com outros países que estão envolvidos.” Blum avalia que a interrupção da navegação no estreito incorre num efeito diferente ao observado na última vez em que foi fechado, na década de 1980, durante a guerra Irã-Iraque.

Na ocasião, o principal temor era a escassez de fornecimento de petróleo ao Ocidente. Hoje, o impacto também poderia implicar o impedimento da exportação de produtos aos países do Golfo, alguns altamente dependentes da compra de alimentos.

As exportações brasileiras, por exemplo, podem ser afetadas. Em 2024, o país vendeu 10,6 bilhões de dólares (R$ 58,6 bilhões) em produtos ao Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Entre os mais vendidos estão cana-de-açúcar, milho, soja, carnes e derivados.

Desarranjo dos mercados

Em entrevista ao Uol, o assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, também cita o risco de o conflito atingir uma dimensão maior e impactar um mercado já pressionado pela política tarifária americana: “Se somar ao cenário a guerra tarifária, acho que o mundo está correndo o risco de afundar como eu nunca vi.”

Outro desdobramento comum quando há tensões elevadas é o desarranjo dos mercados. Em análise publicada nos primeiros dias do conflito, analistas do holding financeiro JPMorgan avaliaram que preços mais altos de insumos energéticos poderiam afetar a confiança dos investidores, consequentemente afetando os gastos. Um dos resultados seria a busca por alternativas mais seguras, como o dólar e o ouro, desvalorizando o real. Nos últimos cinco dias, a Ibovespa opera em queda.

Alternativas ao petróleo do Golfo

Por outro lado, o JPMorgan e outros analistas observam que o mundo tem alternativas para contornar uma alta dos preços do petróleo, um mercado que já se confronta com o crescimento das energias renováveis.

“Se observarmos uma interrupção significativa, a cadeia de suprimento de energia parece ter mais capacidade de absorver o choque do que em décadas passadas”, diz a análise do JPMorgan. “Por exemplo, tais eventos provavelmente resultariam em outros produtores de petróleo aumentarem a oferta. A Opep+ tem capacidade ociosa, e a produção dos EUA tem demonstrado flexibilidade.”

Essa também é a análise de Bruno Cordeiro, analista de Inteligência de Mercado da StoneX. Um dos produtores que pode se beneficiar, a médio prazo, é justamente o Brasil.

“Uma eventual redução da produção iraniana poderia, por exemplo, ser compensada por um aumento da oferta brasileira, não no curto prazo. […] O Brasil poderia ampliar o escoamento de petróleo para outros países, principalmente países que demandam muito petróleo do Oriente Médio, que se localizam principalmente no continente asiático”, afirma Cordeiro.

Em entrevista ao Estadão, a gerente geral de Petróleo, Gás, Energias e Naval da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Karine Fragoso, ressalta que, no curto prazo, uma disrupção na região comprometeria o estoque de petróleo brasileiro: “Hoje, temos menos de 13 anos [de reserva de petróleo], o que nos acrescenta riscos desnecessários e nos coloca numa posição de desvantagem frente a outras economias.”