25/08/2025 - 11:07
Não só os riscos oferecidos pelo conteúdo inapropriado, mas também a influência sobre o desenvolvimento: o que dizem especialistas sobre o uso de celulares, tablets e televisão por crianças e adolescentes.Apesar de existirem inúmeros estudos, pesquisas e recomendações, até hoje não há regras internacionais uniformes sobre o tempo de tela para crianças. Existem, porém, alguns princípios básicos que unem médicos, psicólogos, pesquisadores de dependência química e educadores de mídia. Esses princípios se orientam pelas necessidades das crianças em cada estágio de desenvolvimento e seguem o raciocínio de que é melhor adotar a suspeita cientificamente fundamentada de que celulares e similares são prejudiciais do que se arrepender depois.
A regra dos 3 anos
“Sem tela até os 3 anos” é a regra básica na Alemanha. “Durante essa fase da vida, as crianças não precisam do conteúdo das telas nem o entendem”, diz a pediatra Ulrike Gaiser, coautora das diretrizes alemãs de mídia para crianças.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) é menos rigorosa e recomenda no máximo uma hora de tela por dia para crianças a partir dos 2 anos. Mas também afirma: “Menos é melhor”.
Os primeiros dois anos de vida são o período em que a criança entra em contato com o ambiente que a cerca. Nessa fase ela vai ampliando seu foco, passando da mãe para as outras pessoas, para o quarto em que está, diz Gaiser. “Aí ela percebe uma bola do outro lado do quarto – e começa a engatinhar pelo quarto.” Para que seja assim, é importante que a própria criança aprenda a direcionar e controlar sua atenção – ela não deve ser colocada diante de algo que desvie essa atenção.
As crianças também devem aprender desde cedo que pode demorar um pouco para que suas necessidades sejam atendidas. Que do choro até os pais trazerem a comida pode-se passar algum tempo. Que não se pode moldar o mundo ou fazê-lo sumir com um deslizar de dedo ou apertando um botão. Esperar e aceitar as coisas são a base da vida, diz Gaiser.
Tempo de tela é tempo sem brincar
“Crianças percebem o mundo de forma diferente dos adultos”, lembra a psicóloga infantil Julia Asbrand, da Universidade de Jena. Isso vale tanto para desenhos animados como para redes sociais. “Crianças bem pequenas podem acreditar que tudo o que elas veem é real”, explica Asbrand. É claro que elas podem se assustar ou ficar com medo. O pai ou a mãe devem estar atentos e perguntar ao filho: “O que você acabou de ver? Você quer me perguntar algo sobre isso?”
O que mais incomoda os especialistas é que o tempo de tela substitui a vida real, o tempo em que as crianças poderiam estar desenvolvendo suas habilidades motoras ou interagindo com outras pessoas e adquirindo experiências sociais.
Pesquisas recentes mostram que, para cada minuto gasto diante de uma tela, as crianças ouvem seis palavras a menos de seus pais. Ao longo dos anos chega-se a um vocabulário perdido relativamente grande. Quanto mais tempo as crianças ficarem sozinhas diante de uma tela, piores serão suas futuras habilidades linguísticas. Se o tempo de tela for reduzido, a habilidade motora fina, a capacidade de atenção e o comportamento social melhoram.
Interação e imaginação
Antes de as crianças entrarem para a escola, elas precisam explorar o mundo, ter experiências sensoriais, aprender a se orientar num espaço e brincar com outras crianças. “E isso várias horas por dia”, diz Gaiser. Com as brincadeiras, elas também aprendem que outras pessoas às vezes têm ideias diferentes, que é preciso negociar com elas, se impor ou ceder. Que falhar é uma possibilidade.
Esta fase também é importante para o desenvolvimento da imaginação. As crianças precisam aprender a explorar o seu entorno e a criarem seu próprio mundo. Quanto menos oportunidades elas tiverem de criar imagens próprias no cérebro, mais difícil será para elas desenvolver a imaginação. Por isso, o tempo máximo de tela indicado nessa fase é de 30 minutos diários.
Valores no ensino fundamental
Entre os 6 e os 9 anos, as crianças começam a desenvolver a moral, diz Gaiser. “Queremos que a internet assuma isso?” São características como disciplina, empenho e conhecimento – e a questão se é possível confiar no próprio conhecimento ou naquilo que as redes sociais dizem. Na Alemanha, a recomendação é de no máximo 30 a 45 minutos diários no tempo livre (sem contar o uso de tablets na escola, por exemplo). E acompanhadas do pai ou da mãe.
Mas é importante não ser dogmático. Claro que quanto menos tempo de tela, melhor. Mas uma boa parte da vida social nos dias de hoje acontece nas redes sociais, observa Asbrand. Se o seu filho não estiver no grupo de WhatsApp da turma da escola – especialmente na próxima fase da vida – ele estará excluído. E isso também não pode acontecer.
Monitorar o conteúdo fica mais difícil
Os especialistas também sabem: é uma ilusão querer manter as crianças longe dos celulares. Em vez disso, a questão passa a ser um uso mais saudável (ou menos prejudicial) das telas. Na Alemanha, os médicos recomendam um máximo de 45 a 60 minutos diários diante de telas para crianças de 9 a 12 anos durante seu tempo livre. Dos 12 aos 16 anos, o máximo sobe para de uma a duas horas e, entre 16 e 18, são cerca de duas horas.
Durante a pré-adolescência e a adolescência, é ainda mais importante os pais fazerem perguntas abertamente, demonstrarem interesse e deixar que os filhos lhes mostrem ao que estão assistindo, diz Asbrand. “Um dos maiores problemas é quando as crianças fazem coisas secretamente e são vítimas de aliciamento online (grooming). As crianças às vezes não ousam conversar com os pais sobre isso porque sabem que não deveriam ter agido em segredo.”
Tablets podem ser úteis
“Nós sabemos que é difícil impor os limites de tempo que sugerimos”, diz Gaiser. Muito mais importante do que respeitar o tempo exato é o conteúdo: ao que exatamente as crianças estão assistindo? A um jogo educativo para a escola? A reels da guerra da Ucrânia? A vídeos de gatos? Ou uma criança com transtorno alimentar está passando muito tempo com influenciadores digitais de fitness? E sobretudo: como ela está se sentindo?
Do ponto de vista da dependência, é especialmente importante que o consumo não se torne um hábito, diz Asbrand. Além disso, deve-se levar em conta que cada criança é diferente, cada mídia é diferente e cada conteúdo é diferente.
Abrir mão das mídias digitais é irreal. “Há coisas fantásticas na internet”, comenta Gaiser. Tablets podem ser uma ferramenta útil na escola, por exemplo para aprender idiomas ou encontrar pessoas de interesses semelhantes. Na vida privada, as mídias sociais podem ajudar a manter contato, por exemplo, com os avós ou com os pais durante viagens de negócios. E também podem ajudar a estabelecer conexões: Gaiser conta que uma de suas pacientes troca ideias online com um explorador polar.
O que os pais podem fazer
Os pais devem evitar deixar seus filhos sozinhos em frente às telas, devem conversar sobre o uso de mídias e saber ao que seus filhos estão assistindo. Um bom relacionamento entre pais e filhos, liberdade e confiança são essenciais, assim como estar ciente dos potenciais riscos e do quão viciante a mídia digital pode ser.
Os pais devem ficar realmente alarmados quando os filhos se isolarem, passarem a evitar outras atividades ou se mostrarem tristes ou chateados sem motivo aparente.
Também é possível usar as limitações de tempo oferecidas pelos próprios aparelhos ou criar regras claras a serem seguidas por todos, inclusive os pais. Por exemplo: todos os celulares deixam de ser usados às 20h.