05/10/2020 - 9:02
Com o anúncio dos Prêmios Nobel esta semana, surge uma pergunta recorrente: os prêmios mais prestigiosos do mundo em física, química e medicina estão desatualizados, visto que a ciência moderna é feita principalmente de forma coletiva?
Esses prêmios datam de 1901, período em que a maioria das descobertas ocorria na mente, ou no laboratório, de um único indivíduo.
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Hoje, no entanto, a maioria dos marcos científicos é alcançada por meio de colaborações envolvendo dezenas, ou centenas, de pesquisadores, trabalhando em campos diferentes, mas interligados.
Por exemplo, duas equipes de 1.500 cientistas descobriram este ano um buraco negro de massa intermediária.
Além disso, os grandes avanços da ciência dependem cada vez mais da tecnologia, às vezes usada – especialmente na física – para testar fenômenos teorizados antes mesmo do nascimento dos pesquisadores contemporâneos.
“A recusa do Comitê Nobel em recompensar mais de três pessoas causou injustiças manifestas”, disse à AFP Martin Rees, ex-presidente da Royal Society of London e do British Astronomer Royal.
Assim, há vários casos de um quarto homem, ou mulher, que ficou sem o prêmio, apesar de tê-lo merecido. Rees cita como exemplo Tom Kibble por seu trabalho sobre a partícula subatômica conhecida como bóson de Higgs.
Outros lamentam que o virologista americano Robert Gallo não tenha sido reconhecido por sua contribuição para a descoberta do vírus da aids; a britânica Rosalind Franklin, por seu trabalho pioneiro sobre o DNA; e o físico italiano Adalberto Giazotto, por seu papel na detecção de ondas gravitacionais.
– Áreas excluídas –
Essa limitação também “deu uma impressão errada de como a ciência está progredindo”, acrescenta Rees, observando que os Nobel excluem “grandes áreas”, como matemáticas e ciências ambientais.
Mesmo os maiores defensores dessas recompensas reconhecem que a ciência mudou radicalmente desde a era de nomes como Albert Einstein e Pierre e Marie Curie.
“É verdade que a ciência moderna é frequentemente realizada entre grandes grupos de pessoas em interação”, admite Erling Norrby, um virologista sueco, que participou por décadas da atribuição dos prêmios científicos.
“Mas a questão é se podemos identificar um, ou dois, líderes, e acho que podemos saber quem liderou a iniciativa”, argumenta.
Além disso, tanto o Instituto Karolisnka, que atribui o Prêmio Nobel de Medicina, quanto a Real Academia Sueca, responsável pelas áreas de Física e Química, evoluíram com o tempo.
Entre 1920 e 1930, 23 dos 30 prêmios foram concedidos a cientistas individuais e, na década após a Segunda Guerra Mundial, o número caiu para 19. Nos primeiros 20 anos deste século, isso aconteceu apenas quatro vezes.
– Prêmios mais “justos” –
A regra de três foi estabelecida em 1934 para o de Medicina; em 1946, para o de Química; e, em 1956, para o de Física.
Norrby reconhece que o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN) – que, entre outras coisas, realizou experimentos para detectar o bóson de Higgs – poderia ter compartilhado o Nobel se essa limitação não existisse, como é o caso do Prêmio da Paz.
Rees aplaude outros prêmios científicos mais recentes.
“Os prêmios Breaktrough e Gruber – que premiaram a descoberta de ondas gravitacionais antes do Comitê Nobel – foram mais justos, destacando os líderes, mas reconhecendo explicitamente toda a equipe”, até mesmo financeiramente, destaca.
“É claro que é difícil identificar os principais autores dessas redes globais”, disse à AFP Stavros Katsanevas, diretor do Observatório Gravitacional Europeu, que desempenhou um papel fundamental no Prêmio Nobel de Física de 2017.
“Mas temo que, se você conceder o prêmio apenas a um experimento e à pessoa que o liderou na época, o impacto será diluído”, alegou.
Katsanevas também argumenta, no entanto, que a ciência do século XXI requer não apenas grande intelecto, mas também visão, coragem e habilidades organizacionais.
“Quando você tenta algo novo, é considerado um desertor em sua área e um estranho na nova”, diz esse pesquisador, que navegou toda sua carreira entre a física de partículas e a astrofísica.
“O fato de alguém decidir dar um passo à frente, enquanto os outros não, deve continuar a ser reconhecido”, frisou.