Em algumas de suas passagens pelo Brasil, o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton costumava externar aos seus interlocutores o espanto com a quantidade de favelas e moradias precárias no trajeto entre os aeroportos do Rio de Janeiro ou de São Paulo e o hotel onde ficaria hospedado. No entanto, em vez de ver apenas miséria, Clinton enxergava nesses espaços um possível celeiro de talentos prontos para desabrochar. Bastava que não lhes fosse negado o acesso à educação e ao mercado de trabalho em condições dignas, acreditava ele. “É desses locais que podem brotar futuros cientistas”, dizia. 

 

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Infelizmente, no Brasil, a questão social é apenas uma das facetas que atrasam o pleno desenvolvimento do País. Desde meados da década de 1990, com o fim da hiperinflação, combinado com a intensificação dos programas de distribuição de renda, o Brasil tem experimentado avanços importantes nesse campo. Apesar disso, persiste a lógica perversa da discriminação racial velada. Não oficial e teoricamente não consentida, mas percebida nos centros de poder, nos bancos das universidades públicas e privadas, e mais fortemente no mercado de trabalho. 

 

Afinal, o que mais explicaria o fato de encontrarmos tão poucos afrodescendentes nesses locais, especialmente quando lembramos que os integrantes desse grupo somam 50,9% da população, de acordo com o censo 2010 do IBGE. É bem verdade que alguns avanços têm sido verificados. Especialmente em função de políticas públicas de promoção social e de renda, além de inicitivas empresariais no campo da diversidade racial. Embora programas de complementação de renda tenham sido importantes, o economista Marcelo Neri, ministro da Secretaria Assuntos Estratégicos (SAE) e presidente do Ipea, pontua que o principal combustível da mudança foi a renda do trabalho. 

 

É nesse ponto que a questão assume um ar ainda mais dramático. Se por um lado um número maior de afrodescendentes tem tido acesso às universidades, por outro nada garante que estes jovens serão acolhidos no mercado de trabalho. Pior, mesmo que superem as chamadas “barreiras invisíveis”, tudo indica que seus rendimentos serão menores do que os de seus colegas não negros. Em recente estudo, Neri mostrou que os afrodescendentes compõem uma fatia de 30 milhões ou mais de 70% dos 40 milhões dos brasileiros que ascenderam à nova classe média. 

 

“É mais do que o número de negros que vivem na África do Sul”, disse Neri em cerimônia na Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. A melhora nas condições de vida tem relação direta com a evolução do nível de escolaridade. A pesquisa, no entanto, mostra que mesmo mantido o ritmo acelerado de promoção social e de renda, dos últimos 10 anos, seriam necessários outros 50 anos para por fim ao que o economista classificou como a pior marca brasileira, “a desigualdade racial”. 

 

Na última semana, em meio aos festejos do Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, uma profusão de pesquisas escancarou o que percebemos nas entrelinhas. O rendimento médio dos trabalhadores negros é 36% menor que o dos não negros. Como fazer brotar cientistas, pesquisadores e outros profissionais em áreas de ponta, se relegamos uma parte considerável de nossos jovens ao ostracismo, baseados apenas na cor de sua pele?