Numa tentativa enviesada de imitar o clássico de Frank Capra A Mulher Faz o Homem (Mr. Smith Goes to Washington, no original), o senador republicano Ted Cruz, do Texas, ocupou a tribuna do Senado durante 21 horas e 19 minutos, no fim de setembro, para tentar obstruir uma sessão. Só que, enquanto no filme americano dos anos 30 o personagem de James Stewart ocupa a tribuna na tentativa de evitar uma negociata na venda de terras, Cruz tentava impedir a votação do orçamento deste ano fiscal, que começou no dia 1º de outubro. Como os democratas têm maioria no Senado, ele acabou derrotado. Mas conseguiu marcar posição ao se cacifar como líder da direita mais radical americana, contrária a qualquer coisa que soe como distribuição de renda ou proteção dos mais pobres. Os partidários do senador Cruz foram derrotados no Senado, mas venceram a batalha na Câmara dos Representantes. Ao não aprovar o orçamento, porque insistiam no adiamento da entrada em vigor do Obamacare – um plano que amplia um pouco, apenas um pouco, a cobertura da saúde pública aos mais pobres dos Estados Unidos –, os republicanos conseguiram paralisar todo o governo federal por duas semanas e quase levaram o país ao calote. Só no último momento é que concordaram com a elevação do teto da dívida pública. Sem isso, como alertaram ao presidente Barack Obama os maiores banqueiros do país, no início do mês, as consequências para a economia americana e mundial seriam inimagináveis. Mas os políticos preferiram correr o risco. O país pode até quebrar e o mundo mergulhar numa recessão, desde que a próxima reeleição esteja garantida. A corda esticada no Congresso americano, até ao ponto de quase ruptura, é uma mostra de como a política “sequestrou” o debate econômico. Para os radicais americanos, é melhor correr o risco de jogar o mundo de novo numa crise do que aceitar uma melhor divisão dos recursos – ou de parte deles, pelo menos – que poderia beneficiar todo mundo, inclusive ajudando a reativar a economia. 

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Ao não aprovar o orçamento, os republicanos, do senador Ted Cruz, paralisaram o governo por duas semanas

 

A briga partidária está acima da análise racional. Não é diferente no Brasil. Com frequência vemos, também por aqui, decisões que são tomadas levando em conta apenas a lógica política, sem nenhuma consideração aos seus benefícios sociais ou econômicos. Um exemplo é a resistência corporativista dos médicos aos profissionais estrangeiros. Para eles, é melhor que a população não tenha nenhum cuidado a correr o risco de ser atendida por alguém que tenha dificuldade com algumas palavras na língua pátria. Isso também pode ser visto quando um integrante do atual governo despreza a importância da estabilização monetária do Plano Real como base dos avanços que vieram depois. Ou quando a oposição não reconhece a excelente resposta dada pelo governo na crise de 2008, que de fato minimizou os efeitos do tsunami mundial. Mas o debate político não sequestrou apenas o Congresso. Atingiu a sociedade como um todo. A reação dos petroleiros ao leilão do pré-sal, por exemplo. Os que se opõem ao leilão que será realizado nesta segunda-feira 21, defendem o velho slogan “o petróleo é um patrimônio do povo brasileiro e não pode ser vendido às multinacionais”. Será que pensam que o petróleo debaixo da terra – ou, neste caso, de uma profunda camada de água do mar, areia e sal – é que vai gerar riqueza? Qual é o problema em existir empresas estrangeiras trabalhando no Brasil, desde que respeitem a lei e paguem os tributos? É a ideologia, mais uma vez, sequestrando o debate sobre o melhor uso dos recursos. Neste momento, eles se igualam aos americanos do Tea Party. Em lados opostos do espectro ideológico, mas com métodos idênticos e resultados igualmente desastrosos.