08/04/2022 - 23:20
Em um tribunal dos EUA, ex-reféns do grupo Estado Islâmico (EI) observaram atentamente o rosto de um dos homens acusados de torturá-los.
Há dez dias, começou o julgamento de El Shafee el Sheikh: acusado de fazer parte de um trio de jihadistas particularmente cruéis apelidado de “Beatles” por seus prisioneiros devido ao seu sotaque britânico.
Desde o início das audiências, oito dos ex-reféns passaram pelos jurados. Todos detalharam os atos de tortura que sofreram nas mãos dos Beatles ou seus locais de detenção, mas nenhum conseguiu descrever com precisão seus agressores. O motivo é que os três homens sempre usavam balaclavas completas.
“Eles sempre tentaram proteger suas identidades”, disse no tribunal o fotógrafo francês Edouard Elias, sequestrado entre junho de 2013 e abril de 2014.
Os três homens também criaram uma “regra”: enquanto entravam, “tínhamos que nos ajoelhar com o rosto voltado para a parede, para não olhar para eles”, contou Federico Motka, trabalhador humanitário que passou 14 meses refém.
As mulheres tinham que “cobrir o rosto” com um lenço, explicou Frida Saide, ex-funcionária da Médicos sem Fronteiras, detida por três meses. “Certamente, achavam que, assim, evitariam ser perseguidos”, disse o ex-repórter francês Nicolas Henin.
– ‘Uma equipe’ –
Mesmo sem os terem visto, os prisioneiros os reconheceram facilmente. “Eles tinham um jeito particular de bater em nossas portas, nós podíamos senti-los”, disse Elias. Também estavam “mais bem equipados” do que os guardas locais, com suas armas e botas.
Mas em um processo onde o acusado tem o direito de permanecer em silêncio e vestir roupas de civil, as memórias perdem peso. Em um fato incomum, os promotores não perguntaram em nenhum momento aos ex-reféns se eles reconheciam o homem sentado diante deles.
Após o depoimento de Federico Motka, o juiz T.S. Ellis sugeriu fazer a pergunta, mas o promotor Dennis Fitzpatrick reconheceu que não estava “certo” de que sua testemunha teria capacidade de responder. Diante desse problema de identificação, os advogados de defesa defendem que seu cliente foi um jihadista do EI, mas que não era um dos chamados Beatles.
A defesa, no entanto, será difícil. El Shafee el Sheikh foi preso em 2018 pelas forças curdas sírias com Alexanda Kotey, que, em setembro de 2020, declarou-se culpada de ter feito parte dos Beatles. Além disso, deu várias entrevistas após a sua prisão e reconheceu que esteve “em contato” com reféns ocidentais.
No entanto, procurou transferir a responsabilidade para outro membro do trio: Mohammed Emwazi, morto em um ataque de drone em 2015.
Novamente, o argumento é fraco. Todos os ex-reféns insistiram no tribunal no fato de que os Beatles formavam um trio solidário. “Eles se conheciam, eram uma equipe”, disse Edouard Elias. “Pareciam bons amigos”, acrescentou Frida Saide. E todos participavam quando se tratava de torturar os prisioneiros.