Como principal executivo da Baker Tilly International, consultoria especializada em médias empresas, sediada em Londres, o britânico Geoff Barnes está numa posição privilegiada para avaliar esse universo, conhecido como middle market, constituído principalmente por empresas familiares. Um verdadeiro motor do crescimento, essa fatia do mercado pode não chamar tanto a atenção dos maiores investidores e da mídia especializada, mas é responsável por movimentar a economia mundial, pois representa 97% dos negócios e gera 80% dos empregos globais, segundo a Baker Tilly. Oitava maior empresa independente de consultoria e contabilidade do planeta, com faturamento de US$ 3,3 bilhões, em 2012, a Baker Tilly é a parceira da DINHEIRO no ranking de AS MELHORES DO MIDDLE MARKET (veja reportagem que começa AQUI). Em visita ao Brasil, Barnes falou sobre os desafios desse nicho e previu um cenário marcado por mutações e desafios nos próximos anos. Veja a entrevista:

DINHEIRO – Qual é a real importância do middle market?

GEOFF BARNES – Atualmente, 97% de todas as empresas do mundo são familiares. Elas podem ser chamadas por diversos nomes, como pequenas ou médias, PME ou middle market, mas, independentemente do termo, elas são as verdadeiras geradoras da economia mundial, ao lado das grandes companhias negociadas nas bolsas de valores.

 

DINHEIRO – Qual é o principal desafio atual para elas?

BARNES – A sucessão da geração baby boom é a grande preocupação. Todos esses empreendedores que começaram os seus negócios pouco depois da Segunda Guerra Mundial, entre 1946 e o começo dos anos 1960, estão se dirigindo para a aposentadoria. O problema é que a crise econômica global, depois da quebra do Lehman Brothers, fez muitos deles adiarem a sua retirada. 

 

DINHEIRO – Por quê?

BARNES – Os valores de seus negócios despencaram, e eles precisaram continuar à frente da gestão, antes de promover uma grande mudança. A pesquisa global que estamos finalizando mostra uma série de estatísticas interessantes sobre como esses empreendedores estão pensando a sua sucessão e o que já estão fazendo em relação a isso. Imaginamos que, na próxima década, haverá uma mudança massiva da riqueza para uma nova geração. Caso ela não tenha sucesso em conduzir os negócios que assumir, acabará prejudicando a economia de muitos países.

 

DINHEIRO – Essa é uma questão global?

BARNES – A pesquisa coletou duas mil respostas em 90 países, de todas as partes do mundo. Percebemos impressionantes similaridades por todos os lugares. Claramente, há algumas razões para a sucessão acontecer agora. Pri­meiramente, o valor das empresas voltou a subir em muitos países. E os jovens, da geração Y, nascidos por volta dos anos 1980, estão agora demonstrando interesse em se envolver com os negócios dos pais.

 

DINHEIRO – E quais são as maiores dificuldades para uma transferência de controle ser bem-sucedida?

BARNES – São diversas. Como ter certeza que os donos originais dos negócios terão riqueza suficiente para se aposentar com a tranquilidade que desejam, em particular agora que todo mundo está vivendo mais tempo. Em segundo lugar, todos os herdeiros estão preparados para isso? Eles têm habilidades técnicas? Têm a energia para tocar uma empresa? Muitos dos jovens da geração atual foram criados de forma diferente da de seus pais. Eles foram para escolas privadas e dirigem BMWs desde cedo. Nunca precisaram enfrentar as dificuldades pelas quais passaram os seus familiares.

 

DINHEIRO – Então, a nova geração pode não estar preparada para esse desafio?

BARNES – Não está. Francamente, nosso estudo indica que ela não está pronta. Provavelmente, isso acontece porque os jovens de hoje não são tão sedentos por sucesso quanto os seus pais. Em especial, não estão atrás do sucesso no setor necessário. Os jovens respeitam o fato, por exemplo, de o seu pai ter começado a vida fabricando sapatos no Brasil. Mas eles querem trabalhar para um banco de investimentos de Nova York, ou arrumar um emprego na mídia. E podem não querer fazer sapatos, como foi a escolha do pai.

 

64.jpg

Sede do Lehman Brothers, em Nova York, um dia antes de pedir falência, em 2008

 

DINHEIRO – Quantas empresas do middle market decidirão passar por uma sucessão familiar?

BARNES – O estudo mostra que 56% dos empresários acreditam que os negócios ficarão na família, após promover a sua sucessão. Mas mais interessante é saber que 44%, quase metade deles, acreditam que a empresa vai deixar de ser tocada pela família na próxima geração. Isso significa que ela será vendida, passará por uma fusão ou poderá até mesmo falir. Essa é uma dinâmica interessante e espelha uma outra pesquisa, realizada pela consultoria americana McKinsey, há muitos anos, mostrando que a maioria dos negócios familiares no mundo não costuma sobreviver à segunda geração.

 

DINHEIRO – Uma saída, para evitar isso, é buscar um CEO profissional?

BARNES – Dois terços das empresas que promoverão uma sucessão dizem que terão de buscar um CEO no mercado. Pelo que percebemos, quando isso acontece, é o começo de uma venda do controle. Depois de uma mudança como essa, os empresários vão, com o tempo, deixando de perceber a empresa como um negócio familiar. Outro dado interessante mostra que a maioria dos empreendedores que se livram do negócio fica tão preocupada com os seus empregados quanto com os membros da família. Nessas empresas, é muito comum a relação com os funcionários ser diferente. Os empregados começaram a vida trabalhando com o chefe, no negócio, e têm uma relação de lealdade pessoal com o empregador.

 

DINHEIRO – Qual é o perfil ideal para o CEO de uma média empresa?

BARNES – O contador da empresa é visto pelo dono como o seu mais confiável conselheiro de negócios. Acredito, então, que eles sejam confiáveis a ponto de serem chamados a assumir a posição de CEO. Mas cada empresa pode precisar de um perfil diferente de líder. Pode ser alguém técnico, um empreendedor, alguém de vendas ou de marketing.

 

65.jpg

Guilherme Afif Domingos comanda a Secretaria da Micro

e Pequena Empresa, criada pelo governo Dilma

 

DINHEIRO – Os governos, em geral, costumam reconhecer a importância do middle market e estimulam devidamente o financiamento para ele?

BARNES – De um ponto de vista global, muitos governos reconhecem a importância dessa parte do setor privado. Muitos deles criaram agências e departamentos voltados para prover assistência a essas empresas. Algumas iniciativas não deram certo no Brasil, como a tentativa de colocar empresas menores na bolsa de valores, através do Bovespa Mais. Mas acredito que é do interesse dos países criar um ambiente de negócios agradável o suficiente para que não se crie um problema de evasão de divisas. Mesmo as questões de sucessão estão sendo facilitadas, por meio de taxas de herança menores. Porque, se muitas dessas transições forem problemáticas, coleti­­vamente podem levar a distúrbios na economia do país.

 

DINHEIRO – No Brasil, vimos muitas médias empresas se tornarem gigantes nos últimos anos. Como mudar de porte e não perder a mão?

BARNES – A empresa com faturamento de R$ 200 milhões costuma fazer várias coisas que são orientadas pela cultura familiar de gestão. Por exemplo, no começo do negócio, o tio era o chofer da empresa e o primo cuidava do estoque. Então, quando ela vira um negócio maior, é preciso ser mais profissional. Isso significa adotar outra atitude: avaliar a governança corporativa, a transparência, a relação com outros agentes econômicos (acionistas, clientes, funcionários e governos) e com os bancos e credores. As empresas, quando crescem, precisam passar por uma faxina corporativa. Precisam elaborar contratos formais com os empregados e com os fornecedores. Nada mais pode ser na base do fio de bigode. Quando se passa a apresentar grandes números em seus balanços, um aperto de mãos mal intencionado pode te colocar fora do negócio.

 

DINHEIRO – As consultorias e auditorias podem ajudar nesse momento? 

BARNES – Nosso trabalho, dentro desse processo, passa muito a ser ajudar a empresa a fazer as perguntas certas: qual é o seu plano? O que espera conseguir com o crescimento? É ter mais dinheiro? É dominar um setor? É abrir capital? Todas as empresas precisam identificar cedo o que desejam para os próximos anos. Uma vez que se sabe isso, a consultoria pode dar os conselhos diretamente voltados para se alcançar esses objetivos. Se o plano é abrir capital, é preciso introduzir os advogados e bancos certos. E, além disso, é preciso preparar a empresa para que ela esteja pronta para enfrentar a flutuação dos negócios, depois que tem as suas ações cotadas em bolsa de valores.

 

DINHEIRO – Que outra grande mudança podemos esperar no middle market?

BARNES – Os negócios familiares, até agora, ainda estão muito voltados para dentro dos limites nacionais. Apenas 4% das empresas do mundo são multinacionais. Se olharmos para a bolsa de valores de Londres, 80% dos lucros das empresas listadas vêm do Exterior. O que está acontecendo, agora, é que mesmo as empresas menores estão começando a ficar globais. É um processo que vai evoluir muito nos próximos anos, inclusive no Brasil.