Nesta semana, os dois maiores opositores da política brasileira atual, o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram unidos por uma ação comum no meio político. Em diferentes eventos no mesmo dia (terça, 21), ambos choraram ao falarem sobre injustiças e dificuldades que enfrentaram ou que enfrentam atualmente segundo suas visões.

Em entrevista ao site Brasil 247, o atual mandatário da Presidência chorou ao falar de seu período na cadeia e afirmou que seu tempo no cárcere foi um período de muita mágoa e uma forma de tortura. Ele lembra ter sido perguntado por procuradores se estava tudo bem na cadeia e respondeu que só ficaria bem quando “fodesse” o então juiz Sergio Moro, atualmente Senador.

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“Eu falava todo dia que eles (procuradores) visitavam lá. Entrava um delegado e eu falava a mesma coisa. ‘Se preparem que eu vou provar [que sou inocente]’”, declarou o presidente.

Bolsonaro chora na posse de Michelle

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participou virtualmente da cerimônia de posse de sua esposa, Michelle Bolsonaro, no comando do PL Mulher e afirmou que o Brasil vive hoje um “momento difícil” e chorou ao falar que gostaria de estar no país.

“Hoje é um dia muito especial. Estamos aí com o PL Mulher. Obviamente que eu gostaria de estar presencialmente neste evento ao lado da minha esposa e da minha família. Mas a vida se faz de momentos felizes e tristes e tudo passa para ensinamentos para nós”, disse Bolsonaro.

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Em sua fala, o ex-presidente afirmou ainda que o PL é um grupo “bastante homogêneo que tem um ideal de fazer o Brasil justo e liberto”. “Nós somos hoje a luz do sentimento da nossa população, com esperança no momento tão difícil que o Brasil se apresenta.”

Bolsonaro está nos Estados Unidos desde o fim do seu mandato no ano passado, quando viajou e não passou a faixa presidencial ao presidente Lula, desprezando o ritual democrático da transmissão do cargo.

O choro na política

Afinal, qual a efetividade do choro na política, especialmente quando ele é feito por homens? Para Gisele Meter, psicóloga e consultora digital de políticos, o Brasil é um país onde ainda existe a cultura de que “homem não chora” e, portanto, o choro masculino vindo de um político pode ser extremamente eficaz. “Primeiro gera empatia e também persuade as pessoas que presenciam esse choro. É importante lembrar que as emoções influenciam muito a percepção sobre o que está sendo dito e também a tomada de decisão”, afirma.

Paulo Loiola, estrategista político mestre em gestão pública pela FGV e sócio da BaseLab, consultoria especializada em campanhas e mandatos progressistas, diz que o choro entra como elemento para marcar um momento de cada uma dessas figuras políticas. “Ele é eficaz porque acaba gerando certa empatia com o público e tanto Lula quanto Bolsonaro possuem em si uma necessidade de sensibilização da figura pública”.

Além da questão da identificação com o político, o ato também gera atenção da mídia e das redes sociais. “A imprensa, principalmente, tende a dar mais visibilidade para um assunto quando há esses momentos mais emocionais. E nas próprias mídias, quando a emoção aflora dessa maneira, ele acaba gerando mais engajamento, seja entre os que são favoráveis, que ficam comovidos com o ato, seja para aqueles que irão criticar”, diz Loiola.

O choro e a mensagem

Outro elemento que deve ser levado em consideração é a amplificação da mensagem que se deseja passar. “Bolsonaro conseguiu, sem falar do Lula, dizer que o povo brasileiro está passando por um momento difícil. Lula conseguiu, a partir do seu choro, chamar a atenção para a injustiça sofrida por ele causada pelo Sergio Moro. Esses são elementos que amplificam o argumento político que está sendo utilizado”, analisa o estrategista.

Já para Marcelo Vitorino, professor de marketing político pela Academia Vitorino e Mendonça, a eficácia do choro é questionável quando se trata de figuras de poder e depende de uma série de fatores. “O que os cidadãos querem de seus líderes? Que demonstrem fragilidade ou estabilidade? Uma coisa é um político chorar ao se comover com o drama alheio, o que mostra que ele entende a dor do outro. Outra coisa é chorar pelo drama próprio, o que pode gerar a interpretação de instabilidade emocional”, argumenta.

Um fator importante é a recorrência dos casos. De acordo com Vitorino, quem é pego de surpresa por uma adversidade, consegue pelo choro a compreensão dos eleitores. Porém, quem se emociona em diversas ocasiões pode passar uma imagem de fragilidade que não combina com o cargo que ocupa. “Os eleitores geralmente buscam aqueles que enfrentam ou superam desafios”, afirma.

“A ‘tática’ do choro não funciona, quando esse choro soa falso e gera desconfiança. Se as pessoas não se conectam ao contexto emocional o choro pode soar forçado, inadequado ou até mesmo manipulativo. Ou seja, o segredo do ato está na conexão emocional, na pessoa sentir a emoção a ponto de entender, decifrar e se sentir ‘mexida’ com a ação”, defende Meter.

Diferenças entre homens e mulheres

Embora a eficácia do choro seja ponto de discussão entre os especialistas por depender de elementos como a situação e a forma como acontece, há consenso de que existe uma diferença essencial, motivada pela cultura brasileira, entre homens e mulheres quando um ou outro deixam extravasar as emoções.

“Infelizmente, ainda carregamos o estigma de que mulheres são mais emocionais e sensíveis, o que significa que o choro feminino pode ser visto como ‘natural’ e até mesmo mais ‘esperado’ do que o ato feito por um homem. No entanto, quando falamos de política, até mesmo mulheres podem ser vistas como fracas dependendo do contexto em que choram e nisso voltamos ao contexto cultural, caloroso e de conexão, mas no qual ainda é muito forte a ideia de que chorar significa fraqueza”, analisa a psicóloga.

“Há muita diferença entre um homem e uma mulher chorando. Somos um país extremamente machista e o choro na mulher é percebido mais como despreparo e fraqueza, enquanto para o homem é quase uma demanda social atual para se perceber algum nível de sensibilização nesse processo”, diz Loiola.

Estratégias comuns de marketing político

Um dos objetivos da comunicação política é buscar criar uma conexão entre os eleitores e os representantes, sejam estes políticos ou instituições de governo. Para alcançar este objetivo, existem uma série de táticas que podem ser utilizadas para além do ato de chorar.

“Conexões são criadas por meio de empatia, em que há uma demonstração prática de que o representante conhece a vida do eleitor. A forma de falar, o jeito de se vestir, os exemplos e analogias que um político usa para se comunicar, tudo pode ajudar ou prejudicar sua reputação. Quando um político relata uma história verídica pela qual passou por necessidade financeira ou dificuldade alimentar, por exemplo, causa empatia. Quando ele se posiciona religiosamente, citando ou narrando uma história de sua crença, cria conexão com pessoas que seguem a mesma religião”, explica Vitorino.

Padronização da técnica

Segundo Loiola, para gerar emoção e comoção as técnicas estão muito vinculadas ao cenário em que estão sendo montadas. “Não existe uma técnica padronizado ao ponto de dizer que ela funciona para qualquer um. Uma técnica muito comum nesse sentido é usar o medo. A extrema-direita vem utilizando muito bem esse elemento, como o medo da perda da liberdade, da corrupção, da volta da inflação, que são elementos que funcionam muito bem para atingir o público e conseguir a atenção”, afirma.

Para Meter, a técnicas mais utilizada por políticos para gerar emoções é a modulação do discurso por meio de uma narrativa que conduza o público ao “despertar de emoções” por meio da entonação de voz, linguagem não verbal e de pausas dramáticas.

“Outro recurso efetivo para gerar emoção e comoção são as histórias que geram conexão. Elas são excelentes ferramentas, pois são fáceis de serem compreendidas e assimiladas e se forem somadas a recursos visuais, ficam ainda mais poderosas para levar a plateia a emoção e, dependendo do contexto, comover multidões” diz a consultora.

Além do presidente Lula e ex-presidente Bolsonaro, alguns exemplos de políticos que usam as técnicas citadas são os ex-presidentes americanos Barack Obama, com o seu slogan “Yes, We Can”, e Donald Trump ao anunciar seu esperançoso “Nós Voltaremos”.