05/03/2010 - 1:00
Ouça um resumo da reportagem sobre as polêmicas canetas de luxo com o nome de Gandhi
O que era para ser mais uma tacada de marketing, de modo a associar o nome de uma marca a uma personalidade, acabou virando uma disputa judicial daquelas de dar uma dor de cabeça bem grande. Tudo começou porque a alemã Montblanc, famosa grife de artigos de luxo, produziu uma caneta com o nome do líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), o homem que, sem o uso de violência, desafiou o império britânico para libertar seu povo.
Peça da grife alemã foi rechaçada na Índia por aliar o luxo a uma personalidade como Gandhi,
um homem de hábitos simples
A ideia era fazer uma edição limitada e destinar parte dos lucros para projetos sociais na Índia. Só que a grife não contava com a ira do Centro para Educação do Consumidor de Kerala, uma província de 31 milhões de habitantes. Indignados com a associação do nome de Gandhi, homem de hábitos simples, com um produto de luxo, os líderes da ONG declararam guerra contra a marca e entraram na Justiça para proibir a sua venda. Enquanto a Justiça não decide sobre o assunto, a grife decidiu suspender as vendas da caneta no país (no Brasil, ela ainda pode ser encontrada).
Apesar de Tushar Gandhi, bisneto do ativista, e do governo da Índia terem aprovado a iniciativa da grife alemã, o caso revelou os perigos da associação entre marcas de luxo com personalidades. ?A intenção da Montblanc não é ofender. Mas sempre há riscos em associar personalidades a um produto?, explica Silvio Passarelli, diretor do MBA em gestão do luxo na Faap.
O imbróglio pegou de surpresa os executivos da marca. ?Nunca tinha acontecido algo assim, mas creio que será resolvido logo?, diz Adriana Tombolatto, diretora de marketing da Montblanc. O fato é que as canetas, que chegam a custar US$ 24 mil, se tornaram indesejadas em um país já dividido pelas profundas diferenças sociais geradas pelas castas. ?Eles quiseram fazer uma homenagem e o tiro saiu pela culatra?, diz Passarelli.
Polêmico desfile: em 1995, Alexander MQueen escandalizou a moda com o desfile cujo tema era estupro
Além da Montblanc, outras empresas de luxo já foram alvos de protestos de comunidades ao redor do mundo. Em Barcelona, por exemplo, a mais recente unidade da rede W Hotels, inaugurada em outubro de 2009, na orla da cidade, causou um impacto negativo. É que os moradores reclamaram que o hotel, com o design em forma de vela, igual ao Burj Al Arab, de Dubai, foge dos padrões arquitetônicos da cidade.
Fora de contexto: o hotel W de Barcelona foi acusado de imitar o Burj Al Arab, de Dubai, e de ser extravagante demais para a cidade
?As marcas, em especial as que atuam no segmento de alto padrão, estão sempre cercadas de grande expectativa e as cobranças do público são maiores?, aponta Cecília Russo, sócia da Troiano Consultoria de Marcas. Essas cobranças, mesmo que veladas, moveram as críticas ao papa Bento XVI, quando ele foi fotografado usando sapatos da grife italiana Prada.
Até tu, Bento? o papa foi criticado por usar sapatos da Prada e o Vaticano desmentiu que o acessório fosse da grife italiana
Antes que o papa se tornasse garoto-propaganda da marca, o jornal do Vaticano negou a história e ainda acusou a imprensa de ?dar um ar de futilidade à Igreja Católica?. Mas se, para uns, a polêmica é indesejada, para outros ela é crucial. Uma das coleções que elevaram Alexander McQueen, estilista falecido recentemente, ao estrelato, em 1995, foi a Highland Rape, algo que pode ser traduzido como estupro da serra.
Apesar do nome de mau gosto, a intenção era protestar contra a devastação que a Inglaterra promoveu na Escócia. Ainda que tenha chocado o público, foi um sucesso. A rigor, a Montblanc, mesmo sem querer, fará proveito dessa ?fama?. Afinal, a polêmica fará com que as canetas de Gandhi se tornem itens ainda mais disputados entre colecionadores.