As expectativas são a mola propulsora dos mercados financeiros. Tais expectativas estão ligadas às variáveis macroeconômicas, em diferentes graus. Tomando a economia americana de hoje temos que a divulgação de um dado de PIB, por exemplo, abaixo do esperado pode ser vista como algo positivo pois isso irá sinalizar uma maior chance de corte de juros nas próximas reuniões do Federal Reserve. No caso do Japão, o PIB veio abaixo do esperado e sinalizou um aumento da probabilidade de recessão no país. Isso, ao invés de levar a uma queda do Nikkei, induziu a um boom no índice, que bateu novos recordes. No Japão tal movimento está sugerindo a manutenção da política de expansão quantitativa e qualitativa da moeda. Tal política foi a responsável por tirar o país da deflação vigente desde os anos 2000. O objetivo do artigo é evidenciar que o paradoxo do ‘ruim é bom’ reflete meramente a inclinação da curva de Phillips no curto prazo.

A curva de Phillips é a base de qualquer modelo de metas de inflação. Em termos bastante simplificados ela é uma teoria que mostra a relação inversa entre a inflação e o desemprego. Na prática, serve para calcular como o desemprego afeta a inflação. Quanto maior o desemprego, menor a inflação. Isso teve início com Phillips em 1958 e sofisticou-se ao longo do tempo predominando hoje a versão aceleracionista. Nesta abordagem, a credibilidade do Banco Central tem um papel importante na ‘taxa de sacrifício’ entendida como a queda de PIB (ou aumento de desemprego) necessárias para manter a inflação na meta. Assim, quanto maior tal credibilidade menos restritiva precisará ser a política monetária para atingir tal objetivo.

A política monetária explora o trade-off entre inflação e desemprego da curva de Phillips. Nos Estados Unidos, a principal razão para o Fed resistir à queda de juros está relacionada ao fato de o mercado de trabalho se mostrar aquecido, sem sinais de aumento no desemprego. O objetivo da política monetária do Fed hoje em dia é o de voltar a inflação à meta de 2%. Nesse sentido, sempre que dados divulgados são superiores aos esperados, isso é visto como ruim pelo mercado. E, nesse caso, os principais índices americanos fecham em queda (Nasdaq e S&P500) sugerindo uma menor probabilidade de corte futuro da taxa de juros.

O Japão viveu por mais de 20 anos com o pânico da deflação, em que os consumidores adiam as compras e os produtores postergam a produção. Assim, o país ficou preso numa dinâmica perversa onde os preços caíam e a economia ficava estagnada a cada ano. Para tirar o sistema dessa espiral o Banco do Japão (BOJ) implementou uma política monetária com dois pilares.
• O primeiro é a administração da curva de juros, no qual o BOJ mantém em torno de 0 as taxas dos títulos de dez anos e a fixou à taxa básica de juros em -0,1%.
• O segundo pilar é um compromisso de ‘inflation overshooting’, em que o BOJ se compromete a ampliar a base monetária até que a inflação em 12 meses fique acima da meta de 2%.

Com a fixação da taxa básica em -0,1% houve um impacto na estrutura inteira da curva de juros. De uma inclinação horizontal, que denotava a estagnação vigente naquela economia, a curva passou a mostrar inclinação positiva. As expectativas inflacionárias aumentaram e promoveram queda na taxa de juros real. O aumento da confiança dos investidores pode ser medido pelo índice Nikkei225 que aumentou cerca de 49% desde janeiro de 2023 até hoje. O país cresceu 1,9% em 2023 e espera-se 2% em 2024.

E como conciliar a Curva de Phillips com EUA e Japão?
• No caso americano, economistas do Fed de Chicago (janeiro de 2023) estimaram que a curva tenha ficado mais inclinada no pós-Covid
. A taxa de sacrifício caiu sensivelmente e está associada ao fato de que um aumento de 1% na inflação, por exemplo, possa estar associado a uma queda de menos do que 1% no desemprego.
• No Japão não. Em contraste com os EUA, em que a maior inclinação da Curva de Phillips sugere sua relevância como instrumento de política econômica, no cenário japonês os vários estudos econométricos sugerem que a Curva de Phillips é horizontal/flat. Neste caso, um grande aumento no desemprego pode levar apenas a quedas marginais na inflação.

*VITORIA SADDI é CEO da Conta Corrente e estrategista da SM Futures. Dirigiu a mesa de derivativos do JP Morgan e foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. Também foi professora na California State University, na University of Southern California e no Insper. É PhD em economia pela University of Southern California.