09/04/2015 - 18:00
Da janela do décimo andar do imponente conjunto empresarial Cidade Jardim Corporate Center, no bairro do Morumbi, região nobre da Zona Sul de São Paulo, descortina-se uma das peculiaridades do Brasil. De um lado, habitações precárias. De outro, mansões avaliadas em até US$ 15 milhões. Tanto um quanto o outro está sob o olhar atento de Reinaldo Garcia, 55 anos, CEO da subsidiária da General Eletric (GE) para a América Latina. “As oportunidades de negócios são enormes nos segmentos nos quais atuamos”, diz ele. Nascido em Ribeirão Preto, Garcia abandonou o curso de direito na Universidade de São Paulo para estudar economia nos Estados Unidos. Lá, ele ingressou na divisão de lâmpadas da empresa, em 1985, como trainee. Também deu expediente nas filiais da Inglaterra e da França. No comando da América Latina desde 2011, ajudou a quase dobrar o tamanho da GE no continente. Para 2015, a meta é seguir crescendo. “O tamanho e a diversidade de portfólio da GE permite que naveguemos em águas mais tempestuosas”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista à DINHEIRO.
DINHEIRO – O cenário político e econômico no Brasil não está nada bom. A presidente Dilma Rousseff enfrenta protestos nas ruas e sua política econômica não agrada o Congresso Nacional. Estes fatores dificultam o ambiente de negócios?
REINALDO GARCIA – Estamos seguindo no esquema business as usual. Entendemos que a situação está mais complexa em relação ao que acontecia há alguns anos. Mas a vocação da GE é prover soluções. Isso vale tanto para o Brasil quanto para os demais países do continente. Nosso planejamento é feito em médio e longo prazos. Além do mais, o tamanho e a diversidade de portfólio da GE permite que naveguemos em águas mais tempestuosas. Quando olhamos o Brasil, só enxergamos oportunidades.
DINHEIRO – Mas a operação Lava Jato paralisou a Petrobras. Muitos fornecedores estão sem receber. Como isso afeta a GE, uma grande competidora no setor de óleo e gás?
GARCIA – Sem dúvida, existe um impacto. De uma maneira geral, o que acontece nestes momentos é a postergação de projetos. O que deveria ser feito em dois anos, será resolvido em três ou quatro anos. Contudo, a demanda não desaparece. O petróleo está lá, e em grande quantidade. Nós, de certa forma, tivemos sorte, pois grande parte de nosso portfólio está relacionado à área de produção, segmento no qual a Petrobras está priorizando seus investimentos. Nossos contratos na área de petróleo não foram afetados pela Lava Jato.
DINHEIRO – Mesmo com a desaceleração da economia, a GE se mantém otimista em relação ao Brasil?
GARCIA – De fato, o País está atravessando um momento complicado. Mas os gargalos de infraestrutura não mudaram. Se há três anos existia a necessidade de mais ferrovias para escoar a carga de soja e de minério de ferro, vinda do centro do País em direção aos portos, ela continua. Se havia a necessidade de ampliar a base instalada de geração de energia há cinco anos, hoje é até maior. Isso está relacionado ao crescimento da população e ao desenvolvimento das pessoas. As necessidades fundamentais das pessoas não mudam quando um país para de crescer.
DINHEIRO – Neste contexto, o sr. acredita que será mais difícil para a subsidiária apresentar resultados favoráveis neste ano?
GARCIA – Nós quase que dobramos de tamanho no acumulado 2010-2014. Mesmo no ano passado, que não foi exatamente um período espetacular para a economia, a GE cresceu. E nosso plano é seguir avançando no Brasil. Uma das coisas positivas no caso da empresa é a diversidade de setores nos quais atuamos. Por isso, quando um deles não vai tão bem, os outros compensam.
DINHEIRO – E qual setor deverá puxar os negócios neste ano, no Brasil?
GARCIA – Estou muito satisfeito com a divisão ferroviária em Contagem (MG). A produção de locomotivas está 60% maior em relação à de 2014 e a carteira de encomenda é suficiente para absorver a capacidade fabril de todos os meses de 2016. A demanda reprimida neste segmento é enorme.
DINHEIRO – Já existe alguma contribuição relevante do Brasil que tenha sido desenvolvida a partir do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento que a empresa implantou na ilha do Fundão, na Zona Norte do Rio de Janeiro?
GARCIA – Estamos trabalhando em 20 projetos no momento. Eles são bem recentes e se concentram na área de exploração e produção de petróleo em águas profundas, um segmento no qual a demanda do Brasil é crescente devido ao pré-sal. Outro nicho é a área de logística. Mesmo antes da construção do centro já trabalhávamos em inovações importantes, como em locomotivas. O desenvolvimento de nosso mais novo modelo foi feito pela equipe da fábrica de Belo Horizonte e contou com a assistência do time global. O centro de pesquisa brasileiro é o quinto da GE no mundo, e seus frutos começarão a ser vistos ao longo deste ano.
DINHEIRO – Recentemente, a subsidiária adquiriu o controle de duas empresas locais da área de saúde, a XPRO e a Omnimed. Qual é a meta da GE neste segmento?
GARCIA – Nossos planos são ambiciosos. No caso de monitores de frequência cardíaca, queremos exportar, principalmente para a África, os equipamentos desenvolvidos e fabricados no Brasil. O desenvolvimento de inovações ligadas à tecnologia de informação e relacionados à saúde estão sendo feitos também em nosso Centro de Pesquisa.
DINHEIRO – Levando-se em conta o que acontece por aqui, podemos dizer que os mercados emergentes já ocupam um lugar de destaque na estratégia global da empresa?
GARCIA – Sem dúvida. A GE está no Brasil desde 1919, é um namoro antigo. Mas, de um modo geral, a empresa assumiu uma nova postura em relação à sua estratégia de negócios. Isso aconteceu há 15 anos, quando começamos a entender que não eram apenas os países do Hemisfério Norte, notadamente Estados Unidos e Europa, que deveriam estar em nosso foco. Mas, sim, o Brasil, a China, os países da África e do Oriente Médio. Todos eles contam com populações enormes, que possuem uma grande necessidade de infraestrutura. Dessa forma, pudemos ampliar ainda mais nosso perfil de globalização, uma característica que sempre guiou os negócios da GE.
DINHEIRO – E qual a posição do Brasil neste novo desenho?
GARCIA – Naturalmente, a América Latina e o Brasil são importantes. O Brasil tem tudo a ver com a GE e vice-versa. Um país com 200 milhões de habitantes, no qual 80% vivem nas cidades, possui uma série de necessidades nas áreas de transporte, saúde e energia. E a GE está apta a atender estas demandas.
DINHEIRO – Por aqui, a GE possui uma participação expressiva no fornecimento de equipamentos para a área de energia eólica. Esta modalidade continua sendo atraente, mesmo em um momento no qual as demais fontes renováveis começam a despontar?
GARCIA – Sem dúvida. Quando a GE entra em um negócio é para valer. Não fomos pioneiros neste segmento aqui no Brasil, mas já temos uma participação bastante expressiva, tudo baseado na produção e no desenvolvimento de fornecedores locais. Em agosto de 2014, atingimos a marca de 1 GW de energia gerada nesta modalidade. Esta divisão começou a operar aqui em 2009, e em agosto deveremos instalar a milésima turbina com a logomarca GE. Nada menos que o dobro em relação a setembro de 2013.
DINHEIRO – E o que explica este desempenho em um setor tão concorrido?
GARCIA – Sempre procuramos atender as necessidades específicas de cada cliente. Muitas pessoas não sabem, mas os ventos não se comportam da mesma maneira em todos os locais do mundo. Nosso modelo de negócio prevê turbinas capazes de operar com as especificidades dos ventos não apenas em relação às características do Brasil, como também de cada região geográfica ou mesmo cada Estado.
DINHEIRO – O sr. acredita que esta modalidade poderá garantir a auto-suficiência energética do Brasil?
GARCIA – A energia eólica tem um grande caminho para crescer no Brasil, sem dúvida. Contudo, seria uma visão romântica acreditar que ela poderá suprir todas as necessidades energéticas do País. É preciso apostar em uma matriz diversificada, pois o vento não sopra 24 horas por dia. Na minha visão, a opção que tende a crescer de forma expressiva é a energia térmica gerada a partir do gás. Assim como acontece nos demais países do mundo.
DINHEIRO – Mas as termelétricas são acusadas de sujar a matriz energética e contam com forte oposição de ecologistas. Como mudar isso?
GARCIA – Não é bem assim. Se o gás fosse utilizado para gerar toda a energia do planeta, seria menos poluente do que as demais opções existentes. A geração de energia a diesel emite 300 partes por milhão de poluentes. No caso das térmicas a gás, esse montante varia de nove a 25 partes por milhão. A questão das emissões precisa ser vista de uma forma objetiva.
DINHEIRO – O sr. considera que a oposição é muito mais ideológica do que ambiental?
GARCIA – Não sei se é isso ou se é falta de conhecimento, mesmo. Acho que a aposta nesta área poderia melhorar a eficiência do sistema energético brasileiro, além de ajudar o País a desenvolver tecnologias inovadoras, a partir da realidade local. Outro benefício é a possibilidade de transformar o passivo ambiental do metano originado nos aterros sanitários em algo positivo. Isso seria feito com a utilização deste gás em sistemas de geração de energia. Outra opção para a produção de gás é a partir da biodigestão dos resíduos da cana. Estimativas mais conservadoras falam em uma possibilidade de geração de, pelo menos, 10 gigawatts nesta última modalidade.
DINHEIRO – A GE é uma das patrocinadoras da Olimpíada Rio 2016. Qual é a importância de megaeventos na estratégia de negócios da empresa por aqui?
GARCIA – A Olimpíada ajuda a fortalecer nossa marca, além dos negócios que costuma gerar para as empresas envolvidas. Participamos de Pequim, em 2008, e de Londres, em 2012. Os jogos no Rio de Janeiro devem ter um impacto menor em matéria de negócios do que os de Pequim, mas maior em relação a Londres.