Governo dos EUA desmantelou mais de 30 regulamentações ambientais e tem desacelerado investimentos em projetos sustentáveis e de energia renovável. O preço virá na conta dos próprios americanos, dizem especialistas.Em seu primeiro dia de volta à Casa Branca, em 20 de janeiro, Donald Trump assinou várias ordens executivas para colocar de pé promessas de uma política climática radicalmente negacionista e de retrocessos na energia limpa.

Ele declarou estado de “emergência energética nacional” e, em outra ordem, intitulada “liberando a energia americana”, culpou as “regulamentações onerosas e ideologicamente motivadas” por limitar a “eletricidade confiável e acessível” criada principalmente a partir de petróleo, gás e carvão.

Trump também mirou a energia eólica com uma ordem que suspende temporariamente todas as licenças offshore e arrendamentos federais.

A produção de petróleo e gás nos Estados Unidos, que é o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, na verdade atingiu seu pico durante o governo de Joe Biden. Os preços médios da eletricidade em quase todos os estados dos EUA também foram mais baixos e mais estáveis em 2024 do que no ano anterior, de acordo com a Administração de Informações sobre Energia dos EUA.

Não só o preço baixo do gás natural forçou essa redução, mas também a energia renovável mais barata na rede e a nova capacidade de armazenamento de baterias – em parte devido à redução dos custos de tecnologia renovável.

A ordem de Trump de ir contra as políticas de transição de energia verde se valem de argumentos como o de que elas limitam a criação de empregos, o que é enganoso, já que o setor de energia renovável dos EUA emprega cerca de três vezes mais trabalhadores do que o setor tradicional de energia fóssil.

O crescimento do emprego no setor de energia limpa aumentou em mais de duas vezes a taxa do mercado de trabalho geral dos EUA em 2023.

No ano anterior, as tecnologias de energia renovável, incluindo painéis solares, turbinas eólicas e sistemas de energia hidrelétrica e geotérmica, já representavam mais de 84% dos postos de trabalho criados no setor de geração de eletricidade.

“Um punhal no coração da religião da mudança climática”

Este mês, o novo chefe da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), Lee Zeldin, anunciou 31 retrocessos regulatórios e de financiamento relacionados à proteção climática e ambiental e ao financiamento de energia limpa.

“Estamos cumprindo nossas promessas de liberar a energia americana, reduzir os custos para os americanos e revitalizar a indústria automobilística americana”, disse Zeldin em vídeo publicado no X.

Além disso, ele anunciou o corte de 20 bilhões de dólares (cerca de R$ 113 bilhões) em subsídios para energia limpa e clima concedidos pelo governo Biden no âmbito do Fundo de Redução de Gases de Efeito Estufa – também conhecido como “banco verde”.

Zeldin justificou que havia “fraude programática, desperdício e abuso” ao confirmar a desidratação do banco verde, embora um juiz do tribunal distrital tenha dito mais tarde que o governo não havia fornecido nenhuma “evidência de má conduta” associada ao financiamento.

Prejuízo do aquecimento global em números

Quando Donald Trump retirou os EUA do Acordo Climático de Paris pela segunda vez, já em 20 de janeiro, ele despertou temores de que o fracasso do país em reduzir suas emissões poderia prejudicar seriamente os esforços para limitar o aquecimento global, implicando em custos para o mundo, inclusive para os cidadãos americanos.

Um relatório do Boston Consulting Group prevê que, se as temperaturas aumentarem 3 graus Celsius até 2100 – o dobro da meta de 1,5 grau estabelecida em Paris –, esse aquecimento “reduzirá a produção econômica acumulada em 15% a 34%” até o final do século.

Somente na última década, os eventos climáticos extremos relacionados ao clima custaram à economia global mais de 2 trilhões de dólares (R$ 11,3 trilhões), de acordo com um relatório recente da Câmara de Comércio Internacional.

Os incêndios florestais de janeiro em Los Angeles, que causaram destruição generalizada e foram associados às mudanças climáticas decorrentes da ação humana, provocaram danos materiais e de capital de até 164 bilhões de dólares (R$ 926,6 bilhões).

A Boston Consulting observa que o custo líquido da inação pode chegar a 27% do PIB acumulado globalmente, o que é suficiente para erradicar a pobreza extrema em todo o mundo.

Política do atraso

Corey Bradshaw, professor de ecologia global da Universidade Flinders, no sul da Austrália, afirma que as alegações do governo Trump de que seus cortes climáticos melhorarão a prosperidade econômica são falsas. Desincentivar o boom da manufatura verde resultará apenas em perda de empregos e declínio econômico para os consumidores americanos, disse ele.

“O custo de vida crescerá e as oportunidades de renda diminuirão”, disse à DW.

Dois anos depois que a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) de 2022 orientou o fluxo de centenas de bilhões de dólares para tecnologias de energia limpa, o setor foi responsável por mais da metade do crescimento total do investimento privado dos EUA, de acordo com um relatório de 2024 do Clean Investment Monitor (CIM), que rastreia o financiamento público e privado de tecnologias climáticas nos EUA.

O crescimento mais rápido foi no setor de fabricação de energia limpa e tecnologia de transporte, que totalizou 89 bilhões de dólares (R$ 502,8 bilhões) nos dois anos após a legislação do IRA – mais de quatro vezes os US$ 22 bilhões (R$ 124,3 bilhões) investidos nos dois anos anteriores à principal lei de 2022 do governo Biden para lidar com as mudanças climáticas.

Os estados republicanos têm se beneficiado significativamente desses investimentos. Quase 60% dos projetos anunciados desde 2022 estão nos distritos onde o partido tem mais influência e votos.

Só a Geórgia ganhou mais de 43 mil empregos verdes e mais de 30 bilhões de dólares (R$ 169,5 bilhões) em investimentos em energias renováveis ​​desde a aprovação do IRA. Mais de 400 mil novos empregos em energia limpa foram criados nacionalmente.

Em 2024, a rede elétrica dos EUA recebeu mais energia solar do que de qualquer outra fonte em mais de duas décadas.

Sylvia Levya Martinez, analista de energia solar da consultoria de energia dos EUA Wood Mackenzie, coautora de relatório que apresenta o recorde de captação de energia solar, alerta que o boom pode ser revertido rapidamente.

“O nível recorde de instalações do ano passado foi auxiliado por várias políticas solares e créditos dentro da Lei de Redução da Inflação que ajudaram a impulsionar o interesse no mercado solar”, disse ela em um comunicado. “Se muitas dessas políticas forem eliminadas ou significativamente alteradas, isso seria muito prejudicial para o crescimento contínuo do setor.”

A revolta climática de Trump será detida nos tribunais?

Enquanto isso, David Bookbinder, diretor de leis e políticas do Environmental Integrity Project, uma organização sem fins lucrativos a favor do clima, acredita que os esforços para desmantelar a proteção climática e ambiental serão impedidos nos tribunais.

“A EPA não pode reverter essas regulamentações sem um processo demorado”, disse ele, observando que, durante o primeiro governo Trump, a EPA perdeu a maioria de seus processos judiciais anticlimáticos por não seguir as regras processuais.

Corey Bradshaw adverte, no entanto, que, embora as tentativas de Trump de reverter a situação climática sejam “ilógicas” e representem um apoio a “um setor de combustíveis fósseis moribundo”, qualquer atraso nos cortes urgentes de emissões rapidamente “retardará quaisquer ganhos climáticos”.