22/05/2025 - 15:43
Indignado com a aproximação do novo regime com o Ocidente, grupo “Estado Islâmico” vem incentivando combatentes de outros países a se voltarem contra o governo de Ahmed al-Sharaa.”Traidor da causa”, “infiel” e “escravo” que “se prostrou” diante do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Na última edição de seu boletim semanal, o grupo terrorista”Estado Islâmico” (EI) não escondeu seus sentimentos em relação ao novo presidente interino da Síria, Ahmad al-Sharaa, e seu encontro com o líder americano na semana passada.
A inimizade entre o EI e o grupo rebelde que al-Sharaa liderou, o Hayat Tahrir al-Sham (HTS) não é novidade.
Entre 2012 e 2013, o HTS foi parte integrante do EI antes de se aliar à Al-Qaeda, com quem rompeu laços em 2016. Após esse período, o HTS passou quase uma década combatendo o EI. Dessa forma, as críticas à postura política aparentemente mais moderada e pragmática de Al-Sharaa não são inesperadas.
Mas há outro aspecto interessante no texto publicado no boletim do EI. O grupo também fez um apelo aos combatentes estrangeiros na Síria para que abandonem o novo governo liderado por Al-Sharaa e se juntem ao EI.
O boletim e a reunião de Al-Sharaa com Trump chamaram a atenção para um dos maiores problemas enfrentados pelo governo interino da Síria: o que fazer com os combatentes estrangeiros que estão no país.
Durante o encontro, o presidente dos EUA pressionou Al-Sharaa a “ordenar a todos os terroristas estrangeiros para deixarem Síria”, fazendo desta uma das condições impostas por Washington para o alívio das sanções ao país árabe. Enviados franceses e alemães também fizeram declarações semelhantes. Em geral, o temor dos países do Ocidente é que a Síria se torne um refúgio para grupos extremistas agirem internacionalmente.
Quem são os combatentes estrangeiros da Síria?
É difícil saber exatamente quantos estrangeiros lutaram ao lado do HTS. É possível que eles sejam entre 1.500 e 6.000, com muitos especialistas sugerindo que o número estaria dentro dessa margem.
O maior grupo é composto por uigures, muitos dos quais estão envolvidos com o Partido Islâmico do Turquestão, vindos da Ásia Central e Oriental, incluindo a China.
Outros seriam da Rússia e de outros antigos estados soviéticos; dos Bálcãs, da França, do Reino Unido, da Turquia e de vários países árabes, entre outros.
A maioria chegou à Síria no início da guerra civil no país (2011-2024) ou respondendo aos chamados do EI, que tentava estabelecer um califado na região a partir de 2014. Depois de o HTS romper laços com o EI e a Al-Qaeda, alguns estrangeiros deixaram o grupo rebelde, enquanto outros permaneceram.
No final de 2024, durante a campanha liderada pelo HTS que derrubou o ditador sírio Bashar al-Assad, vários grupos de estrangeiros, incluindo uigures e chechenos, teriam desempenhado um papel fundamental no sucesso da ofensiva.
Al-Sharaa afirmou que eles deveriam ser recompensados por sua ajuda e, em janeiro, vários combatentes estrangeiros foram nomeados para cargos de alto escalão nas novas Forças Armadas sírias, uma decisão que causou controvérsia.
É difícil estimar a importância dos combatentes estrangeiros para as forças de segurança sírias hoje em dia, avalia Aaron Zelin, esstudioso do HTS e membro do Instituto Washington, “porque, obviamente, há muito mais sírios do que estrangeiros”.
Alguns, porém, são mais importantes do que outros, observa. Por exemplo, combatentes do contingente uigur agora atuam como uma espécie de força de segurança pessoal de al-Sharaa. “Eles são essencialmente aqueles que o protegem porque ele confia neles, são vistos como irmãos em armas na luta contra Assad”, disse Zelin.
Um refugiado sírio que agora vive na Alemanha contou à DW que conheceu vários combatentes estrangeiros enquanto lutava contra as forças do regime de Assad na cidade síria de Aleppo. “Alguns eram bons, outros nem tanto”, disse o sírio, pedindo anonimato por questões de segurança. “Eles eram muito focados na luta e muitos deles tinham uma mentalidade salafista”, observou, referindo-se ao movimento muçulmano sunita ultraconservador e fundamentalista. “Eles queriam ir para onde as batalhas estavam acontecendo.”
“Os que ficaram agora têm famílias na Síria. Então, pessoalmente, eu lhes daria uma chance, especialmente porque, se os expulsarmos, também expulsaremos as mulheres e as crianças. De qualquer forma, não se esqueçam, também há muitos sírios que compartilham pelo menos um pouco dessa mentalidade [religiosa]”. acrescentou o ex-combatente.
Quão perigosos são os combatentes estrangeiros?
Combatentes estrangeiros com inclinação religiosa mais radical foram acusados de participar de atos recentes de violência contra minorias sírias. Eles também foram acusados de policiar as vestimentas femininas e os costumes sociais nas grandes cidades da Síria.
Até recentemente, o HTS ainda se colocava como um “defensor do islamismo sunita”, explicou o analista de pesquisa e especialista em Síria Orwa Ajjoub, em um texto para o Instituto Italiano de Estudos Políticos Internacionais. Mas, após a queda do regime de Assad, o grupo adotou uma postura mais liberal, segundo ele.
“Essa mudança abrupta de narrativa representa um ajuste significativo para suas bases”, explicou Ajjoub. “Essa transição pode ser desafiadora para combatentes acostumados a uma visão mais restrita e sectária. Muitos combatentes do HTS, que nunca deixaram o ambiente conservador de Idlib, encontram agora comunidades menos conservadoras em Damasco.”
Adesões ao “Estado Islâmico”
“Se o HTS continuar sua tendência a uma moderação relativa – como tolerar mulheres sem véu, venda de álcool e participação em um processo político de estilo ocidental […], elementos linha-dura dentro do HTS, particularmente os jihadistas estrangeiros, podem se separar, desertar ou cooperar com o EI ou a Al-Qaeda”, alertou em janeiro Mohammed Salih, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa de Política Externa, um think tank sediado na Filadélfia, nos EUA.
Zelin, no entanto, disse ter dúvidas quanto à possibilidade de os combatentes estrangeiros na Síria representarem “qualquer ameaça em larga escala”.
Aqueles que sentiam que o HTS não era mais radical o suficiente provavelmente já partiram, observou. Além disso, segundo Zelin, muitos dos combatentes estrangeiros menos radicais que permaneceram são altamente disciplinados. Há anos Al-Sharaa também tenta marginalizar, prender ou expulsar quaisquer combatentes estrangeiros que resistissem à nova direção do grupo.
É claro que combatentes estrangeiros ainda podem cometer crimes ou causar problemas, observou. “Mas a maior ameaça vem dos combatentes estrangeiros que já estão dentro do ‘Estado Islâmico’, aqueles que continuam a lutar em uma insurgência de baixa intensidade no leste da Síria, bem como os detidos no nordeste da Síria pelas Forças Democráticas Sírias (FDS)”, explicou, se referindo aos campos de detenção administrados por curdos sírios.
O que vem a seguir para os combatentes estrangeiros?
Após o encontro de al-Sharaa com Trump, surgiram rumores de que as forças de segurança sírias haviam invadido bases de combatentes estrangeiros em Idlib. No entanto, observadores locais dizem que não está claro se se trataram apenas rumores, teatro político ou se as ações realmente aconteceram.
Uma grande repressão parece improvável. Membros do novo regime sírio argumentam que os combatentes estrangeiros não representam nenhuma ameaça a outros países, e que seu número reduzido não deve impactar significativamente o rumo do novo Exército sírio. De qualquer forma, o regime afirma que eles são leais ao novo governo. Especialistas dizem que integrá-los às novas forças de segurança sírias pode, na verdade, ser a melhor maneira de lidar com eles.
Ainda assim, Zelin avaliou que “de todos os pedidos feitos pelos EUA, este é provavelmente o mais difícil para a Síria”. “Não acho que eles realmente queiram entregar os combatentes estrangeiros, a menos que, por exemplo, estejam fazendo algo contra a lei”.