17/06/2025 - 10:56
Quadros, móveis e louças preciosos: Casa Hohenzollern, do último imperador alemão exigia devolução de seus bens, tomados pelo Estado após as duas guerras mundiais. A boa notícia: os valiosos objetos continuam nos museus.Uma disputa jurídica de quase um século se aproxima do fim na Alemanha. Trata-se de um momento realmente histórico, pois assim ficará esclarecida a situação de propriedade de milhares de obras de arte sob ameaça de ser retiradas das vistas do público.
A Casa Hohenzollern – dinastia nobre a que pertencia também o último imperador alemão, Guilherme 2º – reivindicava diversos objetos em museus do país, além de exigir compensações milionárias por castelos e inventário expropriado – entre preciosas louças, móveis de marfim e quadros importantes.
Tudo começou depois de a Alemanha perder a Segunda Guerra Mundial, quando tropas soviéticas ocuparam seus territórios a leste do rio Elba, e assim, a maior parte das propriedades dos Hohenzollern.
Uma vez que, na visão da União Soviética, os “junkers”, a nobreza rural da Prússia, eram inimigos de classe e pilar do sistema nazista, em 1945 ela fez processo sumário, desapropriando sem indenização todas as casas nobres em sua zona de ocupação. Quatro anos mais tarde, o país se dividia, ficando a parte oriental, a República Democrática Alemã (RDA) sob regime comunista, subordinada à URSS.
Em 1989 caía o Muro de Berlim, a Alemanha era reunificada, e diversos antigos castelos e propriedades do Hohenzollern passaram a integrar de uma hora para a outra a República Federal da Alemanha (RFA).
Do tratado de unificação de 1990 constava, entretanto, que a reforma territorial de 1945 não seria anulada, portanto a família teria que desistir de seus antigos imóveis no leste. Porém mais de três décadas mais tarde os herdeiros do último monarca alemão exigiram do Estado a restituição de seus bens culturais. Inutilmente: o caso passou para o âmbito judicial.
Guilherme da Prússia e o “impulso considerável” ao nazismo
Na disputa por indenização, uma questão ocupava papel central: os representantes da Casa Hohenzollern haviam colaborado com o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores (NSDAP), que governara a Alemanha de 1933 a 1945? Concretamente: os herdeiros do imperador Guilherme 2º, que renunciara em 1918, haviam dado “impulso considerável” ao nazismo?
E qual fora a participação do filho do último monarca, ex-príncipe herdeiro Guilherme da Prússia durante as guerras mundiais? Ele ajudara os nazistas visando restabelecer a monarquia? A Lei de Ressarcimento (Ausgleichsleistungsgesetz) de 1994, que regulamenta a compensação por terras confiscadas no leste em 1945, estipula: quem forneceu “impulso considerável” a Adolf Hitler e os nazistas não tem direito a indenização.
De fato: documentos históricos confirmam a proximidade entre Guilherme e o nazismo, fotos mostram o príncipe herdeiro com o Hitler e outros líderes do partido. Até hoje se debate acaloradamente sobre o papel do aristocrata no Estado nazista: certo está que sua esperança de ser coroado novo imperador se frustrou.
Historiadores como Lothar Machtan e Stephan Malinowski apresentam Guilherme da Prússia como antidemocrata radical, que admirava o líder fascista italiano Benito Mussolini e procurava aproximar-se de Hitler, com a meta declarada de retomar o trono imperial. Ambos concluem: com sua conduta, Guilherme prestou “impulso considerável” ao estabelecimento e consolidação do regime nazista.
Comprovadamente, no pleito de 1932 para presidente do Império Alemão ele se colocou do lado Hitler, gabando-se mais tarde de ter-lhe angariado 2 milhões de votos. Além disso, demonstrou publicamente o alinhamento com as novas elites. O historiador Jacco Pekelder declarou numa entrevista à TV: “O capital simbólico dos Hohenzollern foi muito importante para os nazistas em 1932-33, mesmo que o príncipe herdeiro tivesse sua própria agenda.”
Final feliz extrajudicial
Contudo, os editores da coletânea Die Hohenzollerndebatte (O debate dos Hohenzollern), publicada em 2021, colocam em séria dúvida essa tese. O historiador Frank-Lothar Kroll atribui a Guilherme um “engajamento antes marginal” em prol dos nazistas: apesar de ter bajulado Hitler, ele não teria partilhado a ideologia totalitária deste. Seus colegas Christian Hillgruber e Michael Wolffsohn dizem ver pouca base para as acusações de “impulso considerável”.
Ao longo de décadas, hordas de advogados, políticos e historiadores se ocuparam com as exigências de devolução e ressarcimento por parte dos descendentes da família imperial. O caso só tomou uma guinada em 2023, quando o bisneto de Guilherme 2º Georg Friedrich, príncipe da Prússia, mudou de estratégia, retirando a queixa e abrindo o caminho para negociações extrajudiciais.
Iniciadas no fim do ano seguinte, já em maio de 2025 estas resultaram no anúncio da criação da Fundação do Patrimônio Hohenzollern, envolvendo os governos federal alemão e dos estados de Berlim e Brandemburgo. Em meados de junho, o projeto obteve o sinal verde definitivo.
A nova fundação de interesse público se encarregará da gestão dos objetos de arte e cultura até então reivindicados pela Casa, além de administrar o inventário de mais de 70 palácios, vilas e outras propriedades em Berlim e Potsdam – não só os que possuía ou utilizava até 1945, como outros que haviam sido expropriados já em 1918, com o fim da monarquia.
O grande ganhador é o público, já que milhares de antigos objetos da família Hohenzollern continuarão podendo ser apreciados nos museus alemães.