19/05/2023 - 16:38
Após anos de pandemia e sucessivos cortes de verbas, a educação brasileira vive um momento de reconstrução, pautada por desafios como maior desigualdade entre alunos, evasão escolar, déficit na formação docente e aumento da violência nas escolas. Para propor saídas, o Estadão ouviu especialistas no primeiro meet point da série Reconstrução da Educação.
Segundo gestores públicos e pesquisadores da área, a recomposição da educação no Brasil passa pelo fortalecimento de uma cultura democrática nas escolas, pelo combate às desigualdades desde a alfabetização e pelo investimento em professores. Algumas soluções propostas estão listadas abaixo.
1. Ampliar o tempo de permanência na escola
Com um déficit de aprendizagem que pode chegar a uma década no País, um dos primeiros sintomas do pós-pandemia é a evasão escolar, que aumentou em 171% segundo estudo do Todos pela Educação. Como resultado, em setembro de 2022, 2 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola no Brasil.
Em direção a uma nova política de aprendizagem, o Ministério da Educação lançou, na sexta, o programa Escola em Tempo Integral. Voltada a crianças e jovens desde a creche até o ensino médio, a iniciativa pretende alcançar, até o fim de 2026, mais de 3 milhões de matrículas em tempo integral no País. “Há hoje duas grandes políticas em construção pelo MEC com Estados e municípios: a ampliação do tempo de permanência dos estudantes na escola e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa”, diz Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica, que chamou a atenção para a importância da participação dos entes federativos e da sociedade civil nessa construção.
Para dobrar os pouco mais de 14% de alunos da rede pública matriculados no ensino integral, o governo se inspira em casos de sucesso, como o de Sobral (CE), município reconhecido internacionalmente por ótimos indicadores educacionais. Pioneira na universalização do ensino integral, a cidade apostou no tripé gestão escolar, formação continuada de professores e monitoramento da aprendizagem dos estudantes.
2. Reduzir as desigualdades sociais e entre turmas
Do perfil socioeconômico e racial até os diferentes processos de aprendizagem na alfabetização, os anos de pandemia intensificaram desigualdades que já eram presentes na escola, como as que afetam os estudantes de menor renda e de pele preta. “Há evidências robustas do recorte racial em diferentes indicadores de educação, não somente na aprendizagem, mas na evasão e no abandono escolar”, afirma Kátia.
Por meio Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Secadi), o MEC tem adotado um olhar específico para a recuperação da aprendizagem dessas populações. “Estamos dando uma atenção especial não somente para pretos e pardos em regiões urbanas, mas também para os quilombolas e indígenas. Precisamos de uma estrutura curricular que incorpore a potência de suas culturas”, disse a secretária.
Outra dimensão das desigualdades aparece no processo de alfabetização, que agora conta com um maior número de crianças entre o 6.º e 9.º ano ainda não plenamente alfabetizadas. “O primeiro passo da recomposição não é a preocupação com os conteúdos de ciências. Isso também é importante, mas é preciso garantir que os alunos estejam alfabetizados para poder avançar, já que muitos têm dificuldade de ler e compreender esses materiais adequadamente”, diz Fred Amancio, secretário de Educação do Recife.
Na rede pública municipal de Sobral (CE), um estudo acompanhou o processo de aprendizagem de quatro grupos de crianças na transição entre a educação infantil e o ensino fundamental entre 2019 e 2022. Como conclusão, crianças que tiveram somente seis meses de ensino presencial durante a pré-escola perderam, em média, um ano do seu desenvolvimento em comparação aos alunos que cursaram essa etapa antes da pandemia.
Já os alunos acompanhados em 2022, na retomada das aulas, mostraram uma redução desse déficit. “Isso se deve a algumas políticas que vêm sendo implementadas na rede pública, como tutoria e aulas de reforço em pequenos grupos, especialmente para crianças com maior vulnerabilidade”, afirma Tiago Bartholo, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da Universidade Federal do Rio (UFRJ).
3. Investir na formação e contratação de professores
Com estudantes em diferentes estágios de alfabetização, aparecem os desafios na formação de professores. Neste pós-pandemia, docentes dos anos finais do ensino fundamental precisam muitas vezes desempenhar a função de pedagogos, auxiliando na alfabetização de alunos que, na verdade, já deveriam ter concluído o processo. “Os professores dos anos finais do ensino fundamental são profissionais de licenciatura, foram formados para ensinar disciplinas específicas, ou seja, não sabem alfabetizar. Como criar uma estratégia para apoiar o trabalho desses estudantes do 6.º ao 9.º ?”, indaga Fred. Uma das soluções levadas adiante pela Secretaria de Educação do Recife, como frisou o secretário, é contratar professores especializados na alfabetização. Assim, busca-se reduzir o descompasso entre alunos a partir de aulas de reforço, sem sobrecarregar os profissionais especializados no ensino de disciplinas.
4. Uma cultura escolar mais democrática
Além da alfabetização, os educadores devem se preparar melhor para lidar com outro desafio: o aumento da violência nas escolas. Após o País registrar cinco ataques com mortes em escolas entre 2022 e 2023, é preciso ampliar o diálogo entre professores e alunos e envolver docentes em novas estratégias de estímulo a uma cultura mais democrática.
Segundo Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, apesar da pressão social por medidas voltadas à segurança, como o policiamento dos ambientes escolares, a saída está em mudanças no ambiente institucional da escola, atacando problemas como a exclusão e o bullying que, em muitos casos, podem favorecer a formação de novos agressores. “Sabemos que a qualidade da convivência pode ser planejada. Quando falamos em recomposição da aprendizagem, estamos trazendo a recomposição da convivência. Convivência democrática é aprendizagem no ambiente coletivo da escola. Precisamos de políticas públicas que não sejam pacotes prontos, mas que atinjam o chão da escola”, afirma ela.
Para se criar essa escola mais democrática e menos violenta, medidas eficientes não devem visar, simplesmente, ao aumento da sensação de segurança. “Tudo isso cria uma ilusão de solução. Queremos avançar na direção da escola mais acolhedora, que faça mais sentido para a criança, o adolescente, o professor e a própria comunidade”, diz Kátia.
Ampliar as vagas de tempo integral é fundamental para a melhora do ensino público, disseram os participantes do segundo painel da Reconstrução da Educação, que reuniu na terça-feira, 16, Gabriela Moriconi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas; Herbert Lima, secretário de Educação de Sobral (CE) e Vitor Pedro de Arruda, ex-estudante de escola em tempo integral.
Na série, o Estadão tem parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península, além do apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação.