07/03/2017 - 19:59
A Tropa de Choque da PM de São Paulo dispersou com bombas de gás e spray de pimenta um protesto de professores e funcionários da Universidade de São Paulo (USP) que, segundo participantes, contava inclusive com crianças.
Pelo menos mil pessoas protestavam contra a votação no Conselho Universitário do documento Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira da USP, uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal própria para limitar os gastos com a folha de pagamento na universidade.
Segundo Ivane Sousa, assessora de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores da USP, o texto, encaminhado pelo reitor, Marco Antonio Zago, prevê congelamento de salários, corte de benefícios, demissão de 5 mil funcionários – incluindo gente que está em regime de estabilidade -, além de outras medias como fechamento de creches e de restaurantes universitários.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a reitoria, até as 19h20, apenas negou a possibilidade de demissões, citando uma nota divulgada no dia 23 de fevereiro no site da USP que diz que “os parâmetros propostos não preveem a demissão de servidores”. A nota também fala sobre uma menção, nos parâmetros, ao artigo 169 da Constituição Federal, que rege sobre despesas com pessoal na administração pública e sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Essa regra extrema, interpretada literalmente nos termos da Constituição, embora não esteja e nunca tenha estado em cogitação na USP, seria aplicável para o Estado em geral, como consequência do regime de responsabilidade fiscal, e não apenas para uma de suas autarquias, isoladamente. A maneira pela qual a Universidade pode tratar da demissão de servidores, aplicando, analogamente, a mesma regra constitucional, é exclusivamente por meio de Programas de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDVs), como, aliás, já foi feito em duas oportunidades. De todo modo, os parâmetros de sustentabilidade não impõem a adoção de novos PIDVs”, diz o nota de 23/2.
A Associação dos Docentes (Adusp), o Sintusp e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) haviam convocado para esta terça-feira um dia de paralisação para que fosse possível protestar diante do Conselheiro Universitário. Eles se reuniram a partir do meio-dia e foram reprimidos pela PM por volta de 14 horas.
“A ideia era impedir a entrada dos conselheiros, barrar o documento, que foi enviado sem qualquer diálogo com a comunidade, sem nenhum esclarecimento de como esses cortes seriam feitos”, contou Ivane.
Segundo ela, a manifestação transcorria calmamente, quando a Tropa de Choque chegou. “Havia crianças no protesto, porque um dos pontos do texto é o fechamento de creches e já vem ocorrendo o sucateamento da Escola de Aplicação. As crianças estavam ali porque seus pais e professores também estavam”, diz.
Ivane relata ter visto uma professora de uma creche ser agredida pela polícia. “Ela viu as crianças no caminho da polícia e foi protegê-las. Ela foi espancada e presa e não conseguimos até agora saber onde ela está”, afirma. “Enquanto apanhávamos e recebíamos bombas, os conselheiros entraram e estão neste momento apreciando a pauta apresentada por Zago.”
O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) estava na USP no momento da ação da PM e relatou em vídeo no Facebook o que estava acontecendo. Ele dizia que a universidade tinha virado uma “praça de guerra” e que a PM estava “atirando com balas de borracha contra estudantes”. Na sequência falou que era um “absurdo, um massacre”. Por volta de 55 segundos do vídeo, ele sai correndo das bombas que estariam sendo jogadas perto dele. Alguém grita, “Quebra!”
O deputado foi para o 93º DP ajudar na liberação dos presos e depois para o Hospital Universitário, que recebeu dois presos feridos, sendo um deles a professora citada por Ivane.
“Tivemos de enfrentar bala de borracha, uma passou perto do meu ouvido, quase me atingiu. Estavam atirando aleatoriamente. Tenho várias imagens e vou levá-las para o Ministério Público amanhã. Também vou acionar a corregedoria da polícia e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa”, disse à reportagem. “Foi um massacre. E isso foi a mando do reitor, que deu a ordem e eles cumpriram. Transformaram o campus em uma praça de guerra”, complementou.
A Polícia Militar foi procurada pela reportagem, mas não se manifestou. A reitoria da USP também foi procurada sobre o protesto e o confronto, mas disse que só deve se manifestar após o fim da reunião do Conselho Universitário.
A Secretaria de Segurança Pública enviou uma nota informando que “equipes da PM acompanhavam o ato dos funcionários da USP, que havia sido previamente notificado, quando foram arremessadas pedras e paus nos soldados que realizavam o policiamento”. De acordo com a pasta, “foi necessária a intervenção e quatro pessoas foram detidas e encaminhadas ao 93ºDP. Além disso, quatro policiais ficaram feridos. Foram apreendidos rojões e equipes da Polícia Militar continuam no local.”
Para entender
A proposta da reitoria é ter um teto de gastos de 85% das receitas recebidas do Tesouro Estadual com a folha salarial. A instituição terminou o ano de 2016 com 104,95% de comprometimento das receitas com salários. Segundo o projeto da reitoria, o limite prudencial é de 80%. Ao ultrapassar essa faixa, prevê a nova regra, o reitor ficaria impedido de fazer novas contratações, dar reajustes ou autorizar horas extras. Se chegar a 85%, fica o gestor obrigado a resolver o problema nos dois quadrimestres seguintes. O projeto do reitor Marco Antonio Zago também prevê que a proporção de professores deve ser de 40% do total de servidores da USP. Hoje, é de 28,7%. De 20,9 mil funcionários, 6 mil são docentes.