O ar gelado do inverno americano, que invade as ruas iluminadas de Las Vegas neste início de ano, contrastava com o clima quente, quase como se fora uma guerra, entre as empresas tecnológicas presentes na Consumer Electronic Show (CES), na semana passada, na Cidade do Pecado. Foi durante a maior feira internacional de eletrônicos de consumo que as principais estrelas da tecnologia mundial, como Microsoft, Intel, Lenovo, Acer, Google, LG, Samsung, Nintendo e Sony mostraram suas armas. E, como a CES tem a característica de antecipar os rumos do setor no ano, foi possível perceber na edição 2012 do evento que uma tendência se intensifica no mercado mundial: o avanço da convergência e o acirramento da concorrência estão levando as companhias a extrapolar seus segmentos tradicionais para ingressar em outras áreas. 

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No palco: o cantor Will.i.am, do grupo Black Eyed Peas, e o diretor-executivo da Intel, Paul Otellini,
participam da CES na quarta-feira 11. 

Não se trata de um novo fenômeno, mas a velocidade com que esse movimento ganha força muda a dinâmica dos negócios, agora ainda mais interativa e conectada. Exemplos desse novo cenário não faltam. A fabricante de computadores Lenovo acaba de entrar no mercado de tevês, enquanto a rival Acer está ingressando na área de armazenamento de conteúdo na nuvem.  A Intel, por sua vez, apresentou na CES seu primeiro chip para smartphones – até hoje ela só produzia para computadores de mesa. Um movimento parecido vem da Microsoft,  do CEO Steve Ballmer, que deve lançar em outubro o Windows 8, sistema operacional que rodará também nos tablets. Outros casos são o da LG, com a entrada no segmento de notebooks ultrafinos, e da Samsung, em comandos de voz e gestos. Esse grupo de companhias poderá crescer se a Apple, como todo o mercado aguarda, entrar no mercado de televisores no segundo semestre. 

 

A empresa estaria preparando um aparelho televisor nas versões de 32 e 37 polegadas. Como de costume, ela não confirma a existência do novo produto, que já está sendo chamado no mercado de iTV. Coincidência ou não, pela primeira vez um alto executivo da companhia, no caso Greg Joswaiak, vice-presidente de marketing da Apple, que não participa da CES oficialmente, foi flagrado andando pelos corredores da feira. O grande desafio da indústria de eletrônicos hoje é proporcionar ao consumidor a melhor experiência de uso entre os diversos equipamentos que uma mesma empresa oferece. Nesse quesito, ninguém ainda superou a Apple, que virou referência para o setor com a sua bem azeitada trinca iTunes, App Store e iCloud. Um dos reflexos do sucesso da estratégia é que a empresa da maçã viu seu valor de mercado quintuplicar desde o lançamento do iPhone, em 2007. 

 

Atualmente, ela é a empresa de tecnologia com maior valor de mercado do mundo – está avaliada em quase US$ 400 bilhões. Essa cifra é  uma das tantas evidências de que a integração entre aparelhos, aplicativos, conteúdos e serviços em um mundo cada vez mais conectado é uma necessidade. Isso explica por que, de um jeito ou de outro, todas as principais empresas do setor se movem nessa direção e também a razão pela qual algumas velhas líderes, como Nokia, Kodak, RIM e Olympus, sofrem com essa dura transição. “O setor de eletrônicos de consumo hoje não é mais baseado só no aparelho, no hardware”, disse Tim Baxter, presidente da Samsung America à DINHEIRO. A avaliação de Baxter foi feita para explicar o lançamento do serviço All Share Play, que permite aos clientes da Samsung exibir fotos tiradas com o celular direto na televisão. 

 

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Num mercado no qual é cada vez mais difícil lucrar com a venda de equipamentos, os serviços convergentes são um instrumento para criar lealdade a uma marca e fugir da guerra de preços que atinge toda a indústria. Foi o que fez a Amazon, do empresário Jeff Bezos, ao lançar o tablet Kindle Fire, em 2011, que é vendido quase a preço de custo, por US$ 199. O objetivo da maior empresa de comércio eletrônico do mundo não é fazer dinheiro com a venda do hardware. Trata-se de uma maneira de estimular a venda de seu conteúdo digital, como livros, filmes, músicas e games. Resultado: o Kindle Fire é um dos primeiros modelos bem-sucedidos comercialmente depois do iPad. E, nesse cenário de competição intensa, até os aliados demonstram temor. Um exemplo é a sul-coreana LG, que apresentou durante a feira uma legião de tevês conectadas e 3D, algumas das quais com o Google TV. 

 

Para KS Lee, vice-presidente de marketing de entretenimento doméstico da LG, a entrada da Apple e do próprio Google (que é parceiro da LG) no mercado de televisores é motivo para manter as antenas ligadíssimas. “Eles têm dinheiro no bolso e reputação global. São, sem dúvida, uma grande ameaça”, disse Lee à DINHEIRO. O tom adotado, no entanto, é diplomático. “Novos competidores são bem-vindos, pois eles despertam a atenção dos consumidores, o que aumenta o interesse pelo mercado e, consequentemente, pelos nossos produtos”, afirma. Mas todo cuidado é pouco. É por essa razão que, diferentemente do Android, usado pela empresa em todos os seus smartphones, a LG não quer se tornar dependente do Google também no mercado de tevês. Por isso ela investe no desenvolvimento de seu sistema para tevês, o Netcast. “A dependência de um único fornecedor é sempre ruim”, diz. Lee sobre o Android.

(Diretamente de Las Vegas)