DINHEIRO ? Como o sr. pretende convencer os empresários brasileiros de que investir em um país em recessão é um bom negócio?

PAULO PORTAS ? Com o único argumento no qual os empresários acreditam: fatos e evidências. Portugal, ao longo dos seus nove séculos de vida, já viveu algumas crises e sempre se reinventou. O Brasil também teve de pedir ajuda externa no fim do século passado e deu a volta por cima. Ou seja, os brasileiros sabem que é possível transformar uma crise em oportunidade. Uma coisa eu garanto: quem chegar primeiro a Portugal vai pegar o melhor lugar.

 

DINHEIRO ? Como Portugal foi parar no epicentro da crise?

PORTAS ? Portugal tinha excesso de dívidas e déficit elevado. Não há como resolver isso de outra forma que não por meio do corte de despesas. Eu estava na oposição quando Portugal assinou, em maio do ano passado, um acordo com o FMI, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu para um empréstimo de ? 78 bilhões. A contrapartida é uma série de obrigações, que incluem as reformas trabalhista e previdenciária. 

 

DINHEIRO ? Mas se as medidas sufocam a economia, não seria melhor revê-las?

PORTAS ? Para nós, respeitar o acordo é uma questão de credibilidade. Se possível, vamos até antecipar o cumprimento das metas fiscais. Quanto mais rápido isso acontecer, mais cedo voltaremos a ter acesso ao crédito bancário. Não se pode gastar mais do que se arrecada. Caso contrário, as gerações futuras, que não autorizaram essas dívidas, vão pagar a conta. Portugal partiu de um déficit irresponsável de 10% do PIB no ano passado e fecharemos o ano com 4,6%. Todos os portugueses estão dando a sua cota de sacrifício para que o país volte a crescer a partir de 2013.

 

DINHEIRO ? Alguns economistas renomados, como o Prêmio Nobel Paul Krugman, avaliam que o excesso de austeridade fiscal piora o desempenho econômico e, por tabela, reduz a arrecadação. O sr. discorda?

PORTAS ? Eu tenho imenso respeito pelos economistas e por sua capacidade de previsão, e sei que seu trabalho é comentar a situação dos outros. Mas aqui não estamos no plano das opiniões, estamos no plano dos acordos entre um Estado soberano e organismos internacionais. É preciso ficar claro que a atitude portuguesa é diferente da de outros países na Europa. Nós vamos cumprir o acordo fiscal e não seremos um problema para a União Europeia. Não vamos fracassar, ao contrário, seremos um exemplo para todos. 

 

DINHEIRO ? Qual a diferença entre Portugal e outros países endividados?

PORTAS ? Nós temos uma maioria sólida no Parlamento e fizemos um acordo social, que envolveu empresários e sindicatos de trabalhadores na questão dos ajustes fiscais. Isso significa que há uma coesão interna, bem diferente das imagens de protestos que vemos em outros países. Quando o pior passar, os legados serão um Estado que gasta menos e uma economia que cresce mais. 

 

DINHEIRO ? As privatizações em curso são parte da solução fiscal?

PORTAS ? Sim, nós temos a convicção de que a parte essencial do crescimento econômico é feita pelas empresas privadas. Não se criam empregos por meio de leis. Empregos são criados quando as empresas confiam e investem no país. É nesse contexto que entra o processo de privatização.

 

24.jpg

Paul Krugman, o maior crítico do rigoroso ajuste fiscal europeu.

 

DINHEIRO ? O governo português ficou satisfeito com as duas primeiras privatizações no sistema elétrico?

PORTAS ? Muito satisfeito. Com apenas essas duas vendas, já atingimos 60% da arrecadação prevista para todas as privatizações. Vendemos melhor do que muitos previam. O restante do programa de privatizações é muito extenso e inclui ferrovias, aeroportos, correios e a companhia aérea TAP, entre outros.

 

DINHEIRO ? As empresas brasileiras vão participar das privatizações?

PORTAS ? Esperamos que sim. Consideramos importante a presença de investidores brasileiros no processo, pois reforça os elos estratégicos entre os dois países. O capital brasileiro é bem-vindo.

 

DINHEIRO ? A TAP é considerada a joia da coroa pelo simbolismo que uma companhia aérea tem. Como está o cronograma?

PORTAS ? A TAP opera 74 voos semanais para o Brasil. Do nosso ponto de vista, é essencial manter Lisboa como um hub da Europa para o Brasil e para a África. O governo português fará nos próximos meses a privatização da TAP com o objetivo de ter uma empresa sólida, que não seja uma dor de cabeça para os contribuintes. Vamos vender 100% do controle e contamos, é claro, com a participação de empresas brasileiras.

 

DINHEIRO ? O governo brasileiro privatizou recentemente três aeroportos, mantendo uma participação de 49% para a Infraero. Portugal pretende seguir esse modelo?

PORTAS ? Eu acompanhei atentamente o processo brasileiro. Ainda não definimos o nosso modelo, mas a única certeza que eu tenho é de que um aeroporto só pode ser um bom negócio, pois cada avião que pousa é uma taxa que entra. 

 

DINHEIRO ? Portugal está em recessão e o desemprego não para de crescer. Há algum indicador econômico que represente uma luz no fim do túnel?

PORTAS ? Sim, as exportações portuguesas estão crescendo para mercados não tradicionais, ou seja, para fora da Europa. Para esses mercados, a alta foi de 35% nos últimos meses. São países de língua portuguesa, como Brasil, Angola e Moçambique. As empresas portuguesas acordaram para os mercados da América Latina, África, Ásia e Golfo Pérsico. 

 

DINHEIRO ? Como Portugal recebeu a decisão do Brasil de adotar salvaguardas contra os vinhos importados?

PORTAS ? Não podemos deixar esse tema complicar as relações de amizade entre os dois países. O Brasil é um país soberano e toma suas decisões soberanas. Precisamos sentar à mesa para encontrar uma solução amigável. Você não quer privar o Brasil do bom vinho português, quer? É uma coisa um pouco estranha. O vinho português é muito bom, é uma das melhores coisas que Portugal tem para o mundo. Quem faz verdadeira concorrência ao vinho brasileiro são a Argentina e o Chile. Basta ver os números. O vinho português já paga 27% de imposto. O argentino e o chileno não pagam taxa. É melhor ter mais cuidado com o vinho que não paga taxa do que com o que já paga imposto. Portanto, temos bons argumentos para chegar a um acordo. 

 

25.jpg

Avião da companhia aérea portuguesa TAP.

 

DINHEIRO ? Se o Brasil mantiver a sua posição, pode haver retaliação?

PORTAS ? A sociedade brasileira gosta do vinho português. Acredito numa economia aberta como forma de progresso econômico. Não foi uma notícia muito feliz a decisão do governo brasileiro, que está seguindo os trâmites legais. Eu ainda acho possível encontrarmos um acordo. 

 

DINHEIRO ? O governo português pretende ter uma política comercial mais agressiva?

PORTAS ? Já estamos sendo mais ousados. A diplomacia clássica agora também tem a função de diplomacia econômica. Montamos uma espécie de exército econômico para promover as exportações e captar investimentos estrangeiros. Os diplomatas, os agentes comerciais e os agentes de turismo agem em conjunto. Isso é uma visão moderna de diplomacia. 

 

DINHEIRO ? Muitos executivos portugueses estão vindo trabalhar no Brasil. Como o sr. avalia isso?

PORTAS ? É algo positivo. Nós vivemos uma economia global em que os cidadãos, e não apenas o capital, circulam. O importante é que as pessoas saiam de um país porque veem boas perspectivas em outro lugar e não pelo fato de que o seu país de origem não ofereça oportunidades. No caso dos portugueses, não creio que eles saiam por falta de perspectivas e, ao contrário do que é dito, os brasileiros que estão em Portugal não estão voltando para o Brasil. 

 

DINHEIRO ? Como está a questão do reconhecimento pelo Brasil de diplomas universitários emitidos por escolas portuguesas?

PORTAS ? Não vejo isso como um problema entre os dois Estados, mas, sim, entre as ordens profissionais. Se você possui um diploma de uma boa universidade e tem condições de desempenhar a sua profissão no seu país, por que o outro não reconhece? O Brasil necessita de engenheiros e nós podemos colaborar com isso. No passado, nós tivemos problemas em reconhecer títulos brasileiros, mas isso já foi resolvido. Agora é a vez de o Brasil resolver isso sobretudo agora, quando celebramos o ano do Brasil em Portugal e o de Portugal no Brasil.

 

DINHEIRO ? Quais oportunidades a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos no Brasil geram para Portugal?

PORTAS ? Vocês terão ainda a Rio+20, neste ano, e a visita do papa, em 2013. O que mais vocês querem? (risos) Isso é uma expressão do momento que o Brasil vive no mundo. Portugal tem muitas competências nessas áreas. Nós organizamos várias visitas do papa e um campeonato europeu de futebol. Nós sabemos como construir a logística de segurança para esses eventos. Eu acho que as empresas portuguesas podem contribuir muito, e o Brasil deve estar aberto a isso.