A data da guerra já foi escolhida. Será entre janeiro e fevereiro, quando o inverno no Oriente Médio permitir que os soldados americanos usem seus pesados trajes antibacteriológicos. O objetivo do ataque também já foi traçado. George W. Bush quer derrubar Saddam Hussein para evitar que ele construa armas atômicas ou biológicas, com as quais poderia atacar os Estados Unidos. O que falta agora para que aviões e tropas americanas caiam sobre o Iraque é um pretexto ? e, na ausência dele, tudo indica que Bush fará guerra de qualquer jeito, com ou sem justificativa, com ou sem apoio internacional. ?Se as Nações Unidas não lidarem com o problema do Iraque, os Estados Unidos irão lidar?, disse o presidente americano na quarta-feira, elevando ainda mais o tom da ameaça que havia esboçado no dia anterior. ?As Nações Unidas precisam agir?, afirmara durante uma visita à cidade de Nashville. ?É hora de determinar se a ONU vai ser uma força de paz ou um inútil clube de debates.? Na verdade, o que se vai determinar nos próximos dias é se as Nações Unidas são uma instituição independente ou apenas a extensão do Departamento de Estado.

 

A pressão americana sobre Kofi Annan começou a ganhar corpo na segunda-feira 17. Foi quando os iraquianos enviaram ao secretário-geral da ONU uma carta concordando ?com o retorno dos inspetores de armas das Nações Unidas ao Iraque incondicionalmente?. O documento resultara de uma difícil negociação entre Annan e os diplomatas de Saddam Hussein. Em tese, seu conteúdo respondia aos anseios de Bush e da comunidade internacional, que exigiam a volta dos inspetores da ONU, expulsos de Bagdá em 1998. De fato, a concessão foi inútil. Os EUA apontavam a expulsão dos inspetores como a evidência mais clara de que Saddam estaria produzindo armas de destruição em massa. Mas quando o ditador iraquiano concordou em recebê-los de volta, as autoridades americanas desdenharam a oferta. ?Saddam não vai enganar ninguém?, respondeu Bush. ?Isso é apenas outro truque.? O mensageiro mais eloqüente da escalada de intolerância é Donald Rumsfeald, o secretário de Defesa americano. Um dos falcões senis da Guerra Fria, herdeiro da pior tradição de violência americana, Rumsfeald parece ter se formado na escola humanística de Átila, o Huno ? o chefe tribal asiático cuja brutalidade levou os europeus do século 4 a chamá-lo de Flagelo de Deus. Na quarta-feira Rumsfeld foi ao Congresso exigir uma autorização explícita e imediata para ir à guerra contra o Iraque e derrubar seu ditador. ?O atraso na votação mandaria a mensagem de que os EUA não estão prontos para tomar uma atitude?, afirmou. Atrás dele, três moças protestavam com faixas que exigiam ?Inspeção da ONU, não Guerra?. O secretário deu de ombros. Com medo da popularidade de Bush e de olho nas eleições legislativas de 5 de novembro, mesmo os representantes democratas estão se curvando à imposição do presidente e seu Rasputin ? ainda que seja baseada em inverdades. Na quarta-feira Rumsfeald disse aos congressistas que Saddam estava colocando tropas nas proximidades dos hospitais e escolas para evitar as bombas ou fazer propaganda com a morte de civis. Os fatos parecem ser outros. O jornalista Ewen MacAskill, do diário inglês The Guardian, escreveu de Bagdá na semana passada que não há tropas nas ruas e nenhum preparativo militar perceptível. A grande movimentação é nos hospitais, onde já estão sendo estocados sangue, soro e antibióticos. No final da semana passada a única coisa que protegia os civis iraquianos de Bush, o Homem-Bomba, era a falta de duas autorizações de guerra ? uma da ONU e outra do Congresso americano. Se a do Congresso sair nos próximos dias, como se espera, talvez a outra nem seja necessária. O Império dispensa autorizações externas.