27/08/2024 - 10:52
A inesperada prisão de Pavel Durov na França, no último sábado, 24, causou um grande impacto em seu império digital, o aplicativo de mensagens Telegram, que tem mais de 900 milhões de usuários ativos.
+ Telegram não pretende aumentar moderação no app por considerar ‘autoritarismo’, diz CEO
O bilionário, de 39 anos, foi preso na pista do aeroporto Paris-Le Bourget, quando descia de seu avião particular, procedente do Azerbaijão. O mandado para sua prisão foi emitido pelo Escritório para Menores (Ofmin) da Direção Nacional de Investigação Criminal da França, com base numa investigação preliminar.
O Judiciário francês argumenta que a falta de moderação no Telegram e a recusa de Durov de cooperar com as autoridades, associada às ferramentas que a plataforma oferece, como números descartáveis e criptografia, o tornam cúmplice de numerosos crimes.
O bilionário nascido na Rússia criou o aplicativo junto com seu irmão mais velho, o talentoso matemático e programador Nikolai Durov. Os irmãos construíram a reputação da plataforma em torno da privacidade, implementando várias camadas de proteção de dados e desafiando repetidamente autoridades que solicitavam acesso.
Ao mesmo tempo, críticos do Telegram o descrevem como um aplicativo do “Velho Oeste” no qual a desinformação e a propaganda se espalham com pouca ou nenhuma supervisão.
Primeiras aventuras na programação
Pavel Durov nasceu em São Petersburgo, na antiga União Soviética, em 1984. Seus pais eram professores na Universidade Estatal de São Petersburgo. Quando Durov tinha quatro anos de idade, a família se mudou para a Itália. Eles viveram no país por quatro anos, quando Durov frequentou a escola primária em Turim.
Em 1992, a família voltou para São Petersburgo, e o pai de Durov assumiu a chefia do departamento de línguas clássicas da Faculdade de Filologia da Universidade Estatal.
Durov começou a se aventurar na programação durante o ensino médio. Na faculdade, montou uma biblioteca digital chamada Durov.com e um fórum estudantil online. Mais tarde, admitiu ter criado diferentes contas e debatido consigo mesmo em seu fórum para impulsionar discussões.
“Conseguimos fazer muitas coisas antes do Facebook”
Enquanto prosseguia com seus estudos para obter um diploma em tradução em inglês, o futuro bilionário da tecnologia também se concentrava em criar uma rede social inspirada por Mark Zuckerberg, que lançou o “The Facebook” em 2004.
A plataforma de Durov, VKontakte (Em Contato), começou a operar em 2006, sendo parcialmente financiada com recursos obtidos através de seu colega de classe e parceiro de negócios Vyacheslav Mirilashvili, filho do controverso empresário Mikhael Mirilashvili.
A VKontakte já somava 3 milhões de usuários em 2007 e continuou a crescer, consolidando rapidamente sua posição como a principal plataforma de mídia social na Europa Oriental.
Nos primeiros anos da VKontakte, a plataforma daria a um usuário ocidental a impressão de não passar de uma cópia russa do Facebook, com listas de amigos, álbuns de fotos, “mural” de usuários e até o mesmo esquema de cores azul escuro e branco.
No entanto, a plataforma de Durov tinha um grande diferencial em relação ao Facebook. Devido à fraca aplicação das leis de direitos autorais na Rússia, os usuários da VKontakte faziam o upload e transmitiam todos os tipos de conteúdo em vídeo, incluindo filmes, tanto russos quanto de Hollywood.
Durov disse mais tarde que usou o Facebook como um exemplo do que “não fazer”. “Fundei uma empresa que se tornou o que chamam de Facebook da Rússia. Não gostamos de chamá-la assim, porque, na verdade, conseguimos fazer muitas coisas antes do Facebook, e isso definiu como a indústria de mídia social se desenvolveu ao longo dos anos”, disse em entrevista ao jornalista americano Tucker Carlson, em abril deste ano.
Hoje um dos principais concorrentes do Telegram é o WhatsApp, adquirido pelo Facebook em 2014.
Embates com o Estado russo
A crescente popularidade de sua empresa logo fez Durov bater de frente com o Estado russo. Em 2011 e 2012, a oposição usou as redes sociais para coordenar uma onda de protestos antigovernamentais, e as autoridades pressionaram a VKontakte para fechar essa via de comunicação. Durov se recusou a fazê-lo.
Uma situação semelhante ocorreu no final de 2013 e em 2014, quando os ucranianos iniciaram os protestos do Euromaidan, que levariam à eventual destituição do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych. Durov afirma que autoridades russas o pressionaram para revelar dados privados sobre os organizadores dos protestos na Ucrânia e que, mais uma vez, ele recusou o pedido.
Enquanto isso, Durov se tornou milionário e começou a desenvolver uma reputação de excêntrico. Em 2012, foi criticado por carregar aviões com notas de dinheiro em aviões de papel e arremessá-las sobre São Petersburgo. Quando transeuntes começaram a brigar pelas notas, Durov comentou na internet que as pessoas haviam se tornado “selvagens”.
Foi em 2013 que ele e o irmão mais velho lançaram o Telegram. Durov afirma que teve a ideia de criar uma plataforma de mensagens criptografadas quando policiais armados foram à sua casa na Rússia. Ele disse que queria informar seu irmão sobre o que estava acontecendo e coordenar os próximos passos, mas percebeu que nenhum dos canais de comunicação disponíveis estava imune à vigilância estatal.
Telegram se juntou à Apple e ao Google na proibição de app de Navalny
Enfrentando uma pressão crescente do governoo, Durov vendeu sua participação na VKontakte e deixou a Rússia em 2014. Pouco depois, obteve a cidadania da nação caribenha de São Cristóvão e Névis. Mais tarde, conseguiu um passaporte francês e a cidadania dos Emirados Árabes Unidos.
Sua equipe tentou se estabelecer em vários países, incluindo Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos, antes de finalmente se fixar em Dubai.
Na recente entrevista a Tucker Carlson, Durov disse que a inteligência americana tentou recrutar um de seus engenheiros para desenvolver ferramentas de software que dariam acesso ao Telegram. Ele também afirmou que foi interrogado repetidamente por agentes do FBI durante suas visitas aos EUA.
Em 2018, as autoridades russas tentaram bloquear o Telegram depois que a rede se recusou a conceder ao Serviço Federal de Segurança (FSB), a agência de inteligência do país, acesso às conversas dos usuários. O bloqueio falhou. Hoje, o aplicativo não só funciona na Rússia, como é usado por muitos altos funcionários do governo.
Apesar do histórico do Telegram de luta contra a censura estatal, em 2021, a plataforma se juntou à Apple e à Google no bloqueio ao software Smart Voting, defendido pelo líder da oposição Alexei Navalny, morto em fevereiro deste ano, e que permitia a eleitores russos votar estrategicamente contra partidos pró-regime.
Problemas legais no Brasil e na Alemanha
O Telegram não acumula problemas apenas na França. A empresa responsável pelo app também já foi acusada por autoridades alemãs de não se adaptar às exigências da Netzwerkdurchsetzungsgesetz, ou NetzDG (Lei de Fiscalização da Rede, em tradução livre), que regula o combate à propagação de conteúdo extremista nas redes sociais e aplicativos de mensagens.
Criada em 2017, a lei estabelece a obrigação da remoção de conteúdos “claramente ilegais” em até 24 horas, a previsão de multas de até 50 milhões de euros em caso de descumprimento e a instituição de canais de denúncia. O texto mira especialmente redes sociais com mais de 2 milhões de usuários na Alemanha.
Em 2021, uma emenda foi adicionada à lei, obrigando as redes a reportarem conteúdo ilegais específicos para a polícia federal alemã, como crimes contra o Estado democrático de direito e à ordem pública e pornografia infantil.
Em janeiro de 2022 a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser chegou a afirmar que o Telegram poderia ser banido do país. A ameaça de fechamento feita por Faeser ocorreu após o Telegram, que oficialmente tem sede em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, ter ignorado várias tentativas de contato por parte das autoridades do país europeu. Na mesma época, o Telegram foi acusado pela classe política de não fazer nada para conter a circulação de mensagens que conclamavam o assassinato dos governadores da Saxônia e de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.
Em 2023, a Justiça Federal do Espírito Santo, no Brasil, também determinou que as operadoras de telefonia móvel do Brasil e as lojas de aplicativos tirassem do ar o serviço de mensagens Telegram.
À época, o motivo apontado foi que a empresa não havia entregue à Polícia Federal (PF) dados solicitados sobre grupos neonazistas presentes na plataforma. A ordem foi parcialmente revogada cinco dias depois.
Antes disso, em março de 2022, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também havia determinado uma suspensão “completa e integral” do Telegram em todo o Brasil. Moraes revogou a decisão dois dias depois, após a empresa cumprir as pendências judiciais que tinha com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Bilionário sem iate
Fundador, dono e CEO do Telegram, Durov se descreve como um “libertário” e um “cidadão do mundo”, cuja principal prioridade é a liberdade pessoal. Seus sete princípios para uma vida saudável e jovem incluem renunciar ao álcool e a produtos de origem animal e permanecer solteiro.
As fotos de Durov no Instagram, que exibem sua forma física em cenários impressionantes e cinematográficos, também inspiraram muitas piadas e memes entre usuários de internet de língua russa.
Embora não seja casado, Durov tem pelo menos cinco filhos com duas mulheres diferentes. Em uma postagem de julho de 2024, ele disse ter sido informado de que teria mais de cem filhos biológicos devido a seus esforços como doador de esperma.
“Agora planejo divulgar abertamente o código do meu DNA para que meus filhos biológicos possam se encontrar mais facilmente”, escreveu no Telegram.
O patrimônio líquido de Durov, que completará 40 anos este ano, é avaliado pela Forbes em 15,5 bilhões de dólares (R$ 85,2 bilhões). O bilionário afirma não possuir imóveis de luxo, jatos ou iates, e já criticou publicamente os perigos do “consumismo excessivo”.
Ao comentar sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, Durov lamentou o conflito e destacou a origem ucraniana de sua mãe. “Até hoje, temos muitos parentes que vivem na Ucrânia. Portanto, este conflito trágico é pessoal para mim, assim como para o Telegram.”