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De Botton: seus clientes hoje são médicos e clínicas de estética

 

 

A altivez na postura continua a mesma ? costas eretas e cabeça erguida. Os cabelos cuidadosamente cortados e penteados e a pele levemente bronzeada lhe garantem uma aparência saudável. Ternos bem aparados e a gravata com detalhes azuis que combinam com camisa de finas listras da mesma cor criam um figurino de discreta elegância. Um visitante desavisado certamente se surpreenderá com o contraste entre o perfil nobre daquele senhor de 66 anos e o ambiente que o cerca: um escritório comprido e estreito, nas quais apenas seis pequenas molduras com fotografias amareladas pelo tempo tentam dar um pouco de vida às paredes bege praticamente nuas. A escrivaninha de linhas retas e madeira escura divide o espaço com uma acanhada mesa de reunião rodeada por quatro cadeiras de curvim. As janelas fechadas
não impedem que o barulho do trânsito do centro
do Rio de Janeiro prejudique a conversa.

Para as gerações mais novas é provável que o nome do cavalheiro simpático e bem disposto pouco signifique. André De Botton. Mas por qualquer ângulo que se leia a história empresarial brasileira, seu nome é um verdadeiro mito. De Botton transformou uma loja herdada do avô na maior rede de lojas de departamento do País, a Mesbla ? um gigante que, em seu apogeu, empregou mais de 28 mil pessoas, acumulou patrimônio superior a US$ 300 milhões e espalhou sua bandeira por 180 pontos em todo o País. O carioca De Botton foi ungido como rei do varejo. Seu nome fazia parte do quarteto que formava a nobreza empresarial dos anos 70 e 80: Octavio Lacombe, do Grupo Paranapanema, Olavo Monteiro de Carvalho, do Monteiro Aranha, Augusto Trajano, da Caemi e ele, André De Botton. Além dos escritórios das grandes corporações e dos gabinetes de ministros e políticos de Brasília, eles circulavam pelas esferas da alta sociedade carioca da época. Volta e meia, o monarca De Botton era laureado. Por duas vezes, foi escolhido como Varejista Estrangeiro do Ano pela organização americana National Retail Federation.

 

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Ironia do destino: a antiga sede da Mesbla é ocupada hoje por sua maior rival

De Botton era um soberano na arte de diversificar e ampliar seus negócios. Além da Mesbla, ele comandava concessionárias de veículos Mazda, financeiras e lojas de automóveis. Quando os holandeses do Makro, um dos maiores atacadistas do mundo, resolveram vender 36% da subsidiária brasileira para um sócio local, o escolhido foi De Botton. No auge de seu prestígio, deu-se ao luxo de unir lazer e trabalho. Apaixonado por navegação, tornou-se um dos maiores comerciantes de lanchas e iates de luxo do País. Cada inauguração de uma loja náutica adquiria ares de celebração.

Políticos, artistas, empresários, enfim, endinheirados de um modo geral eram seus clientes. Faziam o papel que hoje pertence a médicos e representantes comerciais de clínicas de estética e beleza. Sim, porque atualmente De Botton continua na ativa. Dele tiraram tudo no mundo dos negócios ? menos o espírito empreendedor. ?Nunca deixei de lutar?, diz ele. ?Como dizia meu amigo Octavio Lacombe, o que pára gangrena.? Seu nome consta do conselho de administração de oito empresas e entidades. Sócio de uma pequena firma de locação de máquinas a laser para tratamento de pele, De Botton representa dois fabricantes americanos, um italiano e um francês. É capaz de consumir horas falando dos benefícios e da segurança dos produtos que vende. Mas detesta comentar o desempenho dos negócios ? a não ser com frases muito políticas e pouco esclarecedoras. Volume de máquinas vendidas? ?O suficiente para nos colocar numa posição de destaque no mercado?. Número de clientes? ?Grande o bastante para não ficarmos dependentes deste ou daquele.? Faturamento? ?Somos uma empresa de porte médio, segundo critérios dos órgãos arrecadadores.? Com ele, trabalham 12 pessoas, todas alojadas em metade do quarto andar de um edifício na rua do Passeio, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro. Na porta do prédio, uma banca de jornais divide a calçada com filas de passageiros que aguardam os ônibus que têm ali em frente seu ponto inicial.

Sintomaticamente, o prédio está plantado ao lado da antiga sede da Mesbla. Ao longo de décadas, o local tornou-se um marco no cenário do centro do Rio de Janeiro devido à sua torre alta com um grande relógio ao lado do qual brilhavam as letras de néon com o nome Mesbla. O edifício, assim como a torre, foi preservado com uma única (e irônica) alteração (ou poderíamos chamar de provocação do destino?): agora, colada ao relógio há uma placa das Lojas Americanas, a antiga rival que um dia arrebatou a liderança de mercado da Mesbla. As semelhanças se esgotam no CEP das duas sedes. Da janela de seu escritório no nono andar do edifício da Mesbla, decorado com obras de artes e antigüidades, De Botton vislumbrava a beleza da Baía da Guanabara. Hoje, a mesma paisagem é encoberta pelas copas das árvores de um parque em frente. Na Mesbla, as refeições do restaurante para executivos eram servidas em bandejas de prata. Hoje, De Botton alterna almoços em casa e em restaurantes da região onde trabalha.

De Botton não gosta de comentar tais diferenças. ?Foram momentos diferentes de minha vida. Tive satisfações e desencantos tanto lá como aqui?, diz. Por desencantos, certamente De Botton refere-se aos últimos anos no trono de rei do varejo. A partir do início dos anos 90, o reino passou a dar seguidos sinais de decadência. Em 1992, amargou o primeiro prejuízo em sua história. E nunca mais recuperou o antigo esplendor. De Botton tentou uma espécie de monarquia parlamentarista. Diversos executivos assumiram a condução do grupo com a missão de saneá-lo. Fracassaram, porém. Em agosto de 1995, vergado por dívidas de US$ 300 milhões, De Botton entregou o cetro e pediu concordata. Perdeu de vez o trono dois anos depois, quando o empresário Ricardo Mansur arrematou a empresa. De Botton diz que, para ele, ?a Mesbla é página virada?. Ressentimentos? ?Eu? De jeito nenhum?, diz. É um assunto que o incomoda. Em círculos mais íntimosa magnanimidade do ex-monarca não resiste. Um empresário conhecido diz que De Botton avalia que seus negócios foram vítima da política econômica recessiva dos governos dos anos 90 e dos habituais juros ?estratosféricos? praticados no País.

Não, não chore por De Botton. Sua aparência é saudável e sua saúde financeira, também. Com as três netas, de 9, 6 e 2 anos, ele dá passeios em seu iate pela Baía da Guanabara. ?Elas me garantem os melhores momentos de minha vida?, diz. ?Espero que venham outros netos.? Certamente virão. De Botton tem quatro filhos, e por enquanto apenas um teve filhos. Todos os anos, De Botton também tira um período para pescar, ?lá no Pantanal ou mais para cima ainda?. Também não abandonou outra paixão, a caça. ?Os amigos me convidam duas vezes por ano e eu vou?, desconversa. ?Hoje todos consideram uma atividade politicamente incorreta, mas há regras rígidas a seguir.? Não que De Botton se importe muito. Nas seis fotos penduradas nas paredes de seu modesto escritório, ele sempre aparece com um grande animal abatido a seus pés. De Botton aponta para uma das fotografias e diz: ?Acertei este leão no momento em que ele vinha para cima de mim.? Na briga com o rei dos animais, o rei do varejo venceu, mas sua força não foi suficiente para sobreviver no ambiente selvagem do mundo dos negócios.