14/06/2025 - 9:02
Santo deu origem a uma das maiores manifestações culturais do mês de junho e influenciou tradições populares em todo o país.Embora o Dia de São João seja celebrado apenas em 24 de junho, as festas juninas já começaram em diferentes regiões do Brasil e devem seguir ao longo do mês e, em muitos lugares, até julho. Fogueiras, bandeirinhas, quadrilhas e comidas típicas voltam a ocupar praças, escolas, parques e outros espaços, seguindo uma das tradições mais populares do calendário nacional.
A centralidade de São João nessas celebrações, que antigamente eram chamadas de “joaninas”, tem raízes na tradição católica europeia, especialmente portuguesa. “Ele era associado à fertilidade da terra, à alegria da chegada do verão no hemisfério norte e ao senso de comunidade no campo”, diz Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Essas festas, no entanto, começaram muito antes do catolicismo. Na Europa pré-cristã, povos como celtas e nórdicos celebravam o solstício de verão agradecendo pela renovação da vida após o inverno. Com o avanço do cristianismo, a Igreja passou a incorporar essas comemorações ao calendário religioso. “Essas celebrações pagãs foram gradualmente associadas a santos populares”, destaca Dias Pinto.
Trazidas pelos portugueses ao Brasil no período colonial, as festas se misturaram aos costumes indígenas, como as danças circulares, e africanos, com seus ritmos e instrumentos. O resultado foi uma manifestação cultural própria, que ressignificou os símbolos religiosos em expressões festivas profundamente brasileiras.
Quem foi São João Batista
São João Batista é o personagem bíblico que inspirou as festas juninas no Brasil, especialmente a do dia 24 de junho, data em que se comemora seu nascimento. Figura central do Novo Testamento, João era filho de Isabel e Zacarias e, segundo a tradição, primo de Jesus.
A relação entre ambos é marcada por simbolismos, onde João anuncia a chegada do Messias e realiza o batismo de Cristo, episódio que, segundo os especialistas, é considerado decisivo na narrativa cristã. “A tradição cristã conta que Isabel teria acendido uma fogueira para avisar Maria que João havia nascido”, afirma Estevam Machado, doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Machado destaca que as datas dos nascimentos de João e Jesus estão separadas por seis meses, coincidindo com os solstícios de verão e inverno no hemisfério norte. A festa de São João, portanto, também dialoga com antigos rituais ligados à terra e à renovação da vida, incorporados posteriormente ao calendário cristão.
Além do papel de precursor do Messias, João Batista tornou-se referência na prática do batismo, que mais tarde seria um dos sacramentos centrais da Igreja Católica. Sua figura, segundo Machado, representa o último grande profeta e o último grande anunciador.
O nome Batista vem justamente do ritual que ele realizava no rio Jordão como forma de iniciação na fé. “Foi ele quem anunciou o Messias e batizou Cristo no rio Jordão”, diz Luiz Antonio Simas, escritor e autor do livro Santos de Casa: Fé e festas de cada dia.
Porém, a história de São João termina de forma violenta. Conforme relatos históricos e bíblicos, João Batista criticava abertamente o relacionamento entre Herodes Antipas e Herodíades, considerada uma união incestuosa, o que levou a sua prisão e execução.
Segundo Simas, a filha de Herodíades, Salomé, após dançar para Herodes em seu aniversário, recebeu o direito de fazer um pedido ao governante. A pedido da mãe, exigiu a cabeça de João Batista numa bandeja. O episódio selou o “martírio” do santo, posteriormente canonizado. Ainda de acordo com o escritor, os envolvidos na trama também tiveram finais trágicos, descritos como cumprimento de uma profecia feita por Batista antes de ser decapitado.
Santos juninos: São João, Santo Antônio e São Pedro
As festas que originalmente homenageavam apenas São João passaram a incluir também Santo Antônio e São Pedro devido ao calendário litúrgico católico. Os três santos têm dias comemorativos em junho: Santo Antônio no dia 13, São João em 24 e São Pedro em 29. Com isso, o termo “joaninas” foi substituído para incluir as celebrações dedicadas ao trio de santos.
“Santo Antônio é conhecido como santo casamenteiro. São João, como o santo da terra e da colheita, e São Pedro, padroeiro dos pescadores e guardião das chaves do céu”, explica Dias Pinto.
A presença dos três nas festas também se relaciona à devoção popular no Brasil, marcada por um vínculo afetivo e prático com diferentes santos. A professora destaca ainda que o dia 24 de junho marca a contagem regressiva de seis meses para o Natal, o que reforça o simbolismo da data e sua ligação com a religiosidade cristã.
Machado reforça que a origem da celebração múltipla vem da tradição ibérica. “O São João era muito celebrado tanto na Espanha como em Portugal. Como nós fomos colonizados pelos portugueses, e os portugueses trazem essa tradição católica, a gente acaba herdando essa festa.”
No Brasil, as festas foram adaptadas ao contexto local, ganhando novos elementos. Ao contrário do verão europeu, as comemorações por aqui ocorrem no inverno. A fogueira, segundo Machado, passou a ter um papel ainda mais importante como ponto de calor e acolhimento. E foi ao redor dela que a festa se transformou.
“A festa se modifica com elementos, trazendo itens da cultura indígena, por exemplo. Aqui no Brasil, o milho era a base alimentar das populações americanas, das populações ameríndias, e ele vai ser transformado em vários subprodutos. Vai ter bolo de milho, canjica, e por aí vai. Até o próprio milho assado, milho cozido, a pamonha.”
Consolidação das festas e influência nordestina
A transformação das festas juninas em grandes eventos urbanos foi impulsionada por políticas públicas e estratégias de desenvolvimento local. A partir das décadas de 1970 e 1980, gestores municipais começaram a enxergar o São João como um ativo econômico, investindo em grandes espetáculos para aquecer o turismo e o comércio.
“O Estado vai colocar a mão e vai colocar pesadamente lá em duas cidades polos”, explica Machado, referindo-se a Campina Grande (PB) e Caruaru (PE). Segundo ele, a festa deixou de ser apenas uma celebração familiar para se tornar um espetáculo de massa, com impacto direto na rede hoteleira, nos serviços e na economia local.
Além da força do poder público, as festas foram moldadas pelas disputas entre coletivos culturais e pela profissionalização dos grupos de quadrilhas juninas. “A transformação das festas juninas acompanha a evolução técnica e mercadológica voltada para a competição dos coletivos, mobilizando toda uma rede de produção e consumo, cultura e sociabilidade”, afirma Antonio George Paulino, coordenador do Laboratório de Antropologia e Imagem da Universidade Federal do Ceará.
Para ele, o Nordeste se destaca como polo central não apenas por tradição, mas por articular elementos identitários, como a valorização da colheita do milho e a forte conexão comunitária.
O São João pode ser enxergado ainda como um símbolo de resistência cultural. Segundo Dias Pinto, entre os séculos 19 e 20, a festa rural e religiosa ganhou fôlego como expressão urbana e turística. “As quadrilhas se tornaram encenações teatrais, os trajes foram estilizados e a música nordestina [xote, baião, forró] ganhou centralidade”, afirma.
A professora afirma ainda que, apesar das mudanças promovidas pela tecnologia, pelos meios de comunicação e até por gerações, o sentido de pertencimento e celebração da coletividade continua sendo o eixo principal das festas juninas, especialmente no Nordeste. “Nesse ponto, cidades como Caruaru e Campina Grande têm sido palco dessa tensão entre o passado e o presente. Ambas investem em grandes atrações de apelo nacional, mas também vêm buscando preservar espaços exclusivos para o forró tradicional, valorizando artistas locais e criando ‘ilhas’ culturais dentro da grande festa.”