16/05/2025 - 13:42
Eventos climáticos extremos, como falta de chuva no Brasil e Vietnã, além de novas exigências de sustentabilidade, pressionam cadeia produtora e elevam preços – mas há quem lucre com essa dinâmica.Por trás da xícara de café fumegante que chega à mesa, há uma cadeia complexa desde a lavoura até o supermercado ou a cafeteria. São muitos os fatores, portanto, que contribuem para a escalada dos preços do produto que ocorre no mundo desde 2021. No Brasil, a inflação do café moído foi de 80% nos últimos 12 meses, a maior alta em 30 anos.
A causa mais evidente tem a ver com a crise climática e fenômenos como secas prolongadas, inundações, tempestades e furacões que prejudicam colheitas. Além da menor oferta, há custos operacionais e de transporte mais altos, incertezas do mercado e o aumento da demanda.
O Brasil é o maior produtor, responsável por 35% da oferta global, seguido pelo Vietnã (15%). Juntos, eles produzem metade do café consumido no mundo. Ao lado de Indonésia, Colômbia e de alguns países da África e da América Central, eles determinam a disponibilidade do grão, explica à DW Jorge Mario Martínez, diretor do escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) no México. Outros produtores latino-americanos relevantes são Honduras, Peru, Guatemala e México.
Martínez aponta que o cenário de inflação se deve sobretudo a “condições secas e quentes no Brasil e no Vietnã e por chuvas excessivas na Indonésia nos últimos anos, que causaram perdas e danos às plantações e cuja recuperação não é imediata, além de custos de produção mais altos”.
Como consequência, as exportações gerais registraram um declínio. Em janeiro deste ano, elas caíram 14,2% em comparação com o mesmo mês de 2024, de acordo com dados da Organização Internacional do Café (OIC), sobretudo na América do Sul.
Além do impacto do clima, Victor Bautista, um dos diretores da ProColombia (organização colombiana de promoção do comércio e turismo), menciona as altas tarifas de importação impostas pelos Estados Unidos ao Vietnã, que chegam a 46%. “Não se sabe se elas são de longo ou médio prazo. Isso traz instabilidade, o que não é bom para os mercados. O planejamento da safra e o processo de produção precisam de estabilidade”, diz.
Demanda crescente
Em 2024, o preço do café verde (em seu estado natural) aumentou 38,8% em relação ao ano anterior, levando em conta o indicador composto (I-CIP), uma das referências mais usadas pela indústria cafeeira.
Esse aumento não foi totalmente repassado ao consumidor final. Nesse período, o preço de venda ao consumidor aumentou 6,6% nos Estados Unidos e 3,8% na União Europeia – os principais importadores.
Mesmo assim, a procura pela bebida está em alta, após um declínio na pandemia. Isso se explica, em parte, pela demanda “inelástica” do produto – no jargão econômico, quer dizer que quem bebe café não está disposto a mudar esse hábito, o que é facilitado pela ampla gama de variedades e preços disponíveis.
Mas essa demanda vem com novas exigências, como sustentabilidade ou o uso de fertilizantes orgânicos, o que implica mais custos e investimentos, ressalta Martínez.
“É mais conveniente para nós vender para a Europa, porque é um mercado mais justo, que gosta e conhece a qualidade dos cafés, e eles nos pagam por todo o esforço seletivo que fazemos”, afirma Jorge Utrilla, diretor geral do Instituto do Café de Chiapas (Incafech), no México.
A especialidade da região é o café cultivado à sombra. Utrilla explica que isso ajuda a manter temperaturas mais controladas, reduz a erosão do solo e facilita a coexistência com a flora e a fauna locais.
Outro motivo a ser levado em conta é o aumento das compras por países europeus, que buscaram se antecipar à entrada em vigor da lei antidesmatamento. Após adiamento, a lei está prevista para começar em 2026 e pretende endurecer as normas ambientais para quem vende ao mercado europeu.
Oportunidades e desafios para produtores
Desde a plantação, passando pelo comprador ou exportador, transporte, torrefação e alfândega, até o consumidor, cada intermediário acrescenta trabalho e valor ao café. Uma libra (455 gramas) de café verde, cotado a cerca de 3,54 dólares em fevereiro – o maior valor em 50 anos – pode render mais de 50 xícaras em uma cafeteria na Europa, onde o cliente paga mais de três euros por xícara.
Para Utrilla, a alta dos preços do café tem favorecido o trabalho no campo. “Este é o ano do produtor. Para o cafeicultor local, este ciclo de colheita foi excelente porque os preços subiram. Hoje, como nunca na história, ele é o maior beneficiário da cadeia”, diz.
“Para os produtores, há um retorno maior, o que é positivo, porque são eles que têm de fazer os investimentos em seus cultivos e processos de produção, o que lhes permite melhorar a competitividade”, diz Bautista, da ProColombia. Em seu país, o café é responsável por quase 60% do território cultivado. “Mais de meio milhão de famílias se dedicam a ele. São produtores de pequeno e médio porte que dependem dessa cultura, e esse preço nos ajuda”.
Entretanto, preços mais altos impõem também desafios, observa. Cerca de 95% do café colombiano é exportado e enfrenta a competição com outros mercados. Outro efeito da demanda externa aquecida é a menor oferta do produto nos países produtores.
“O alto preço nos mercados internacionais, o mais alto dos últimos 35 anos, incentivou as exportações e os produtores e distribuidores preferem vender nesses mercados. Isso pressiona os preços no mercado local”, explica Utrilla.
O representante da Cepal aponta para uma particularidade do mercado internacional de café: há muitos produtores e poucas empresas que dominam as transações internacionais. Os altos preços atuais beneficiam o intermediário internacional que consegue controlar grandes quantidades de café para processamento e comércio, assim como “os médios e grandes produtores e aqueles que pertencem a cooperativas ou associações que têm maior poder de barganha”.
Estabilidade à vista?
Nos últimos meses, entretanto, houve uma ligeira queda no I-CIP, o índice de referência da OIC. As exportações, com exceção da América do Sul, registraram um aumento. “Historicamente, depois que os preços do café sobem, vem um processo de ajuste para baixo, quando a demanda se estabiliza, e a produção se recupera. Os dados de março e abril podem indicar que esse processo de ajuste já começou”, observa Martinez.
Entretanto, “é incerto se o declínio será rápido ou lento. O que se pode prever é o aumento da volatilidade dos preços internacionais devido a fatores climáticos nos países produtores, onde as secas e inundações estão se tornando mais frequentes”, diz ele.
O consumo crescente de café e a necessidade de aumentar a produção são uma oportunidade para os produtores, com preços que recompensam seu investimento, “mas também é importante crescer de forma sustentável”, ressalta o representante da ProColombia.
“As condições climáticas nos fazem ver que precisamos falar sobre sustentabilidade no processo de produção. Estamos intimamente ligados a seguir boas práticas ambientais e a ter mais certificações orgânicas e de comércio justo. Essas são condições importantes para o processo de produção, assim como a criação de uma estrutura regulatória que não aumente muito os preços”, enfatiza.