10/03/2015 - 8:00
Mais complicado que escrever ou pronunciar a palavra impeachment, é calcular quem ganharia, de fato, com a eventual saída de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. Os três maiores partidos do País (PT, PMDB e PSDB) aumentaram o tom do bate-boca nos últimos dias, com a lista de políticos que serão investigados pela Operação Lava Jato, e com o panelaço que ocorreu em algumas cidades na noite deste domingo 8. Qual legenda lucraria mais com uma hipotética saída de Dilma?
A resposta mais automática e mais defendida pelo PT é que a queda da presidente é arquitetada pelo PSDB, que seria, na visão dos petistas, o representante do conservadorismo da “elite branca”, traduzida pelas sátiras de que o panelaço ocorreu em “varandas gourmets” de bairros ricos. É verdade que, sendo oposição, o PSDB criticará, sempre que possível, as derrapadas do governo. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos tucanos mais destacados do País, porém, é o primeiro a fazer coro contra essa versão. “Tirar a presidente da República não adianta nada”, disse ele, durante um seminário no Instituo FHC, nesta segunda-feira 9. “O que vai fazer depois?”
Mas é preciso avaliar alguns pontos com mais calma, antes de tirar conclusões. O primeiro é que há duas possibilidades para um possível impeachment. O primeiro é que ele atinja apenas Dilma.
Neste caso, a Constituição determina que seu vice, Michel Temer, assuma, deixando o PSDB em uma encruzilhada. Se aderisse ao novo governo, poderia ser acusado de endossar a continuidade de um governo desgastado por pesadas denúncias de corrupção. Se continuasse na oposição, correria o risco de ter feito papel de inocente útil, apenas permitindo que o PMDB de Temer assumisse o poder.
Queda dupla
No segundo caso, o impeachment atingiria tanto Dilma, quanto Temer. Pela lei, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, assumiria o poder e seria obrigado a convocar novas eleições em 90 dias. Com o País polarizado desde as eleições de outubro, o desgaste da presidente poderia fortalecer o PSDB a ponto de levá-lo ao Planalto. Mas há um obstáculo e tanto no caminho: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estrela maior do PT e gozando ainda de forte apoio nas camadas mais pobres da população, Lula poderia se lançar candidato, a fim de defender seu legado e manter o partido.
Lula não é Dilma e isso deixa a eleição em aberto. Além disso, o PSDB carece de algo que o PT ainda domina com habilidade: contatos efetivos com os movimentos sociais. “O PSDB é um partido com atuação praticamente restrita ao Congresso”, afirma o cientista político Fernando Luis Schuler, do Insper. É verdade que os tucanos poderiam se beneficiar da insatisfação de parte dos brasileiros, expressa em protestos e panelaços. Mas, para Schuler, esses movimentos são espontâneos e efêmeros, como os de julho de 2013, e tendem a evaporar daqui a algum tempo.
Tudo isso torna bastante incerta a eventual vantagem da oposição em uma nova corrida pelo Planalto. “Uma nova eleição pode significar qualquer coisa, inclusive a vitória de Lula”, diz a cientista política Roseli Aparecida Martins Coelho, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp). “Não há garantias de que o PSDB venceria a disputa”, afirma.
Grande o bastante?
Outra resposta é que o PMDB seria o grande vencedor de uma troca de governo. Por esse raciocínio, a Presidência cairia no colo de Temer, que já conta com a maior bancada do Congresso e não teria dificuldades em tocar a vida até 2018, quando poderia se candidatar à reeleição. Mas há algumas ressalvas. A primeira é que o PMDB é grande, mas não o suficiente para governar sozinho. O partido teria de compor com outras legendas. Mas quais seriam elas? Se o PT se sentisse traído pelos peemedebistas, em um eventual impeachment, afiariam os dentes para partir para a oposição.
Seria possível compor com os tucanos, mas isso esbarraria em outro fator: o PMDB não é um partido unido. “Temer não é o maior, nem o mais influente nome do partido, hoje em dia”, afirma Schuler, do Insper. Um exemplo é o indócil presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que se elegeu com um discurso praticamente de oposição a Dilma. “O PMDB não tem coesão interna, porque é uma confederação de lideranças regionais”. Além disso, o eventual novo presidente teria que suar muito para aplacar a ira dos colegas de partido atingidos pela Operação Lava Jato, que revelou um bilionário esquema de corrupção na Petrobras.
Na sexta-feira 6, o procurador geral da República, Rodrigo Janot, recebeu a autorização do Supremo Tribunal Federal para abrir inquéritos e investigar 47 políticos – incluindo Cunha e o presidente do Senado, Renan Calheiros – ambos do PDMB. Fazer concessões e tentar manobrar as investigações significaria contrariar a demanda dos brasileiros por mais moralidade e menos corrupção na política.
Deixar as investigações correrem seu curso seria arriscar uma revolta do Legislativo, liderada por filiados ao PMDB. Sem domar os próprios correligionários, a passagem de Temer pelo Planalto não seria um agradável passeio de domingo. “Ele seria um presidente fraco, e o Brasil ficaria paralisado até o fim do mandato”, diz Roseli, da Fespsp.
Guerra Fria
O tamanho da incerteza sobre as perdas e ganhos de cada legenda nesse caso é semelhante aos tempos da Guerra Fria, em que Estados Unidos e a antiga União Soviética viviam uma tensão permanente, subiam o tom de tempos em tempos, mas ninguém se arriscou a apertar o botão vermelho e iniciar um conflito nuclear. “O impeachment seria uma situação horrível para todos os partidos”, afirma Roseli, da Fespsp. É por isso que os cientistas políticos afirmam que é provável que a destituição de Dilma não vá adiante. “Seu governo não está condenado; pode ser que se recupere”, diz a professora da Fespsp.
A única possibilidade é que Dilma seja envolvida diretamente no caso. Para isso, seria necessário que provas concretas mostrassem que a presidente se favoreceu pessoalmente com o esquema da Petrobras. “Na cultura política brasileira, a única coisa intolerável é a corrupção pessoal”, afirma Schuler, do Insper, lembrando que o estopim para o impeachment do ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello, em 1992, foi a denúncia de que teria recebido um Fiat Elba e pago a reforma do jardim de sua residência (a famosa Casa da Dinda) com dinheiro desviado.
Com a oposição fraca e dividida, o PMDB rachado entre governistas e infiéis, falta de novas lideranças que encampem a indignação difusa das ruas, e um PT que consegue ser oposição e governo ao mesmo tempo, é possível que Dilma consiga concluir seu mandato, apesar de toda a pressão. “Parece estranho, mas o governo está numa posição extremamente favorável”, diz Schuler, do Insper. Outro elemento pode virar a seu favor, nos próximos anos: a economia. Em 2015 e 2016, espera-se que os ajustes promovidos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, causem recessão e aumentem o desemprego. A partir de 2017, porém, os remédios podem surtir efeito e reconduzir o País ao crescimento. “O PT pode chegar a 2018 em condições bem competitivas”, afirma Schuler. Isso, se Dilma resistir ao clamor das panelas.