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“Figueiredo disse que o mercado não entendeu o BC. Quando é assim, o erro é do BC”

 

 

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“Na época do Gustavo Franco, a política cambial não era sustentável. Hoje, é”

 

 

DINHEIRO ? Por que o Banco Central derrapou no controle dos juros e trombou com o mercado?
IBRAHIM ERIS ?
Faltou habilidade ao BC na avaliação do momento. Se olharmos apenas a questão das metas inflacionárias, até que subir os juros em meio ponto tem certa lógica. Numa época normal, isso poderia ser visto como um ato controvertido, mas nunca seria o desastre que foi. O problema é que bancos centrais, em geral, preparam o público para este tipo de virada, especialmente depois de um longo período de baixa nos juros. Desta vez, aqui, se fez o oposto. Vinham dizendo que o Brasil é uma ilha de tranqüilidade no mar revolto em torno de nós, e isso fez com que a sociedade e os agentes econômicos não estivessem preparados para uma guinada na política de juros. Foi um gesto muito brusco. O elemento surpresa, para quem sempre disse que nunca ia surpreender, foi muito forte.

DINHEIRO ? O momento também foi ruim?
ERIS ?
Péssimo. Havia muita gravidade nos fatores externos. A mudança repentina passou a idéia ao mercado de que o governo sabia de algo que nós, do lado de fora, não sabíamos. Criou-se uma situação desastrosa. Mas depois disso tudo, é errado concluir que o BC mudou a sua política. Não, o BC apenas deu um sinal de confirmação de sua política monetária.

DINHEIRO ? Será que esse escorregão não estava sendo esperado há muito tempo para que se armasse um ataque especulativo?
ERIS ?
Há posições grandes e houve perdas igualmente grandes. O aumento foi de meio por cento, mas o ajuste do mercado chegou a dois por cento, quase três por cento em posições longas. A sacudida foi proporcional à medida adotada. Mesmo se a mexida fosse de 0,25%, o estrago seria o mesmo. O importante foi a virada, não tanto o número em si.

DINHEIRO ? Houve quem defendesse que, se era para virar, o aumento deveria ser maior.
ERIS ?
Eu vi Paulo Leme defendendo 2,5% e Gustavo Franco dizendo que o BC não tem de ameaçar, mas fazer. Eu acho que eles estão avaliando errado as intenções do BC, que apenas sinalizou estar firme na defesa das metas inflacionárias. Na semana anterior à elevação dos juros, na pesquisa periódica que o BC faz junto ao mercado sobre expectativa de inflação, os técnicos do banco descobriram que estava chegando mais uma rodada de alta. Havia clima para uma discussão em torno de metas inflacionárias, mas ela não aparecia à tona, com força, em razão de outros fatores mais urgentes, como Argentina e bolsas americanas. Para mais azar deles, naquela quinta-feira as bolsas desabaram no mundo inteiro.

DINHEIRO ? Ter ido na contramão do Federal Reserve, que no dia anterior havia anunciado corte de meio ponto nos juros, teria sido mais um fator a abalar os mercados?
ERIS ?
Não diria isso. Acho, sim, que uma das razões de o BC ter achado meio ponto um sinal suficiente foi exatamente a de ir na contramão do resto do mundo.

DINHEIRO ? O meio por cento valeu um?
ERIS ?
Mais. Nessas horas, o mercado faz o serviço para você. O BC não controla as taxas de juros de longo prazo. Os tais 2,5% do Paulo Leme realmente aconteceram, mas não no curto prazo e, sim, no swap de um ano.

DINHEIRO ? O diretor de Política Monetária, Luís Fernando Figueiredo, disse que o mercado é que não entendeu o BC.
ERIS ?
Eu li as declarações de Figueiredo e acho que, se o mercado não entendeu, é porque tem algo errado no que o BC fez. Todo ato do Banco Central que exija grandes explicações é, por definição, um erro. O mercado tinha razão de levar um susto.

DINHEIRO ? Armínio Fraga, até aumentar os juros, era quase uma uma unanimidade. Não houve destempero na discussão?
ERIS ?
As perdas com essas mexidas abruptas são muito grandes, e quando você tem perdas a tendência é ser mais excitado. Realmente, o mercado tinha uma imagem de um BC quase infalível, com uma performance acima de qualquer suspeita. Foi até bom que isso se alterou um pouco. Nenhum BC é infalível. Até aqui, Armínio tem cometido poucos erros. Mais grave que esse aumento de juros, que pouca gente notou, foi a redução dos depósitos compulsórios ao longo de 2000.

DINHEIRO ? Por que o sr. desaprova a redução?
ERIS ?
Sim. Eu jamais começaria a brincadeira com redução dos depósitos compulsórios. Primeiro levaria a taxa de juros até o limite onde pudesse baixar e depois, se quisesse dar mais liquidez ao sistema ou baixar mais os juros na ponta do empréstimo, aí sim reduziria os depósitos compulsórios. Eu menciono isso até para qualificar um pouco mais a discussão. Não é que o BC tenha feito tudo certo até agora. O certo é: nem ele foi tão perfeito antes, nem o erro de agora é algo inimaginável.

DINHEIRO ? Qual o resultado da redução dos depósitos compulsórios?
ERIS ?
É ridículo um país como o Brasil ter a necessidade de uma taxa de juros de 15%. Esse é o resultado. Essa taxa tem de ser menor, é impraticável com uma inflação entre 4% e 6%.

DINHEIRO ? O que pode acontecer a partir de agora? Revisão nas taxas de inflação e de crescimento do PIB?
ERIS ?
A grande vítima do que o BC fez foi a credibilidade do próprio BC. Voltando a agir consistentemente como vinha fazendo, vai se recuperar. Agora, dizer que as coisas mudaram por causa de meio por cento é atribuir uma importância a esse fato que ele não tem e não terá. O que mudou desde o final do passado foram as condições externas e seus reflexos na economia brasileira. O BC subestimou, e muito, a gravidade dos problemas externos e também subestimou e, suspeito, muito, a vulnerabilidade da economia brasileira em relação a esses acontecimentos. Me lembro, até mesmo, de Armínio ter dito que uma desaceleração nos Estados Unidos seria bom para o Brasil. Até essas frases foram soltas. Há, ainda, a Argentina.

DINHEIRO ? A quanto o dólar pode chegar?
ERIS ?
Não estou dizendo que o dólar vá a R$ 2,50. O que acontece é que, mesmo sem o componente especulativo, o câmbio hoje ainda estaria com tendência de alta, não necessariamente nesses números que estão aí, em volta de R$ 2,15, mas pelos fatores estruturais de transformação no nosso balanço de pagamentos.

DINHEIRO ? Com quais outros números o sr. trabalha?
ERIS ?
Acho que dá para segurar a inflação abaixo de 6%, mas certamente vai ficar acima de 4%. Acho que o PIB, este ano, terá um comportamento desigual ao longo dos meses. Nesse início de ano, as taxas têm sido extremamente elevadas e quem pensa num crescimento levemente abaixo de 4% não está muito longe da realidade.

DINHEIRO ? O ministro Pedro Malan disse que os fundamentos da economia brasileira estão sólidos, o sr. concorda?
ERIS ?
Sim. Nós temos uma política cambial que é sustentável ao longo do tempo, não é como na época do Gustavo Franco, que não era sustentável. Naquele tempo sabíamos que, um dia, teríamos de mudar o regime. O atual não precisa ser mudado. Temos, também, uma política fiscal no caminho certo, coroada com uma peça que é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A política monetária também é consistente. Eu não sou grande fã de metas inflacionárias, mas tenho de admitir que elas foram úteis nesse período e servem como âncora para o BC. Obviamente, não dá para dizer que o Brasil não tenha vulnerabilidades. A maior delas é o balanço de pagamento? É.

DINHEIRO ? A questão dos gastos públicos está resolvida?
ERIS ?
Não. O Brasil conseguiu equilibrar minimamente as suas contas fiscais muito mais por meio de aumento de impostos do que diminuição de gastos. Mesmo nos gastos, não houve nenhuma tentativa substancial de fazer um deslocamento de menos produtivos para mais produtivos. Temos de gastar mais em educação, saúde e infra-estrutura e menos em gastos correntes.

DINHEIRO ? Existe uma crise política e ela tem reflexos na economia?
ERIS ?
Dizer que não temos uma crise política é fora de propósito. Um País que tem suas principais lideranças trocando acusações não vive num estado normal de coisas. Se esse quadro político influenciou substancialmente a economia, não sei. Já passamos tantas perturbações que é muito difícil separar o impacto de cada uma delas sobre a economia.

DINHEIRO ? Como o sr. se sentia operando as taxas de juros em sua gestão na presidência do BC?
ERIS ?
Fazendo um trabalho muito difícil. Essas reuniões de definição dão pouca margem para improviso, mas não é impossível que, num momento complicado, se cometa um erro. Nos Estados Unidos, saber se (Alan) Greenspan está indo longe demais na redução dos juros é muito difícil julgar. Economia não é uma ciência exata, tem um componente de arte que é muito importante. O que faz um presidente de BC ser bom é combinar bem a eficiência da ciência com a sutileza da arte.

DINHEIRO ? O sr. se sentia o tempo todo vigiado?
ERIS ?
Claro. Ganha-se e perde-se dinheiro com um gesto do presidente do BC. É por isso que nós temos de simpatizar com Armínio. A cadeira dele é muito dura para sentar.

DINHEIRO ? Por mudanças abruptas de mercado, o sr. perdeu muito dinheiro quando era dono da distribuidora Linear. Como foi?
ERIS ?
Naturalmente eu sofri muito, mas sei que ganhar e perder faz parte do mercado. Se eu perdi, e perdi, foi porque errei. Não tive capacidade de analisar devidamente o timing dos eventos na Ásia, uma questão de horas. Eu estava vendo a ameaça, diminuindo as minhas posições, mas não consegui vendê-las na hora certa.

DINHEIRO ? O sr. já conseguiu ganhar tudo o que perdeu.
ERIS ?
Não, não, não. Ali eu perdi e ponto.

DINHEIRO ? Quanto o sr. perdeu?
ERIS ?
Esquece. Isso é pessoal. Mas eu estou bem, obrigado.