As corretoras precisam estabelecer controles e evitar os abusos da confiança dos clientes, diz CVM

Certas definições do mercado financeiro são uma espécie de contradição de termos. Seguro de vida, por exemplo, deveria se chamar seguro de morte, já que o risco a ser protegido é o de passar desta para melhor. Outro exemplo é a profissão de agente autônomo de investimento. Apesar do nome, os agentes autônomos não têm autonomia nenhuma para tomar decisões e realizar operações com o dinheiro de seus clientes.

Esses profissionais atuam nas corretoras de valores sem vínculo empregatício e têm a simples função de repassar para as mesas de operação as ordens de compra e venda recebidas dos clientes. A cada negócio que encaminham para a instituição, ganham uma parte da taxa de corretagem. Eles são especialmente úteis em localidades distantes das sedes das corretoras, que os contratam para atrair clientes locais sem precisar abrir escritórios próprios.

“O agente autônomo não pode ser um administrador de carteira”
Joubert Rovai Ombudsman da bolsa

Tudo ia bem nessa profissão até que alguns agentes resolveram praticar a autonomia que nunca tiveram. Negociaram ações sem a autorização dos proprietários, fizeram day trade e contrataram operações de derivativos. Deram conselhos indevidos e sugeriram estratégias mirabolantes. A crise econômica mundial derrubou os mercados e os prejuízos afloraram.

O mico ficou com os investidores, que agora batem à porta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da BM&FBovespa, em busca de ressarcimento. Somente no ano passado, a bolsa recebeu 12 reclamações contra os agentes autônomos, mais que o dobro do ano anterior. Na CVM, foram 14 broncas em 2008, dez a mais do que em 2007, e seis reclamações novas até o início do mês. São poucos casos, mas significativos o bastante para acender a luz amarela na CVM. A autarquia está revendo a regulamentação dos agentes autônomos, baixada em 2001, e prepara um novo código com direitos e responsabilidades dos clientes, dos agentes e das corretoras. “Queremos criar regras úteis. Não adianta proibir e o mercado continuar fazendo o contrário”, diz Otávio Yazbek, diretor da CVM.

O grande problema a ser enfrentado é a relação de confiança entre o cliente e seu agente. Em conversas informais, há uma grande troca de informações, inclusive com a indicação de determinadas ações e a combinação de estratégias de investimento. O bate-papo acaba virando ordem na mesa de operação. Outro erro é a utilização do telefone celular como meio de comunicação, muitas vezes até fora do horário de funcionamento do pregão. Sem a garantia da ordem dada pelo cliente, por escrito ou através da gravação telefônica (obrigatória nas corretoras), fica difícil atribuir responsabilidades se a operação der errado.

“A confiança é uma relação perigosa, principalmente se houver a administração ou a execução de ordens via home broker”, diz Yazbek, da CVM. “A corretora precisa estabelecer o controle e evitar que o autônomo abuse.” Quando a reclamação bate na bolsa, o ombudsman Joubert Rovai investiga o que aconteceu e faz a mediação entre as partes. Os investidores reclamam quando têm prejuízo devido a operações não autorizadas em seu nome. Os agentes não podem fazer a gestão das carteiras, mas alguns extrapolam.

“O agente autônomo pode ter um razoável ou profundo conhecimento do mercado, mas em hipótese alguma pode ser um administrador de carteira”, diz Joubert Rovai, ombudsman da BM&FBovespa. E as corretoras têm de fiscalizar sua atuação. “Quem contrata muitos agentes autônomos tem que ter boa estrutura de supervisão”, diz Rovai. Os investidores que operam diretamente no sistema Home Broker da bolsa não têm com o que se preocupar. Já os agentes têm motivos para perder o sono. O número de pessoas físicas que atuam na bolsa saiu de 116 mil para 521 mil em cinco anos. “O home broker vai acabar naturalmente com o agente autônomo”, afirma Roberto Lee, diretor da Win Trade. “Ele precisa se reinventar.”