27/02/2014 - 21:00
No comando do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde agosto de 2011, a economista amazonense Wasmália Bivar, 54 anos, vem promovendo uma revolução nos métodos de pesquisa oficiais no País. Trata-se de mudanças importantes. A partir deste ano, a variação do Produto Interno Bruto (PIB) será divulgada juntamente com dados mais específicos das empresas, entre eles os investimentos com pesquisa e desenvolvimento, o chamado P&D. Além disso, a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) deixará de existir. Em seu lugar, entrará a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que será mensal em 2015. Com isso, as informações referentes ao mercado de trabalho serão mais detalhadas em todas as regiões. À DINHEIRO, a presidente do IBGE afirma que o Instituto é alvo de pressão de governos e dos mercados, mas não sofre pressão política para alterar resultados das estatísticas. Confira a entrevista.
DINHEIRO: Por que o PIB brasileiro é trimestral? Em alguns países, há cálculos mensais. 
WASMÁLIA BIVAR: Nós estamos no padrão internacional. É trimestral mesmo nos países desenvolvidos. Não faltam recursos, não faltam pessoas. É o período no qual se conseguem detalhes das contas nacionais, que são um sistema de informação com um volume monstruoso de dados. 
 
DINHEIRO: O Banco Central divulga o IBC-Br todo mês. É uma prévia do PIB.
WASMÁLIA: O que o Banco Central faz é gerar um indicador antecedente para o PIB. É o papel dele. Quem consegue tempos muito rápidos na área estatística não recorre a dados coletados, recorre à modelagem. Coleta um número menor de dados e aplica um modelo (matemático) em cima. Isso normalmente não é feito pelos institutos de estatística ao redor do mundo. Nunca vi para o PIB.
 
DINHEIRO: Haverá mudanças na metodologia para o resultado do PIB?
WASMÁLIA: A partir deste ano, vamos incluir os valores intangíveis no cálculo, como marca e P&D (pesquisa e desenvolvimento). É uma recomendação da ONU. Os EUA divulgaram no fim de 2013 os primeiros resultados de acordo com esse novo manual. A Europa deve divulgar em setembro e o Brasil no próximo ano. Não estamos tão defasados. Agora, P&D entra como investimento no PIB. Antes, era contabilizado como custo. 
 
DINHEIRO: Vai ter um impacto grande nos investimentos?
WASMÁLIA: Vai aumentar, sim. Mas quanto? Podemos usar um dado do Ministério de Ciência e Tecnologia: algo em torno de 1% a 1,5% do PIB é investido nessa área. Mas este é um indicador do Ministério, não das Contas Nacionais. Porém, já dá para ter uma ideia. 
 
DINHEIRO: Há críticas de que o PIB não inclui o setor de serviços, que é o maior da economia brasileira. Como a sra. enxerga isso?
WASMÁLIA: A pesquisa anual de serviço é muito grande e dá conta de todos os segmentos, desde telecomunicações até serviços pessoais, como hospedagem e cabeleireiro. Para cobrir os setores produtivos, o IBGE acompanha algo em torno de 400 mil empresas que representam os segmentos. São quase 100 mil de serviços. Por um tempo, parte desses serviços não tinha acompanhamento. Em telecomunicações, usávamos os dados da Anatel. De aviação, os da Anac. Para saúde, os do SUS (Sistema Único de Saúde) e os da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Não tínhamos uma pesquisa que acompanhava esses indicadores sistematicamente, mas, para a maioria, temos informação direta do setor. Nesse processo, podia acontecer um resultado subestimado. Mas isso foi corrigido. Vamos ver no fim do ano.
 
DINHEIRO: São esses dados subestimados que geram correções nos resultados do PIB, como acontece a cada dois anos?
WASMÁLIA: O IBGE tenta criar maneiras de monitorar as estatísticas. As Contas Nacionais têm defasagem de dois anos, mas apresentam dados muito robustos. E quando nós corrigimos o PIB trimestral, essa correção nunca supera meio ponto percentual. Trata-se de um parâmetro semelhante ao dos EUA. Mas há espaço para avançar. 
 
DINHEIRO: Isso motivou a mudança na Pnad, a pesquisa domiciliar?
WASMÁLIA: Sim. Essa pesquisa não se esgota. Teremos mais dados mensais, como o emprego em mais capitais e regiões, substituindo a PME. O modelo possui dois núcleos: a Pnad Contínua, que capta informações de trabalho, e a Pesquisa de Orçamentos Familiares Contínua (POF Contínua). Hoje, a cada cinco anos fazemos a POF, que levanta milhares e milhares de dados. Com eles, atualizamos as estruturas de consumo das Contas Nacionais e do IPCA [índice oficial de inflação]. Cinco anos é muito tempo. Reconhecemos isso. 
 
DINHEIRO: Quando a nova POF começará?
WASMÁLIA: A Pnad já está em transição e a próxima POF será em 2015. Mas isso vai depender de orçamento, dos recursos para a realização. Se não acontecer em 2015, vai ser em 2016. Mas o objetivo é ter essa medida anual de consumo das famílias. Vamos trabalhar outros temas, como habitação, educação e trabalho.
 
Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central
 
DINHEIRO: A lista de produtos do IPCA só é atualizada a cada cinco anos?
WASMÁLIA: Atualmente, sim. E também todos os outros índices de preços ao consumidor. É uma pesquisa de alto custo, em todo o território nacional, com observação dos domicílios durante uma semana. Por isso, todos os outros índices de inflação utilizam a POF. 
 
DINHEIRO: Na sua visão, os analistas de mercado são ansiosos demais?
WASMÁLIA: Sim, o mercado quer a informação do dia. Mas não é possível fazer estatísticas em um dia, por enquanto. Em breve, será possível. As tecnologias e o volume de informação estão mudando numa velocidade muito grande. Os próprios institutos de pesquisa estão começando a estudar o Big Data, uma tecnologia que analisa um grande volume de dados online. Dele vão surgir milhões de medidas de índices de preços. 
 
DINHEIRO: O IBGE já usa o Big Data?
WASMÁLIA: Estamos estudando.Fazemos uso dessa tecnologia principalmente com a captação de imagens de satélites, para aprimorar as pesquisas. 
 
DINHEIRO: Por que o IBGE não divulga prévias de variação do PIB?
WASMÁLIA: Não faz parte dos nossos planos trabalhar com prévias. Medidas antecipadas de uma medida como o PIB só vão fazer as revisões crescerem, o que não é ideal. Quando fazemos a correção do trimestral, não estamos corrigindo, mas revendo, pois temos medidas mais precisas. Em geociência, isso também acontece. Há um ano, corrigimos a altura do Pico da Bandeira. E também já corrigimos os extremos do território brasileiro. A expressão “do Oiapoque ao Chuí” está errada. Aos poucos, vamos refinando os dados. Hoje, todos querem informação e temos que atender. 
 
DINHEIRO: O IBGE sofre pressões?
WASMÁLIA: Sim, mas é pressão por informação. Todos querem sempre que os dados sejam cada vez mais detalhados. Para isso, precisamos de mais e mais amostras. Seja na área econômica, seja na social. As pessoas não querem a média do Brasil. As regiões, as cidades, querem informação exata. A Pnad Contínua vai preencher isso. Por enquanto, as informações sobre o mercado de trabalho serão trimestrais, mas estamos trabalhando para produzir dados mensais. Alguns Estados terão informações que nunca tiveram, sobre como funciona seu mercado de trabalho, a renda, a jornada e as ocupações. 
 
DINHEIRO: É verdade que o governo só fica sabendo do resultado do PIB duas horas antes da divulgação?
WASMÁLIA: Todas as pesquisas conjunturais, que incluem o PIB, sim. As estruturais, como a do Censo, são reveladas 48 horas antes. É a condição básica para a existência de um instituto oficial de estatística. São garantias de que nossos números retratam a realidade. 
 
Mirian Belchior, ministra do Planejamento, a quem o IBGE está subordinado
 
DINHEIRO: No ano passado, a presidenta Dilma Rousseff errou o índice de crescimento do PIB do último trimestre. A falta de informação dela certifica que há realmente independência do IBGE? Há forte intervenção dos governos em institutos similares, como acontece na Argentina.
WASMÁLIA: É muito delicado comentar sobre outros países. No Brasil, isso não acontece. As críticas são públicas e vêm tanto do governo quanto da oposição. E não podemos nos pautar por isso. Tem gente que vai gostar ou não do número. Não importa. O número é aquele, é oficial. Temos conseguido reconhecimento da nossa qualidade pela comunidade internacional. Os institutos são solitários dentro de cada país. Mas o IBGE é muito procurado para organizar seminários pela ONU na América do Sul para outros institutos. O Brasil tem experiência e qualidade. 
 
DINHEIRO: Em 2012, o IPCA fechou em 6,5%, exatamente o teto da meta do governo. Esse resultado gerou desconfiança… 
WASMÁLIA: Quando os técnicos da área me mandaram esse resultado de 6,5%, pensei: não podia ter outro número, não? Mas era isso mesmo. Foi 6,5%.
 
DINHEIRO: Não há pressão política sobre os resultados?
WASMÁLIA: Para mudar número, não. A gente sofre para atualizar a pesquisa das Contas Nacionais. É pressão dos mercados, do governo, de todo mundo, para que seja feito mais rápido. Estou fazendo o que posso com os recursos que temos. Mas pressão sobre os números das pesquisas, não. O IBGE é respeitado. Até porque, quando houve tentativas de mudança nos institutos oficiais de estatísticas de outros países, isso veio à tona. O número não é fechado numa mesa, mas por uma equipe técnica. 
 
DINHEIRO: O ex-presidente do BC Chico Lopes afirmou que os números no Brasil são incorretos e que a metodologia do IBGE precisa ser melhorada. 
WASMÁLIA: São argumentos vazios. Quando ouvimos críticas que não são apenas críticas, como forma de querer ganhar a discussão no grito, não temos que responder. O Chico Lopes disse que, se fossem colocados dez doutores no IBGE, o PIB cresceria. O IBGE tem 232 doutores. Se o governo quisesse nos dar mais dez, a gente aceitaria. Muitos pesquisadores e acadêmicos nos procuram e perguntam como é isso ou aquilo, discutem o que está sendo feito. Mas alguns não nos procuram e, quando querem popularidade instantânea, falam mal do IBGE. As críticas verdadeiras são bem-vindas.