24/07/2025 - 17:37
Amplamente usados pela indústria, os PFAS são prejudiciais à saúde e contaminam nosso solo, nossa água e nossa comida.A pacata cidade italiana de Trissino fica aos pés dos Alpes, cercada por campos e colinas verdejantes, com pequenas indústrias em sua periferia.
Embora, à primeira vista, nada ali sugira que quantidades gigantescas de água potável e solo estão contaminadas com substâncias químicas extremamente tóxicas, foi exatamente isso que um tribunal em Roma concluiu recentemente.
O processo, iniciado em 2021, terminou com a condenação à prisão de 11 réus ligados ao grupo japonês Mitsubishi e à luxemburguesa Chemical Investors, entre outros.
Organizações não governamentais estimam que a contaminação pode afetar cerca de 350 mil pessoas na região do Vêneto, no norte da Itália.
O que são as “substâncias químicas eternas”?
Conhecidas como PFAS, as substâncias perfluoroalquiladas e polifluoroalquiladas são extremamente persistentes e não se decompõem. Uma vez liberadas no meio ambiente, esses compostos químicos permanecem ali “para sempre”.
Cientistas já estabeleceram uma relação entre os PFAS e danos ao fígado e aos rins, aumento dos níveis de colesterol, doenças nos gânglios linfáticos e redução da fertilidade em homens e mulheres. Em altas concentrações, eles também provocam baixo peso ao nascer, podem reduzir a eficácia de vacinas e causar câncer, segundo a Agência Federal do Meio Ambiente da Alemanha.
Essas substâncias são consideradas um problema global e podem ser detectadas praticamente em qualquer lugar.
Em 2018, cientistas da Universidade de Harvard descobriram que 98% dos cidadãos dos EUA têm PFAS no sangue. Estudos sobre leite materno em países como Índia, Indonésia e Filipinas detectaram essas substâncias em quase todas as amostras. Na Alemanha, elas estão nos organismos de todas as crianças – e uma em cada cinco delas exibe níveis que ultrapassam os limites críticos.
Da bomba atômica ao prato
Os PFAS foram descobertos em 1938 pela gigante química americana DuPont. Por suas propriedades especiais de proteger metais contra corrosão mesmo em altas temperaturas, as substâncias foram inicialmente usadas no desenvolvimento da bomba atômica.
Mais tarde, os PFAS acabaram indo parar nos lares de cidadãos comuns como o Teflon, um revestimento de panelas antiaderentes. Isso marcou o início do uso comercial das substâncias, que se estenderam a diversos produtos.
Graças à sua resistência única ao calor, à umidade e à sujeira, os PFAS são usados em uma série de produtos industriais e acessíveis ao consumidor comum: de roupas à prova d’água, maquiagem, tapetes e embalagens de alimentos até aparelhos médicos, semicondutores e turbinas eólicas.
Essas substâncias acabam indo parar no nosso organismo através da água que bebemos e da comida que ingerimos, e vão se acumulando com o passar do tempo. Além de serem detectáveis no leite materno e no sangue, eles também podem ser encontrados no cabelo.
Problema foi ocultado por décadas
Em 1998, o Teflon sofreu um arranhão sério em sua imagem após a morte súbita de cem vacas numa fazenda próxima a uma fábrica da substância na cidade de Parkersburg, no estado americano da Virgínia Ocidental.
Posteriormente, descobriu-se que milhares de pessoas na região haviam sido contaminadas pelo vazamento de um aterro e por águas residuais da fábrica da DuPont que continham PFAS.
Estudos sugerem que altos níveis de PFOA – um tipo específico de PFAS – na região estão ligados a casos de câncer nos rins e nos testículos.
Documentos mostram que a DuPont, ao contrário das autoridades governamentais, sabia há décadas do perigo, mas continuou despejando a substância no meio ambiente.
Em 2017, a DuPont e a empresa Chemours, que foi desmembrada da primeira, concordaram em pagar uma indenização de 671 milhões de dólares (R$ 3,7 bilhões) a 3.550 pessoas afetadas.
União Europeia quer banir PFAS
Os PFAS continuam sendo liberados no meio ambiente. A organização ambiental americana EWG calcula, com base em medições da Agência de Proteção Ambiental dos EUA e outras fontes, que quase 10 mil locais no país estão contaminados com essas substâncias, o que pode afetar cerca de 160 milhões de pessoas.
Na Europa, sabe-se da contaminação em pelo menos 23 mil locais – destes, 2,3 mil apresentam níveis tão altos que põem em risco a saúde humana, segundo a Agência Europeia do Meio Ambiente.
Na Alsácia, França, as autoridades atualmente recomendam que a população evite beber água da torneira, após análises revelarem níveis elevados de 20 “substâncias químicas eternas”.
E em Dalton, no estado americano da Geórgia, corre um processo judicial contra um fabricante de carpetes, a Chemours e a empresa química 3M. Moradores ali temem ter adoecido devido à contaminação por PFAS.
Durante o governo do ex-presidente Joe Biden, os EUA estabeleceram pela primeira vez limites legais obrigatórios para seis substâncias PFAS na água potável. Quatro deles, porém, foram revogados pelo governo de seu sucessor, Donald Trump.
Em 2023, o grupo 3M concordou em pagar cerca de 10 bilhões de dólares (R$ 55,2 bilhões) a fornecedores locais de água para encerrar processos judiciais – os que tramitam e os que ainda poderiam ser abertos no futuro – relacionados à poluição por PFAS. A 3M também enfrenta processos por contaminação na Holanda, onde também atua.
A União Europeia aprovou recentemente uma legislação para reduzir o uso dessas substâncias. A longo prazo, o plano é bani-las, com exceções apenas para produtos cujo uso seja considerado “essencial para a sociedade” – caso, por exemplo, de materiais médicos como stents para vasos sanguíneos ou próteses articulares.