Na primeira semana de 2009, a montadora francesa Renault demitiu mil trabalhadores de sua fábrica em São José dos Pinhais, no Paraná, para reduzir em aproximadamente 30% o custo da folha de pagamento. A decisão, tomada no susto em meio à crise financeira global, logo se mostrou equivocada. Poucas semanas depois, a empresa chamou de volta 700 metalúrgicos – e, antes de abril, já havia recrutado funcionários para todas as vagas que foram extintas. “Se soubéssemos que o setor automobilístico ia reagir tão rápido, as dispensas seriam evitadas”, revelou à DINHEIRO o vice-presidente da companhia no Brasil, Alain Tissier. O erro não foi uma exclusividade da Renault. A General Motors, na mesma época, dispensou 800 metalúrgicos. A Honda, em Piracicaba (SP), cortou outros 400. A Fiat chegou a preparar um listão de corte de funcionários em Betim (MG), mas o documento logo virou uma bola de papel no lixo da sala do presidente, Cledorvino Belini. O sombrio cenário externo, que prenunciava a pior crise do século, motivou as decisões que hoje, se sabe, foram precipitadas. Naquele ano, o governo empregou uma política anticíclica, que incluiu isenções de IPI para diversos setores, incluindo o automobilístico, para estimular o consumo diante de um quadro de paralisia. 

128.jpg
Linha de montagem da Toyota: junto com todas as montadoras do ABC paulista,
a empresa fecha acordo salarial válido por dois anos para reajustes e abonos

O mercado reagiu aos incentivos, o brasileiro foi às compras e muitas empresas perderam em competitividade por terem cortado na carne. Os erros, em todo caso, trouxeram uma experiência importante que os empresários pretendem aplicar agora, diante de um potencial repeteco da crise passada: retenção de equipes para aproveitar o mercado interno aquecido. Na segunda-feira 29, os mesmos personagens que viveram o drama do desemprego em 2009 – a Renault e seus trabalhadores – protagonizaram o maior acordo salarial da história do País. Todos os 5,7 mil metalúrgicos da empresa receberão um aumento real de até 20,19% e R$ 61,5 mil referentes à Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) e abono salarial. E o mais impressionante: o acordo vale por dois anos, numa demonstração de confiança da montadora com o ciclo virtuoso da economia. “O objetivo deste acordo é trazer tranquilidade e confiança aos colaboradores para que todos tenham perspectivas claras para os próximos anos”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, Sérgio Butka. “A melhor etapa das montadoras também precisa ser a melhor fase para o trabalhador.”

 

129.jpg

Frederico Curado, da Embraer: as demissões na crise foram necessárias. Agora, é preciso contratar

 

A histórica conquista dos trabalhadores de Curitiba (PR)contaminou positivamente outras negociações salariais da categoria que estavam em andamento. Na quarta-feira 31, as montadoras do ABC paulista também aceitaram fechar um acordo de dois anos para os 35,9 mil trabalhadores da região. As indústrias se comprometem, faça chuva ou faça sol, a conceder aumento real de 5% em 2011 e 2012, junto com um abono salarial de R$ 2,5 mil. “O pacote de benesses é bom para os empregados, e excelente às empresas”, diz Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CMN). “Afinal, os executivos estarão tranquilos, sabendo que não haverá prejuízos com greves.” A decisão da Renault e das montadoras do ABC paulista de firmar um acordo salarial por dois anos sinaliza, de fato, que empresas não enxergam no horizonte a possibilidade de uma reviravolta da economia no curto prazo. E mais: precisam lidar com um mercado de trabalho competitivo, com o desemprego em 6%, uma das mais baixas da história. “Em construção civil, há empresários reclamando que seus concorrentes param com caminhões na frente das suas obras oferecendo um salário mais alto para atrair trabalhadores”, diz Caroline Marcon, gerente de pesquisas da consultoria Hay Group. 

 

Trata-se de um cenário impensável em 2009. Naquele ano, a mineradora Vale, por exemplo, também se deixou contagiar pelo pessimismo mundial. A empresa chegou a demitir 1,6 mil funcionários entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, em decorrência da queda nas exportações no período, quando o comércio de minério de ferro despencou 32,9% entre outubro e novembro de 2008.  Só não calculava que a recuperação viria meses depois. Hoje, a mineradora vive situação completamente oposta. A empresa está garimpando, à exaustão, profissionais no mercado de trabalho. De janeiro a junho, foram recrutados 4,2 mil profissionais, no mais intenso ciclo de contratações desde 1997, quando deixou de ser estatal. Prova disso é que, na última semana, a companhia encerraria o processo seletivo de 380 engenheiros para atuar em todo o País. O fim da seleção foi adiado, por tempo indeterminado, por um simples fato: ausência de candidatos. Até a sexta-feira 1º, a companhia continuava com 230 vagas em aberto. A Vale, com 98 mil funcionários no Brasil, pretende contratar mais 10 mil até dezembro.

 

130.jpg

Alain Tissier, da Renault: a montadora dispensou mil funcionários, mas voltou atrás logo depois

 

Outra empresa que cruzou períodos de turbulência por demissões precipitadas é a Embraer. Hoje a companhia voa em condições bem mais tranquilas. Ou melhor, quase tranquilas. Em vez de demissões, que atingiram 4,2 mil funcionários em 2009, o equivalente a um terço dos trabalhadores, a preocupação hoje é reter seus talentos e continuar atraindo “mentes brilhantes”. Desde 2009, o número de empregados saltou de 12 mil para os atuais 17,2 mil. “Se fizemos as demissões foi porque era absolutamente necessário”, disse à DINHEIRO o presidente da Embraer, Frederico Curado, ao justificar o corte. Hoje se sabe, pela mesma lógica citada pelo executivo, que as contratações são também motivadas pela absoluta necessidade das empresas de administrar um mercado de trabalho aquecido.

 

131.jpg

 

 

Colaborou Carla Jimenez