24/02/2005 - 7:00
Diga-se, em benefício do governo, que nem todos os seus integrantes aceitam a lógica financista da equipe econômica. Na semana passada, por exemplo, explodiu a céu aberto uma divergência frontal entre o grupo preocupado com crescimento e emprego ? no qual pontifica o ministro Luiz Furlan, do Desenvolvimento ? e os técnicos neoliberais que se agrupam em torno do Ministério da Fazenda e do Banco Central, obcecados com a meta de inflação. O motivo da trombada foi a declaração de Joaquim Levy, secretário do Tesouro, de que a TJLP, a taxa de empréstimo usada pelo BNDES, deveria subir acompanhando os movimentos da Selic ? para ?tornar a política monetária mais eficiente?. A TJLP está fixada em 9,75% desde abril e ancora 90% dos empréstimos do BNDES, a única fonte de recursos de longo prazo no País. O presidente do BNDES, Guido Mantega, reagiu aos pontapés contra Levy: ?Ele não tem participação na definição da TJLP, felizmente. A opinião dele não tem peso nenhum?. Furlan reforçou a pregação. ?O Brasil precisa desesperadamente de investimento?, constatou o ministro. ?Não podemos matar a nossa única fonte de financiamento de longo prazo.? Depois de ganhar os jornais e transbordar para o meio empresarial, a briga tragou o ministro Ricardo Berzoini, do Trabalho. ?A TJLP não deve guardar correlação com a Selic. Deve ser balizada pelas necessidades de financiamento do País?, disse ele.
Há por trás disso uma questão de princípio e uma disputa de poder. Os liberais da Fazenda e do BC acham correto transferir renda a banqueiros e rentistas adotando a taxa de juro mais alta do mundo ? que na última quarta-feira subiu pela sexta vez consecutiva, em meio ponto percentual, atingindo 18,75% ?, mas tremem de indignação com a idéia de financiar projetos empresariais com juros subsidiados. É claro que esses projetos fabris e de infra-estrutura podem elevar a produção brasileira e ajudar a afastar o fantasma da inflação de demanda, mas os liberais não vêem assim. Para eles, os R$ 60 bilhões que o BNDES planeja investir este ano são apenas um trem na contramão. O BC tenta esfriar a economia brasileira para contê-la no manequim estreito da meta de inflação de 5,1%, enquanto o BNDES, com seus empréstimos, ajuda a aquecê-la, financiando emprego e renda. Os liberais gostariam de ficar sozinhos no leme e trabalham por isso, pregando. ?Por trás do Levy existe mais ideologia do que ciência?, diz o deputado Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda. O secretário do Tesouro é doutorado pela Universidade de Chicago e tem sete anos no Fundo Monetário Internacional. Com base nessa formação ortodoxa, diz que a TJLP ?distorce a política monetária? forçando o BC a ser ainda mais duro no combate à inflação — esquecendo-se de que a taxa de juro brasileira é aberrante e que, ainda assim, temos a maior inflação entre os emergentes, algo inexplicável pelos livros-textos. Como no Brasil o manual de economia não funciona, é bom que Levy não tenha poder para impô-lo goela abaixo do País.