31/07/2002 - 7:00
Quando o vôo 919 da American Airlines tocou a pista do Aeroporto do Galeão, pouco depois das seis horas da segunda-feira 22, o script elaborado para a visita de Anne Krueger ao Brasil havia sido meticulosamente traçado. A economista, segunda na linha de comando do Fundo Monetário Internacional, passaria a semana entre Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, desdobrando-se em reuniões com representantes do governo, empresários, executivos de finanças e acadêmicos ? e, para a catarse do mercado, ainda anunciaria apoio financeiro ao País. Colocaria medo nos especuladores, a taxa de câmbio recuaria, as bolsas reagiriam e… bem, não deu certo. Na quinta-feira 25, o dólar bateu R$ 3,00, a maior cotação desde o início do Plano Real. A Bolsa de Valores de São Paulo, que registrou uma sangria de R$ 288,6 milhões nos primeiros 20 dias de julho, continuou em queda livre. E mais: o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, num arroubo de sinceridade, disse que o País vai muito mal. ?O Brasil está na defensiva, quer fugir da UTI. Precisamos partir para o ataque?, resumiu Fraga, na quarta 24. Um novo acordo com o FMI, segundo Armínio, não é mais uma questão para o próximo governo. O Brasil precisa de dinheiro para ontem, numa visão confirmada pelo mercado financeiro. ?Sem mudanças urgentes, haverá moratória?, diagnosticou o economista-chefe do Bearn Sterns, David Malpass, numa teleconferência realizada na quarta 24.
Enquanto o mercado financeiro derretia, Anne Krueger mantinha o eterno discurso do FMI. O Brasil terá apoio desde que ? é claro! ? o próximo ocupante do Planalto siga direitinho a cartilha do ministro da Fazenda, Pedro Malan. ?O FMI apóia incondicionalmente a política econômica e está prestes a discutir qualquer programa de contingência que for necessário?, afirmou a economista, na terça-feira 23. Mas o mercado queria mais do que palavras ao vento. ?Havia a esperança de que a chegada de Krueger representasse uma liberação de dinheiro rápida, o que não aconteceu?, observou o diretor da mesa de câmbio de um banco estrangeiro. ?Estamos apavorados.?
Krueger, que chegou ao País na segunda, e ainda teve tempo para um rápido passeio no calçadão de Ipanema, sendo reconhecida apenas por turistas argentinos, não trazia dólares na bagagem. À tarde, na primeira reunião com Armínio Fraga, em que levou a tiracolo Rogério Zandamela, representante
do FMI no Brasil, ela disse que queria apenas ouvir. Recebeu o aviso de que a meta de inflação, cujo teto é de 5,5% em 2002, será descumprida pelo segundo ano consecutivo. Depois, duas preocupações especiais foram trazidas à tona pela economista: a credibilidade do regime de metas inflacionárias e
a necessidade de que o setor público economize mais do que
3,75% do Produto Interno Bruto, algo próximo a R$ 48 bilhões.
Fraga rebateu a idéia de um arrocho fiscal ainda maior. ?Estou convencido de que um superávit de 3,75% é mais do que suficiente para resolver o problema e estabilizar a dívida interna?, disse o presidente do BC.
Depois de oferecer um jantar para a missão do FMI em sua casa no Rio e voar com o grupo para Brasília, Fraga pareceu ter convencido Anne Krueger. De acordo com relatos de pessoas que participaram dos encontros na capital federal, ela mostrou-se bem mais à vontade na terça-feira 23. Bem-humorada, esteve nos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, além de um beija-mãos no Planalto com o presidente Fernando Henrique. Sempre acompanhada de Pedro Malan. Os assuntos giraram em torno da dívida brasileira, do ajuste fiscal e do balanço de pagamentos. Krueger torceu o nariz para os números das exportações, considerando muito baixa a relação entre as vendas externas e o PIB, um indicador muito usado nos cálculos de risco país. ?O Brasil tem desafios, mas acreditamos, olhando para o passado, que as autoridades demonstraram compromissos em enfrentá-los com coragem.? Do lado de cá, também houve elogios. ?Ela é intelectualmente estimulante?, observou à DINHEIRO o assessor especial do Ministério do Planejamento, Joaquim Levy. ?A conversa foi proveitosa e ela sabe como o protecionismo prejudica economias que trabalharam duro para se tornarem competitivas?, arrematou o ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral, em conversa com a DINHEIRO.
Tudo muito bonito, não fosse o pânico que se abateu sobre o mercado. Dificilmente haverá tempo hábil para descobrir se o apelo feito aos candidatos para que se comprometam em público com o ?tripé? da atual política econômica ? metas inflacionárias, ajuste fiscal e câmbio flutuante ? será atendido. A rendição foi pedida por Malan, Fraga e até por Anne Krueger. ?O acordo, se sair agora, terá curto prazo. Não é justo que avance sobre outro governo?, ponderou Fraga. Conhecedor que é do ?pulso do mercado?, Fraga terá dura tarefa pela frente: costurar um pacto emergencial para garantir uma saída, enquanto os candidatos podem apenas observar como a equipe econômica tenta tirar o País de mais um abismo.
?Vamos apoiar o novo governo,
desde que tenha compromisso
com políticas consistentes?
Avice-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Anne Krueger, é conhecida por fomentar polêmicas, como a sugestão de que países em dificuldades financeiras recorram à concordata. Eis o que ela pensa sobre o Brasil:
NOVO ACORDO ? ?O FMI apóia incondicionalmente a política econômica seguida pelo atual governo e está prestes a discutir qualquer programa de contingência que for necessário. Depende do pedido das autoridades.?
MALAN/FRAGA ? ?A equipe econômica que trabalha sob a liderança do presidente FHC é muito sólida.?
ELEIÇÕES ? ?O FMI está pronto a conversar com qualquer governo que vença as eleições em outubro. Basta que siga empenhado nas questões de estabilidade macroeconômica.?
CANDIDATOS ? ?Já ouvi e li algumas citações dos candidatos, mas não tenho conhecimento sistemático sobre o pensamento de cada um. Parece existir afirmações inconsistentes.?
DÍVIDA ? ?A redução do nível da dívida brasileira parece estar ligada às incertezas políticas, especialmente porque houve afirmações feitas por alguns candidatos que puseram em questão alguns aspectos do programa macroeconômico em curso.?
ARGENTINA ? ?É óbvio que o FMI está preocupado. Há muitos inocentes sofrendo.?
CENÁRIO EXTERNO ? ?Acredito que as perspectivas de recuperação da economia dos Estados Unidos são boas. Outros países, como os da Europa e da Ásia, mostram que a economia está em processo de recuperação.?