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R$ 2 bilhões é o valor das operações do McDonald’s na América Latina

Na quinta-feira 21, um fornecedor do McDonald?s saiu da sede da empresa em Alphaville com a impressão de que nada havia mudado por ali. ?Todos continuam de queixo caído com a novidade?, dizia ele, com boa dose de ironia. Os funcionários não estavam sozinhos. Fornecedores, clientes, analistas, empresários e jornalistas também receberam boquiabertos a notícia de que a maior rede de fast-food do mundo mudaria radicalmente sua forma de atuar no mercado brasileiro. Em um futuro próximo, mas não definido, o McDonald?s deixará de comandar diretamente as operações na América Latina, Brasil incluído, e entregará a gestão a investidores independentes, de acordo com um modelo de negócios batizado de developmental licensees, utilizado em mais de 30 países. Os novos ?donos? herdarão 432 restaurantes próprios, além de outros 116 controlados por franqueados. Levarão também a Universidade do Hambúrguer e a Cidade do Alimento, um condomínio industrial onde se localizam três grandes fornecedores da marca no Brasil. Em troca, terão que pagar mensalmente aos americanos royalties entre 2% e 5% das vendas, dependendo do detalhamento do formato do negócio. ?Não tenho dúvidas de que estava no momento de a empresa mudar o modelo por aqui?, diz o consultor Marcelo Cherto, especializado em franquias. ?Mas a escolha do novo controlador fará a diferença entre o sucesso e o fracasso dessa mudança.?

A delicada tarefa está nas mãos do J.P. Morgan, o banco contratado para encontrar possíveis interessados em desembolsar cerca de R$ 2 bilhões para arrematar toda a operação latino-americana. É muito dinheiro, e por isso alguns analistas acreditam que as lojas brasileiras poderiam ser adquiridas separadamente do restante da região. Nesse caso, o valor se situaria entre R$ 1,5 bilhão e R$ 1,7 bilhão. O temor de analistas, como Cherto, é o perfil dos candidatos. ?A opção por um fundo de private equity pode se revelar um erro, pois eles se preocupam apenas com o retorno financeiro?, afirma ele. ?O McDonald?s no Brasil precisa de gente boa na operação.? As apostas indicam os mais variados tipos de investidores. Seriam candidatos em potencial, mas não necessariamente interessados no negócio. Entre eles aparece o argentino Woods Staton, sócio da rede na Argentina e supervisor das operações no Uruguai, Chile e Paraguai. Herdeiro de uma família abastada, Staton teria cacife financeiro, mas provavelmente aglutinaria outros investidores para bancar a empreitada. ?Num negócio desse porte, o ideal é dividir os riscos?, avalia um executivo do mercado. Sua vantagem reside no relacionamento de mais de 20 anos com o McDonald?s e seu conhecimento do mercado latino-americano.

No Brasil, alguns apontam para o grupo Graal. Sua origem encontra-se em postos de combustíveis, onde instalava restaurantes e lanchonetes à beira de estradas. Hoje, controla marcas consagradas no setor de alimentação, como a Choperia Pingüim, a churrascaria Barbacoa e a rede de lanchonetes América. Outro potencial candidato seria o francês Accor, o maior grupo hoteleiro do Brasil. Um de seus braços, a SSP, administra pontos de alimentação em locais de grande circulação de pessoas, como aeroportos e rodoviárias. Trata-se de uma das atividades de maior crescimento do gigante francês, mas seu eventual interesse esbarraria em acordos firmados com dois rivais do McDonald?s: o Burger King em diversas partes do mundo, e o Bob?s no mercado brasileiro. Os fundos de investimento também estão bem cotados para levar essa operação. Na semana passada, dias após o anúncio, o nome do GP Investimentos circulava com força na bolsa de apostas. Recentemente, o grupo de Jorge Paulo Leman fez uma incursão no setor de alimentação ao adquirir uma parcela do Fogo de Chão, uma das mais bem-sucedidas churrascarias do País. Nessa corrida, por fora, aparece o Banco Pátria. Suas credenciais são as participações em empresas que utilizam a franquia, a exemplo da Casa do Pão de Queijo. Nem todos esses grupos possuem ?bala? para bancar essa empreitada sozinhos. A maioria dos analistas acredita em parcerias entre os interessados para apresentar propostas.

Quando assinar o contrato com o escolhido, o McDonald?s, de certa forma, voltará às suas origens no Brasil. Até pouco mais de dez anos atrás, as operações da rede por aqui eram tocadas por dois sócios locais. Em São Paulo e no sul do País, Gregory Ryan. No restante do território brasileiro, Peter Rodenbeck. Na década de 90, a corporação comprou a participação dos dois. Foi o início de uma era de derrapadas na gestão e nos resultados. A face mais visível dos desacertos foi a guerra com um grupo de franqueados. O assunto acabou em tribunais brasileiros e internacionais. As queixas concentravam-se nas altas taxas cobradas dos parceiros. O McDonald?s alugava o ponto comercial e o sublocava para os franqueados. No auge, chegou a cobrar taxas de 24% do faturamento a título de aluguel. ?O McDonald?s se tornou uma imobiliária disfarçada de lanchonete?, afirma Cherto. O embate com os franqueados levou à queda do presidente da empresa no Brasil, Marcel Fleishman, e de outros diretores. Hoje, eles e o McDonald?s vivem às turras nos tribunais. Há ações de ambos os lados.

O nó começou a ser desatado a partir da chegada de Sérgio Alonso, o substituto de Fleischman. As desavenças terminaram, mas isso custou muito dinheiro à companhia. Somente na rodada de negociação com os últimos 19 franqueados litigantes, a soma das indenizações beirou R$ 100 milhões. Alonso contou com o apoio de Brian Unger, ex-presidente da rede em Porto Rico e conhecido internamente como um ?rain maker?, ou seja, um sujeito capaz de resolver problemas intricados. Hoje, ele trabalha em Miami, mas, segundo quem conhece a empresa, ele acompanhará cada passo da negociação para a venda e fará dobradinha com Alonso. Os acionistas também estavam incomodados com o que chamavam de ?dissonância brasileira? dentro do grupo. Depois de um período de turbulência, quando o preço das ações desabou para US$ 14, o McDonald?s entrou num período de prosperidade. Hoje, seus papéis valem US$ 38. O Brasil pouco colaborou para essa recuperação. A companhia não revela números locais, além do faturamento. A receita tem crescido continuamente. Passou de R$ 1,9 bilhão em 2004 para R$ 2,1 bilhões no ano passado. Em 2006, baterá em R$ 2,5 bilhões. E, pela primeira vez em cinco anos, fechará no azul.

Em alguns momentos, a empresa também não soube interpretar o mercado brasileiro. ?Eles subestimaram o fenômeno dos restaurantes por quilo?, recorda um especialista do setor. ?Concorrentes, para eles, eram as redes estruturadas.? Os resultados eram prejudicados, segundo seus executivos, pela alta carga tributária ? segundo a empresa, ela representa 38% do preço do Big Mac, ou seja, há mais impostos do que calorias no sanduíche. Outra queixa constante era a informalidade no setor de alimentação. Quando o Burger King desembarcou no Brasil, Alonso declarou com ironia: ?Eles não nos assustam. Nosso concorrente é a informalidade.? Brigas na Justiça, sonegação de impostos, excesso de impostos, instabilidade econômica ? o Brasil é muito complicado para os americanos. Nos EUA e na Europa, os acionistas do McDonald?s convivem com taxas de retorno do investimento de até 15% ao ano. No Brasil, nunca se sabe. Com sua developmental licensees, eles esperam colocar a marca nesse mesmo ritmo.

QUEM ESTÁ NO PÁREO
Os eventuais candidatos à compra da rede no Brasil

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Woods Staton
Empresário comanda a rede na Argentina e em outros países do continente

Grupo Graal
Atua no setor de alimentação e postos de combustíveis

Accor
Uma das barreiras seria a parceria mundial com a rival Burger KIng

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Fundo GP
Acaba de entrar no capital da rede de churrascarias Fogo de Chão

Pátria
Conhece a área de franquias, pois participa da Casa do Pão de Queijo

 
R$ 2,5 bilhões
é o faturamento estimado do McDonald?s no Brasil em 2006. Neste ano, o vermelho deve desaparecer do balanço, depois de cinco anos

Números
432 lojas próprias

116 franqueados

1,5 milhão de clientes por dia

34 mil funcionários