O Chile foi alvo de atenção, e comoção internacional, em duas ocasiões, no ano passado. Primeiro, em fevereiro, quando um devastador terremoto vitimou centenas de pessoas às vésperas da posse do atual presidente, Sebastián Piñera. Depois, com o drama de 33 trabalhadores que permaneceram soterrados numa mina no norte do país, na região de Atacama,  por quase 70 dias. Acompanhados em tempo real por um vasto aparato de comunicações em escala global, os trabalhadores aguardavam os resgate,  numa complexa operação que poderia lhes custar a vida. Na ocasião, Piñera foi tremendamente hábil em explorar a tragédia, ao empenhar-se pessoalmente no episódio, inserindo elementos que aumentaram a dramaticidade dos fatos. Além de garantir alimentação para os mineiros, ele soube tirar proveito do episódio, fornecendo-lhes câmera e microfone para relatar o que se passava lá embaixo, até o momento do resgate. Foi um reality show sem precedentes. 

Pois a mesma habilidade midiática do mandatário chileno, que distraiu o mundo por mais de dois meses, até o resgate em outubro, mostrou-se inócua para lidar com problemas reais do seu país. Se o mundo se divertia com as histórias ao redor dos neo pop stars em que se transformaram as vítimas do acidente na mina, a população chilena se irritava, perguntando-se a que teria vindo Piñera, depois de se promover exaustivamente em eventos internacionais com os ‘souvenirs’ da tragédia – como o primeiro bilhete enviado pelos 33 trabalhadores para avisar que estavam vivos.

 

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Passados menos de dez meses do acidente de San José, o recall do espetáculo acabou. Entregue ao dia a dia de seu governo, o presidente tem de enfrentar outro buraco profundo na sua gestão. Seu índice de popularidade caiu para 35%, o pior de chefe de Estado, desde o início do processo de democratização do Chile, em 1990. Detalhe: a perda acelerada do capital acumulado por Piñera, se dá a despeito dos índices econômicos robustos do país, que se recuperou rapidamente do terremoto, e hoje caminha para uma expansão de 6,2% do PIB. Os chilenos cobram, na verdade, consistência do presidente, principalmente para a educação, num país que vai bem, obrigada, mas que deseja ser mais do que o bom exemplo na América Latina. 

 

O Chile foi um balão de ensaio, nos anos 1980, para a fórmula neoliberal da famigerada Escola de Chicago. O país liderou reformas que viriam a ser imitadas, inclusive no Brasil. Em outras palavras: para sua juventude, embora o país tenha um dos melhores sistemas de ensino no continente, ainda segue na lanterna dos desenvolvidos.  E os estudantes querem mais. São eles, e não os políticos e partidos de oposição, que lideram o movimento de inconformismo atual. Eleito com quase 52% dos votos, Piñera é o primeiro representante de direita, depois de 20 anos de supremacia da coalizão de centro-esquerda  Concertación. 

 

Segundo o cientista político Alfredo Joignant, da Universidade Diego Portales, de Santiago, o país acordou para uma “inflação de expectativas”, que nem mesmo os partidos de oposição estão dando conta. Com os atores políticos batendo cabeça, a grita dos jovens chilenos é que ganha o mundo, cobrando que, de uma vez por todas, os frutos da economia sólida se transformem em investimentos sustentáveis para a obtenção de um sistema educacional de classe mundial, que resulte na melhor qualificação das futuras gerações.