11/03/2009 - 7:00
DINHEIRO – Desde que a crise estourou, em setembro, muita gente perdeu o emprego. Nesse cenário, como tem sido o movimento de procura por executivos?
LUIZ VALENTE – De lá para cá, houve uma redução de 20% no volume de vagas abertas. Em julho e agosto não sentimos, na verdade, a crise, pois a demanda por executivos persistiu e, inclusive, se concretizou. A partir de setembro, porém, a demanda começou a cair. O que nos surpreendeu foi que, no início deste ano, houve uma retomada em relação aos meses anteriores. Os setores de construção civil, o mercado imobiliário, as empresas de commodities e o setor financeiro, assim como o setor de bens duráveis recuaram fortemente nos últimos meses. Por outro lado, algumas indústrias, como a tecnologia e telecomunicações, a de farmacêutica e a de cosméticos, mantiveram a oferta e foram as principais responsáveis pelo bom resultado do início do ano.
DINHEIRO – O que as empresas têm oferecido para os novos executivos dentro dessa conjuntura de crise?
VALENTE – É óbvio que, em momentos de crise, todas as empresas tendem a endurecer na negociação salarial. Isso é totalmente relacionado à situação econômica. No passado, com um mercado demandante e em expansão, elas aumentaram a oferta de salários e de bônus. Agora é o contrário. Elas estão procurando conter a oferta de salário fixo e, principalmente, de bônus, que estão, na verdade, caindo. O principal impacto que percebo é que as empresas estão redesenhando os processos internos e as funções compatíveis com esses novos processos. Há uma leva de contratações, inclusive, motivada pela necessidade de adequar o perfil da força de trabalho da companhia a essa nova realidade. O valor do bônus, por sua vez, dependendo do setor e do mercado, chegou a cair até 30% e, em algumas empresas, ficou atrelado a exigências mais rígidas. Há, nas empresas, uma forte pressão por resultados e isso se reflete nas ofertas para novos executivos.
DINHEIRO – Então não houve corte total nos bônus?
VALENTE – Não, isso não. Eles continuam sendo oferecidos e, em alguns segmentos, inclusive, em patamares muito similares ou até iguais aos do passado. É o caso de funções relacionadas à gestão estratégica do negócio, por exemplo. Hoje, executivos nesses cargos, mais do que em qualquer outro momento, são importantes para as organizações, pois fazem a diferença na empresa, o que garante a ela vantagem competitiva. Por isso é que são valorizados em momentos como este. Essas funções também são menos penalizadas nas ofertas de bonificação do que, por exemplo, cargos de áreas mais operacionais. Há, até mesmo, casos de um pacote de benefícios mais atraente sendo oferecido para esses executivos hoje no mercado. As empresas podem cortar todo o tipo de custos, mas procuram preservar a motivação de seus executivos, pois sabem que, sem o comprometimento desses profissionais, não enfrentarão a crise com sucesso.
DINHEIRO – Qual é o perfil de profissional que as empresas têm buscado na crise?
VALENTE – Há dois aspectos que norteiam a procura das empresas, o técnico e o pessoal. No aspecto técnico, pesa a capacitação do profissional e sua visão de negócio, que tem que ser bem apurada, assim como sua visão estratégica e de mercado. Pessoas com boas noções de controladoria e finanças também são mais valorizadas, pois esse é um momento de controle de custos em todos os níveis da empresa. Todos os profissionais que puderem representar um diferencial de mercado serão mais valorizados pelas empresas. A preocupação das empresas com custos, problemas legais e carga tributária levam a uma busca mais forte por profissionais das áreas jurídica e fiscal e tributária.
DINHEIRO – E do ponto de vista pessoal, quais os atributos que contam neste momento de crise?
VALENTE – No aspecto pessoal, leva vantagem quem demonstra elevada resistência a frustrações. O profissional ideal, hoje, é aquele que tem uma atitude positiva no dia a dia. Acima de tudo, as empresas buscam uma pessoa que seja versátil, que possa ser usada em diferentes funções e áreas dentro da organização. Hoje a adaptabilidade é uma das características pessoais mais procuradas pelas companhias. Quem tem um perfil menos maleável é que sofre mais em momentos de crise como o atual.
DINHEIRO – Quais as mudanças que a crise impôs ao processo de seleção das empresas? Ele ficou mais longo, difícil?
VALENTE – A crise realmente também afeta o processo de tomada de decisão das empresas e esse impacto está relacionado a uma série de fatores. Um deles é o próprio compasso de espera do mercado brasileiro, que busca saber ainda o tamanho e a profundidade da crise. Outro fator, principalmente no caso das multinacionais, é a situação da matriz estrangeira. Uma empresa europeia ou americana, por exemplo, pode ter uma operação caminhando muito bem no Brasil – ou talvez com um pequeno impacto -, mas em dificuldade no Exterior. Isso influencia na decisão sobre contratações, pois são obrigadas a seguir orientações que vêm de fora. O processo de escolha das companhias também ficou mais rígido. Elas querem ter a certeza de que escolheram o executivo mais apto para a vaga que têm. A margem para a escolha do executivo, portanto, fica muito menor. Isso tudo porque sai na frente, nesse momento, a companhia que contrata a pessoa certa para o cargo certo.
DINHEIRO – Houve algum aumento na procura de emprego no nível executivo? E na oferta de vagas?
VALENTE – Depois de outubro, percebemos que houve um aumento muito forte no volume de currículos que recebemos. Eles vêm tanto de pessoas empregadas que se colocam à disposição para participar de processos de seleção como de profissionais realmente procurando um novo emprego. Houve um acréscimo de 25% no número de currículos que recebemos nos últimos três meses em relação à média do que recebemos em períodos semelhantes. Esse aumento, porém, não foi acompanhado de uma elevação no número de vagas. Como disse, de setembro a dezembro, houve uma retração de 20% no volume de vagas oferecidas por nossos clientes. O vetor se inverteu em relação aos anos passados. A elevação no número de currículos, entre outros motivos, se explica pelas demissões ocorridas em alguns setores nesse período.
DINHEIRO – Quais os setores que estão contratando? E os que estão demitindo?
VALENTE – Os setores imobiliário e de construção civil foram os que reduziram mais, com cortes bastante significativos na oferta de vagas. A demanda também caiu nos segmentos de mineração e siderurgia, no agribusiness como um todo e no setor financeiro. Esses são setores que reduziram em até 60% – em alguns casos – o número de vagas que tinham em aberto. Mas, em geral, houve manutenção nos setores de bens não-duráveis e de primeira necessidade. O de alimentos e bebidas é exemplo, pois manteve bom volume de contratação e suas perspectivas continuam boas.
DINHEIRO – Houve alguma mudança no tipo de cargo que tem sido procurado? Isto é, a procura tem sido maior por gerentes do que diretores, ou o inverso?
VALENTE – A proporção hoje é muito parecida com a que vinha existindo no passado. Há uma tendência no mercado hoje de buscar profissionais com mais experiência, com mais visão e conhecimento de mercado. Por consequência, são pessoas que têm mais tempo de estrada. E isso está relacionado, também, ao redesenho da gestão e das funções das empresas. As empresas estão se reajustando para se preparar para o momento de crise. Isso, porém, não significa um aumento no quadro de funcionários. Às vezes, há até o contrário, um enxugamento, mas trazendo para a corporação pessoas mais experientes.
DINHEIRO – Isso quer dizer que ficou mais difícil para o executivo jovem encontrar emprego?
VALENTE – Isso é difícil dizer. O que é verdade é que há menos vagas e isso certamente dificulta as coisas para os profissionais mais jovens. Não estamos em um momento de expansão de mercado, com oferta ampla de vagas – o que não é um cenário muito bom para profissionais jovens. Acredito que o desafio para essas pessoas hoje é identificar aquela organização e o setor em que seu perfil se encaixa melhor nesse momento econômico para aumentar suas chances de colocação. O executivo jovem tem que ser muito criterioso no momento de buscar uma posição no mercado. Ou seja, ele tem que saber em que portas vai bater nesse momento de crise.
DINHEIRO – Quem seria o executivo dos sonhos para as empresas neste momento de retração de mercado?
VALENTE – Steve Jobs. Além da liderança de equipe, ele consegue reinventar mercados que parecem decadentes, como fez com o mercado fonográfico, com o iPod. Ele é o modelo de profissional que as empresas procuram no mercado