28/05/2003 - 7:00
DINHEIRO ? As universidades acusam os centros universitários de fazerem uma competição predatória. Quem tem razão?
RONALD LEVINSOHN ? Essa briga só existe em razão de um artigo da Constituição brasileira que é irreal e estabelece que o ensino não pode estar dissociado da pesquisa. É o mesmo que dizer que submarino voa. No mundo inteiro, só faz pesquisa quem tem dinheiro. Pois bem: quando o professor Paulo Renato de Souza chegou ao Ministério da Educação, no governo Fernando Henrique, ele quis que o Brasil desse um salto de qualidade. Sua meta era ampliar a oferta de vagas. Por isso, muitas faculdades tornaram-se centros universitários e passaram a ter autonomia para abrir e fechar novos cursos. Foi só por isso que teve início um grande movimento de disseminação do ensino superior no Brasil.
DINHEIRO ? E o que aconteceu no mercado?
LEVINSOHN ? Eu comecei a mexer com educação ainda nos anos 70, em projetos voltados para a elite. Depois percebi que o Brasil precisa de ensino de baixo custo para aqueles que estão segregados da sociedade e que só podem pagar 80 ou 100 dólares. Então, há quatro anos, nós, que éramos uma faculdade, conseguimos nos tornar centro universitário. Hoje, as mensalidades dos nossos cursos são, em média, de 320 reais. Muitas universidades paulistas, que cobravam entre 800 reais e 900 reais, não ficaram nada satisfeitas.
DINHEIRO ? As universidades dizem que vocês oferecem
cursos de baixa qualidade e ainda têm a vantagem de não
serem obrigados a pesquisar.
LEVINSOHN ? Quanto à qualidade, os alunos dos centros tiram notas melhores no Provão do que os das universidades particulares. Nosso curso de processamento de dados foi avaliado como o segundo melhor do País. E quanto à pesquisa, o Brasil até tem muito bons cientistas. Mas o que se faz nas instituições privadas é um simulacro de pesquisa, uma brincadeirinha. Além do que, com uma simples carta para o Ministério da Educação, uma universidade pode pedir para se tornar um centro universitário. Seria o caminho natural. Só não fazem isso por uma vaidade tola.
DINHEIRO ? Como funciona essa questão em outros países?
LEVINSOHN ? Nos Estados Unidos, o modelo é liberal. Todos podem abrir cursos e o mercado regula e seleciona os melhores. Em 1970, a Coréia do Sul era um país atrasado. Hoje, tem 7% da população nas universidades. O Brasil tem pouco mais de 1%. O Brasil precisa democratizar o acesso ao ensino superior, de forma prática. E, na minha visão, qualidade é poder transmitir informações úteis para os mais diferentes níveis de capacidade. Como você quer que eu passe os ensinamentos de Isaac Newton a alguém que sempre estudou na escola pública e veio da periferia? O Brasil precisa de um ensino só para a elite? Claro que não. E, porque estão incomodadas, as universidades privadas vêm com essa de dar dinheiro para um, dar dinheiro para outro.
DINHEIRO ? Há um lobby muito forte?
LEVINSOHN ? Meu deus do céu. Uma coisa de louco.
DINHEIRO ? Orquestrado por quem?
LEVINSOHN ? Eu diria que pelo professor João Carlos Di Genio, do grupo Objetivo e da Unip, e pelo Heitor Pinto Filho, da Uniban.
DINHEIRO ? Qual é a posição do governo Lula ou do ministro Cristovam Buarque?
LEVINSOHN ? Não tenho a menor idéia.
DINHEIRO ? O que acontecerá se os centros universitários
perderem a autonomia?
LEVINSOHN ? Pediremos uma medida liminar no dia seguinte e temos certeza de que seremos atendidos. Ninguém vai deixar o Brasil ser transformado num país africano, onde vale a lei do soba.
DINHEIRO ? Numa entrevista recente, o professor Di Genio
o acusou de ter quebrado a poupança Delfin…
LEVINSOHN ? Ih, meu Deus do céu! Vinte anos atrás, ele era cafetão. Ele arranjava mulheres para congressistas e pessoas importantes em Brasília. Ele tinha um circo para festas na casa dele. Chamava mulheres, tinha um plantel. Então, vem agora querer tirar carta de honesto comigo? Eu devo honestidade a quem me julgou. Eu já fui julgado, absolvido, arquivado. Fui vítima de uma conspiração que um dia será devidamente esclarecida. Nunca quis briga com o professor Di Genio, mas Deus não me deu a virtude do medo.
DINHEIRO ? Isso o prejudica?
LEVINSOHN ? Muito. Porque a gente deveria deixar os primitivos na sua primitividade. Nosso primeiro problema começou quando eu ainda tinha o Colégio Cidade. No afã de ganhar mercado o grupo Objetivo começou a expandir suas atividades e trabalhar suas apostilas com pouca revisão. Eles me mandaram uma apostila em que China estava escrito com ?s? e colocado no mapa em cima da Índia. Eu vivi a minha vida inteira o defendendo, porque ele é muito atacado e desperta muito ciúme. Mas o problema do Di Genio é querer matar a concorrência a pauladas e ganhar no tapetão como ele sempre fez.
DINHEIRO ? Qual é o objetivo dessa suposta articulação?
LEVINSOHN ? No último mês do governo Fernando Henrique, aprovaram-se mais de 400 pedidos de instalação de faculdades e, pelo que se diz, 30% ou 40% foram requeridos por laranjas ou parentes de pessoas que trabalham com o professor Di Genio. Ele fez uma fortuna piramidal prestando serviços de educação. Não há mal nisso. O que eu acho errado é ele querer destruir os outros.
DINHEIRO ? Onde o sr. tem provas
do que diz?
LEVINSOHN ? Por que não sair atrás? Vamos chamar os detetives da Kroll e descobrir quem são esses caras.
DINHEIRO ? Como foi resolvida a questão
da Delfin?
LEVINSOHN ? A empresa fechou com a alegação falsa de que havia patrimônio negativo. No dia em que foi liquidada, o patrimônio era positivo em US$ 200 milhões. E todos os depositantes receberam o dinheiro. Tenho uma dádiva de Deus de ter sobrevivido ao regime militar e ao coronel Mário Andreazza.
DINHEIRO ? Ele o perseguia?
LEVINSOHN ? Ele queria ser presidente, mas, num belo dia, perdeu a convenção da Arena e recebeu um telex de 3 metros e meio com os votos dos 42 deputados que não o apoiaram. Fui eu que mandei. Estamos quites. No caso Delfin, sou um sobrevivente. Tenho brigas com o Banco Central, mas são coisas que estão em julgamento e sobre as quais prefiro não falar. Por que meus inimigos não levantam que o ensino é de má qualidade, ou que estou escamoteando dinheiro? Não falam isso porque não podem. A UniverCidade é uma ação para ajudar os outros e dar ao País o muito que o Brasil me deu. Fui beneficiário da transformação de um país que era uma porcaria em um país com uma economia de respeito.
DINHEIRO ? Por que a UniverCidade não tem fins lucrativos?
LEVINSOHN ? Já comecei assim. Não me dedico a isso para ganhar dinheiro. Posso dizer que não perco nem ganho. Às vezes, falta algum e eu até coloco do meu. Estamos faturando R$ 100 milhões por ano, mas num modelo de equilíbrio.
DINHEIRO ? Como o sr. pretende expandir os seus negócios?
LEVINSOHN ? Nosso compromisso maior é com o mercado do Rio de Janeiro. Acabamos de criar um centro tecnológico para as pessoas que querem ser técnicas. Aqui não tem o subengenheiro, o submecânico ou o subadvogado. Nos Estados Unidos, isso é muito comum. Essas pessoas são formadas nos community colleges, que são o grande celeiro da mão-de-obra tecnológica. Também estamos publicando livros, como do general Golbery do Couto e Silva, e do intelectual Jean-François Revel, para disseminar a cultura. Não é uma ação para ganhar dinheiro. A história das falências brasileiras tem dois campeões: as editoras e as livrarias.
DINHEIRO ? Suas fazendas estão entre as mais produtivas
do País. Com o que mais o sr. ganha dinheiro?
LEVINSOHN ? Tenho feito coisas no setor imobiliário. Onde tenho terrenos, faço loteamentos e incorporações. Tudo é pequeno. Eu também produzo soja, planto milho e crio gado. Desde criança, nasci no meio rural. Uma das minhas grandes preocupações agora diz respeito aos transgênicos.
DINHEIRO ? Por quê?
LEVINSOHN ? Dizer que os transgênicos fazem mal é outra grande balela que existe no Brasil. Uns laboratórios franceses arranjaram umas ONGs por aí para dizer que os transgênicos causam danos à saúde. O Brasil está perdendo tempo do mesmo jeito que perdeu com os radicais da esquerda e da direita que eram a favor da reserva de mercado da informática. Com os transgênicos, nós já teríamos duplicado a produtividade. Como é que a coitadinha da ministra, a Marina Silva, vai à TV e condena isso?
DINHEIRO ? Há quem diga que o Brasil será a peça central na definição sobre o futuro dos transgênicos.
LEVINSOHN ? Será. Mas pode perder espaço para a China, que não tem terras férteis. Os laboratórios já estão criando tecnologia para transformar terras não agricultáveis, como as da China, em terras boas. E vão conseguir.
DINHEIRO ? Na sua visão, qual o futuro das universidades públicas?
LEVINSOHN ? Elas devem cobrar mensalidades e dar bolsas apenas às pessoas que têm necessidade provada. O sistema atual é o avanço do retrocesso. Nós colocamos na Constituição que o ensino é livre e é grátis. Não é uma mentira? Veja o que acontece nos Estados Unidos. Lá o ensino é pago, mas todo mundo estuda. Quem não pode pagar, tem crédito ou tem bolsa. O dinheiro das universidades públicas deveria servir para melhorar o segundo grau e o salário dos professores, que é vergonhoso. Sabe quanto ganha uma professora de escola pública? Menos que uma empregada doméstica. Isso está certo? Nós mesmos, que somos uma instituição privada, temos 7 mil bolsistas. Outro dia veio aqui uma menininha, filha de um porteiro, que jamais poderia pagar uma mensalidade. Hoje é tecnóloga em informática. Tem um bom emprego. Ela não passaria nem na porta de uma universidade pública.