DINHEIRO – O setor automotivo, em decorrência da proliferação e do agravamento da crise, sofreu a maior retração de vendas em quase 60 anos. E o poço parece não ter fim. Quando a situação vai se estabilizar?
THOMAS BESSON – É difícil estabelecer um prognóstico global porque as economias têm reagido de formas diferentes. Os problemas são diferentes. Na minha opinião, a crise pode demorar três ou quatro anos para ser completamente resolvida. Mas isso não significa que as vendas vão cair du- Entrevista / Thomas Besson, presidente da Nissan Mercosul rante todo esse tempo. A situação é complicada nos Estados Unidos, no Japão e em alguns países da Europa, mas está melhor em mercados como o Brasil e a China.

DINHEIRO – Brasil e China são exceções?
BESSON – Neste momento, sim. É claro que as chances de recuperação dos grandes mercados são grandes. Não podemos ignorar o potencial dos consumidores americanos, apesar da crise, nem a capacidade de crescimento das economias europeias. Mas é fato que, neste cenário de rápido encolhimento das vendas, alguns países demonstram maior potencial. Por isso, hoje o Brasil e a China são as saídas para o setor automotivo.

DINHEIRO – Por que o Brasil? BESSON – Por várias razões. Primeiro porque ainda existe muito espaço para o carro zero-quilômetro. Muitos consumidores estão à espera de uma melhora do cenário econômico para comprar um carro novo. Segundo porque o Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo, mesmo depois dos recentes cortes. Se as vendas no ano passado surpreenderam mesmo com aqueles juros elevados, imagine se houver um corte mais agressivo. Quero dizer com isso que nas maiores economias do mundo já não há espaço para cortes porque chegaram ao limite. Mas aqui no Brasil o governo tem poderosos instrumentos de estímulo ao consumo, seja no corte dos juros, seja na redução dos impostos, como o IPI.

DINHEIRO – A redução do IPI anunciada pelo governo no primeiro trimestre foi prorrogada por mais um trimestre. Isso basta para manter o ritmo de vendas?
BESSON – Não basta, mas sem dúvida ajuda muito. Três fatores são importantes para garantir o crescimento do setor automotivo: juros, desoneração e disposição de compra. Os juros estão em queda, a desoneração já existe e foi ampliada porque o governo considerou necessário e, por fim, a disposição do consumidor vai se normalizar assim que a crise começar a se estabilizar. Nesse grupo, a redução do IPI é fundamental.

DINHEIRO – Qual a sua previsão para o mercado brasileiro neste ano?
BESSON – Imagino que a produção vai ultrapassar 2,4 milhões de unidades, com o reaquecimento das vendas e da exportação no segundo semestre. Desse total, a Nissan vai passar do atual 1% para algo ao redor de 1,6% ou 1,7% de market share. Minha avaliação é pessoal, não reflete as projeções da matriz, que não posso revelar nesse momento.

DINHEIRO – Ter 1,7% da fatia do mercado não é pouco para uma empresa do porte da Nissan? BESSON – Não é pouco. É realista. A crise atual é muito séria e ainda não sabemos com clareza dos desdobramentos dela nas economias da América Latina. O Brasil tem se comportado muito bem e por isso ganhou atenção especial no continente. Embora tenhamos um plano de chegar a 1,7% do mercado, que significaria quase dobrar de tamanho num mercado muito concorrido e com empresas já consolidadas, planejamos atingir 5% do mercado até 2012. Dando um passo de cada vez, vamos chegar lá.

DINHEIRO – A Nissan sempre teve uma postura tímida no Brasil, ao contrário de outros mercados, como o do México, onde a montadora é a líder de vendas. Por quê?
BESSON – Ainda somos novatos no Brasil. Chegamos em 1999. Estamos no México há muito mais tempo, por isso alcançamos a primeira posição no ranking. Mas é importante frisar que México e Brasil são mercados distintos, com peculiaridades que precisam ser respeitadas.

DINHEIRO – Neste início de ano, várias montadoras têm anunciado mudanças de estratégia no mercado brasileiro, lançamento de produtos e investimentos. A crise global forçou as empresas a olhar com mais carinho para o Brasil?
BESSON – Não sei quais são os alvos das outras montadoras, mas é provável que isso tenha acontecido. Quando surgem dificuldades em determinados mercados, é natural que as empresas busquem alternativas em outros. Posso dar o exemplo da Nissan. Os números fechados referentes ao ano fiscal de 2008 serão divulgados em abril, mas provavelmente teremos o melhor resultado desde que a Nissan chegou ao Brasil. A partir de agora, a situação vai melhorar ainda mais. Estamos estudando o lançamento de um veículo compacto no País, entre R$ 30 mil e R$ 35 mil, porque sabemos que precisamos atuar no segmento dos populares se quisermos ser fortes. Além disso, podemos fazer do Brasil uma plataforma de exportações para todo o continente.

DINHEIRO – Enquanto a Nissan planeja aumentar a participação no mercado, a Renault, que mantém parceria com a Nissan no País, dispensou funcionários no fim do ano e depois chamou parte deles de volta ao trabalho.
BESSON – Olha, não posso falar pela Renault. Somos parceiros dentro da linha de montagem, mas somos concorrentes no mercado. Posso garantir que estamos estudando a possibilidade de contratar a metade, cerca de 500 funcionários, para trabalhar na nossa produção. São profissionais bem preparados e já acostumados com nosso sistema de trabalho. É uma possibilidade e vamos conversar com a direção da Renault.

DINHEIRO – Contratar mais 500 funcionário significaria dobrar a fábrica. Não é muito otimismo num cenário de crise?
BESSON – Nossa produção hoje é feita em apenas um turno. Vamos passar para dois turnos em breve. Fizemos o lançamento do modelo Livina para concorrer no segmento dos monovolumes, e queremos agora trazer um popular. Se queremos ampliar a participação de mercado, lançar novos modelos e fortalecer a marca Nissan no mercado nacional, teremos que contratar. Não é exagero nem excesso de otimismo. Temos consciência de que a crise é séria e não podemos subestimá-la. Mas, ao mesmo tempo que a crise é séria, é fascinante. Nos dá chance para crescer.

DINHEIRO – A Nissan é uma das montadoras mais afetadas pela crise porque tem forte presença nos grandes mercados, como Japão, Estados Unidos e Europa. É por isso que o Brasil se tornou uma prioridade para a companhia?
BESSON – O Brasil sempre recebeu atenção especial da Nissan. A companhia sempre enxergou potencial na América Latina e, por isso, lidera hoje no México. O Brasil tornouse, sim, prioridade para a Nissan, mas não em razão da crise. O mercado aqui tem potencial de crescimento e a empresa sabe disso há muito tempo. Só precisava esperar o momento certo para avançar.

DINHEIRO – Seu discurso otimista contrasta com as declarações de muitos executivos de montadoras no Brasil. Quem está errado?
BESSON – Cada empresa enfrenta a crise de forma diferente ou enxerga a solução de forma diferente. Não sei como as maiores montadoras do Brasil têm visto a atual situação. Elas têm operações muito grandes, estão no País há muitos anos, além de terem estratégias próprias. O setor automotivo brasileiro é uma coisa só, mas não vive uma única realidade. Diferentemente das concorrentes, que são muito boas por sinal, a Nissan no Brasil possui uma operação muito enxuta. Como somos menores, temos mais flexibilidade em tempos de alta ou baixa. Ou seja, temos condições de reagir de forma rápida. É uma vantagem de ser pequeno. Qualquer ajuste da produção de grandes linhas de montagem significa corte de pessoal, férias coletivas ou coisas assim. Por isso, causam mais impacto no noticiário.

DINHEIRO – O plano de crescimento da Nissan no continente depende muito do desempenho do mercado argentino, que não anda muito bem das pernas. Não é um risco esperar que a Argentina se recupere no curto prazo?
BESSON – A situação da Argentina é realmente mais complicada. Além dos problemas de crédito, que abalaram todas as economias do mundo, sem exceções, a decisão do governo de lá de estatizar os fundos de pensão gerou um clima de apreensão entre os consumidores. A confiança ficou muito abalada. E, como todos sabem, confiança é fundamental para quem decide adquirir um carro novo. Quem tem medo adia a compra. No entanto, acredito que logo o cenário vá começar a clarear lá. Assim como no restante do mundo.