11/01/2002 - 8:00
“Malan está certo quando diz que o Brasil não pode ter bolhas de crescimento”
A reestruturação transferiu ao Brasil a produção de caminhões da Argentina
DINHEIRO ? A que o sr. atribui a liderança da Fiat, depois de 42 anos de domínio da Volkswagen?
GIANNI CODA ? Em 2001, nós conseguimos chegar a pouco mais de 27% do mercado brasileiro. Para efeito de comparação, tínhamos 25% em 2000. Ganhar dois pontos em um ano em que a competição aumentou muito, com a chegada forte de empresas como Renault e Peugeot, com novos modelos, não foi nada fácil. Se a gente soma todas as novas montadoras, incluindo ainda Honda, Toyota e Mercedes-Benz, elas têm 10% do mercado. Ou seja: seria natural que as maiores empresas perdessem participação e nós crescemos. Para isso, foi importante ter uma linha completa de produtos e oferecer oportunidade de escolha aos clientes.
DINHEIRO ? A Volks, que em alguns meses ficou até atrás da General Motors, será seu maior rival em 2002?
CODA ? Eles tiveram algumas dificuldades recentes, como a negociação com o sindicato, e também ficaram algum tempo sem lançar produtos. Mas a Volks tem capacidade para reagir e se recuperar. Faz parte do jogo. Embora a GM tenha chegado ao segundo lugar em alguns meses, é preciso observar um período mais longo no tempo para se traçar uma tendência.
DINHEIRO ? O grupo Fiat decidiu há um mês fechar várias fábricas no mundo e ainda eliminou 6 mil empregos. Como isso afeta o Brasil?
CODA ? O Brasil não será prejudicado em nada. Pelo contrário. A Iveco, que já tinha transferido parte de sua produção da Argentina para a fábrica de Sete Lagoas, em Minas, vai trazer também a linha de caminhões pesados. O Brasil saiu até ganhando.
DINHEIRO ? O sr. costumava dizer
que a liderança não faria sentido se não viesse acompanhada de bons lucros. Isso tem acontecido?
CODA ? Estamos tendo um resultado em 2001 muito próximo ao de 2000, que foi da ordem de R$ 230 milhões. Mas é importante levar em conta que o ano passado foi marcado por mais uma forte desvalorização do real, que pressionou muito os nossos custos, pois uns 25% das peças são importados. Basta fazer a conta: 30% de desvalorização em 25% das peças aumenta os custos do carro em pelo menos 7%. Os salários e outros itens também aumentaram mais ou menos em linha com a inflação. Então, foi um período ainda mais difícil. Como os custos aumentaram mais do que os preços, isso significa que houve redução de margens de lucro. Mas acho que o fato de termos toda a família Palio à disposição dos clientes em 2002 nos ajudou muito a aumentar a participação de mercado e a manter os resultados.
DINHEIRO ? Com o dólar tão caro, não faz sentido nacionalizar a produção das peças para substituir importações?
CODA ? Já estamos fazendo isso. No Palio, 95% do conteúdo é nacional. No Marea, 50% dos componentes eram fabricados aqui há alguns anos. Hoje, já são 65%.
DINHEIRO ? A qualidade é a mesma?
CODA ? Os fornecedores nacionais de autopeças ainda têm muito o que melhorar, mas também estão avançando. Só que é importante deixar claro que algumas peças nunca serão nacionalizadas. Às vezes o volume é tão pequeno, que não compensa o investimento.
DINHEIRO ? Como a sua empresa lida com a instabilidade da economia brasileira?
CODA ? Em janeiro do ano passado, nós fizemos um orçamento imaginando um mercado de 1,5 milhão de veículos. Deu mais ou menos isso. Só que não foi uma linha reta. No começo do ano, parecia que o Brasil poderia crescer uns 5%. A grande dúvida era colocar em marcha ou não o terceiro turno de produção. Fomos conservadores, porque no Brasil é sempre muito caro contratar e demitir. Eu fui um dos opositores do terceiro turno. Disse que era melhorar trabalhar aos sábados e fazer horas extras do que contratar 800 pessoas para um crescimento que ainda era incerto. Às vezes, é preciso ter um certo feeling. Então, reduzimos a exportação para atender o mercado interno. Quando veio o racionamento, logo depois, demos férias coletivas e ficamos com menos estoques do que a concorrência. Hoje, o estoque equivale a apenas dois dias de trabalho, o que é regular. O segredo no Brasil é saber a hora certa de produzir mais ou de reduzir o ritmo, de acelerar ou de frear.
DINHEIRO ? Sem contratar
na euforia, o sr. também não passou pelo desgaste de demitir poucos meses depois, quando o mercado encolheu?
CODA ? Exatamente. Temos hoje
10 mil funcionários diretos e outros
10 mil indiretos, numa situação estável. A Fiat é talvez uma das mais ágeis empresas do País e isso faz a diferença. Tomamos decisões rápidas. Em setembro, parecia que um ano que tinha começado bem seria muito ruim, mas pouco depois, quando o dólar parou de subir, eu tive a sensação de que as coisas se acertariam.
O Brasil é assim.
DINHEIRO ? O sr. está otimista em relação à
economia brasileira?
CODA ? Claro. Tinha gente em setembro que dizia que o dólar iria a R$ 3,00 e não aconteceu nada disso. Ficou claro que a Argentina não afeta mais o Brasil, o País continuou recebendo investimentos diretos e os fundamentos econômicos melhoraram, como no caso da balança comercial. Vamos ter um superávit de uns US$ 5 bilhões em 2002 e é isso que irá permitir a queda dos juros e a retomada do desenvolvimento. Os próximos anos serão de crescimento.
DINHEIRO ? A instabilidade, marcada pelo sobe-e-desce do dólar, não é prejudicial às empresas?
CODA ? Certamente. O que estoura o setor privado não é a recessão, mas sim a instabilidade, o eterno stop-and-go. Não dá para planejar e fazer as coisas certas. O segredo para sobreviver nesse ambiente é a flexibilidade. Eu cheguei em 1999, num ano muito difícil, quando o mercado tinha caído para 1,2 milhão de veículos. As pessoas diziam que a escala era muito pequena. Eu falei: mesmo com um bolo menor, a empresa tem que dar lucro para continuar a investir. O jeito é sempre buscar um ponto de equilíbrio mais baixo, buscando produtividade.
DINHEIRO ? Mas a Fiat tem 27% do mercado. Dá para lucrar com uma participação menor, digamos de 10%?
CODA ? É muito difícil.
DINHEIRO ? Existe alguma número mágico para a Fiat que represente uma meta de participação de mercado em 2002?
CODA ? Nós queremos continuar na frente, mas eu já deixei claro que o líder no mercado brasileiro nos próximos dois ou três anos terá uns 23% ou 24% do bolo. Tem a Ford chegando na Bahia, existem os novos produtos das outras empresas, enfim, a concorrência será muito maior.
DINHEIRO ? O mercado brasileiro ainda está longe de 1997, quando produziu quase 2 milhões de veículos. Quando dará para voltar a esse nível?
CODA ? A minha previsão é chegar lá em 2004. Estamos prevendo uma expansão gradual a partir de 2002, de uns 5% ou 6% ao ano, que traria um mercado comparável ao de 1997 em 2004.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a condução da
política econômica?
CODA ? A equipe do ministro Pedro Malan deve produzir um crescimento regular e constante. A pior coisa é crescer demais e depois cair. O Brasil não pode ter apenas bolhas de crescimento.
Nós achamos que o PIB deverá ter uma expansão entre 3,5% e
4% nos próximos anos. Depois, é preciso melhorar a renda e as políticas de crédito para que as pessoas possam consumir produtos mais sofisticados.
DINHEIRO ? Mas, em 2001, praticamente 75% das vendas de carros no Brasil foram de modelos populares. Isso ajudou a Fiat, que costuma ter um marketing baseado no menor preço?
CODA ? Não é mais isso. Um Palio novo custa mais ou menos a mesma coisa do que um Gol ou um Corsa. O que nós queremos é sempre ter uma linha completa. Em 2002, por exemplo, vamos
trazer o Stilo, que acabou de ser lançado na Europa. É um modelo que concorre numa faixa de preço mais alta e será oferecido junto com o Brava e o Marea. Queremos sempre oferecer escolha, mesmo no segmento popular, onde se tem o Uno Mille, o Palio Young e o Palio novo. Evidentemente, sabemos que a renda no Brasil é um
fator limitante e por isso temos mais modelos. Quem tem R$ 12 mil compra um Mille e quem tem R$ 14 mil compra um Palio Young. Não quero só ser líder de mercado. Quero ser líder mesmo, de forma incontestável, e isso significa ser o melhor em todos os produtos. Além disso, queremos ser os melhores no trato com os
funcionários, fornecedores, clientes e comunidade. Neste último caso, só como exemplo do nosso compromisso, já patrocinamos sete times de futebol.
DINHEIRO ? Há pouco mais de um ano, a GM adquiriu uma participação na holding que controla a Fiat. O que está sendo feito em comum no Brasil?
CODA ? O processo está começando, mas trará muitas economias. Haverá uma só empresa, sediada em São Paulo, que centralizará todas as compras de componentes. Será bom para as duas montadoras. Há ainda uma outra, em Betim, que produz motores e câmbios para ambas.
DINHEIRO ? Com tanta crise, a Argentina ainda está nos planos da sua empresa?
CODA ? Certamente. A produção lá é muito pequena porque o mercado argentino encolheu muito. Mas vamos manter a nossa posição no país esperando uma retomada da economia. Há muito tempo eu vinha dizendo que a Argentina teria que tomar uma decisão: dolarizar ou desvalorizar. Agora, finalmente, eles escolheram um caminho e chegou a hora da reconstrução. Era um doente terminal, mas já há esperança.