18/02/2011 - 7:00
DINHEIRO ? Quais serão os efeitos diretos dessa associação no mercado brasileiro de distribuição?
VASCO DIAS ? Tecnicamente, a Raízen nasce com a mesma participação do grupo Ultra, segundo lugar do ranking, logo atrás da Petrobras. Acho que, junto à força da marca Shell, também vamos oferecer a nossos clientes o que há de melhor na Esso, cuja marca será substituída nos próximos 36 meses. Então, o plano de marketing e o plano de oferta para os consumidores finais serão imbatíveis. E eu acredito que no curto e médio prazos vamos consolidar a segunda posição no mercado brasileiro.
DINHEIRO ? Apesar de ser uma produtora importante de açúcar, a Raízen terá uma forte inserção no mercado energético. Como o sr. pretende gerir essas duas áreas?
DIAS ? Temos um portfólio bem dividido. Vamos aumentar a produção tanto de etanol quanto de açúcar e a cogeração de energia, a partir da queima do bagaço da cana. Nesse último, a Raízen saltará de 900 megawatts (MW) para 1.300 MW. Sempre que invisto em uma usina também amplio nosso espaço na geração de energia. Contudo, olhando para o horizonte dos próximos cinco anos, o que deve dar um salto maior é a produção de etanol.
“A estrutura de produção de cana, etanol e açúcar veio da Cosan”
Rubens Ometto Silveira Mello, presidente da Cosan
DINHEIRO ? Em que escala?
DIAS ? Deveremos sair de uma capacidade de 60 milhões para 100 milhões de toneladas de capacidade de moagem. E o mix da produção será de 50% de etanol e 50% de açúcar, ao longo dos próximos cinco anos. Depois disso, creio que o etanol pode ultrapassar o volume do açúcar, atingindo uma fatia de 60%.
DINHEIRO ? Esse plano contempla aquisições de concorrentes?
DIAS ? Esse tipo de operação está em nosso foco. Não consigo passar de 60 milhões de toneladas para 100 milhões de toneladas de moagem de cana-de-açúcar só com a ampliação das usinas existentes. Por isso, vamos investir em aquisições de usinas e também nas nossas unidades. Dessa forma, vamos chegar a 100 milhões de toneladas. Na parte de distribuição, a minha prioridade é a consolidação das redes Shell e Esso, e ofertar um produto mais forte para o consumidor final, mas também vamos analisar aquisições de distribuidoras menores.
DINHEIRO ? Há alguma expectativa quanto à avaliação do negócio pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade)?
DIAS ? Para a criação da Raízen, toda a estrutura de produção de cana, etanol e açúcar veio da Cosan. A Shell colocou na mesa um capital enorme e empresas de tecnologia que poderão nos ajudar a ampliar a produção de etanol, de açúcar e na co-geração. Nesse contexto, só vejo boa noticia: para o Brasil, para o consumidor e para nós. Não há motivo para qualquer tipo de problema com o Cade. Até porque nossa estratégia está alinhada com a tendência mundial de combustíveis sustentáveis e os planos do País nessa área. Por outro lado, sobre a fusão das redes de combustíveis da Shell e da Esso, se você pensar em outros eventos que aconteceram anteriormente (como a aquisição da Ipiranga, que foi dividida entre a Petrobras e grupo Ultra), nosso negócio segue a mesma diretriz. Por isso, não tenho preocupações sobre possíveis problemas de regulação nessa área.
DINHEIRO ? O governo Lula foi um grande apoiador do etanol. O sr. pretende sensibilizar a presidente Dilma para que ela seja uma defensora do setor?
DIAS ? Tenho certeza de que a presidente Dilma vai continuar apoiando o etanol brasileiro. Até porque faz todo sentido. Uma das grandes vantagens do etanol é que ele torna nossa matriz energética cada vez mais limpa. Isso, no futuro, quando tivermos de discutir temas como crédito de carbono, esse combustível será um dos grandes trunfos do País.
DINHEIRO ? Diante disso, o sr. acredita que o governo deveria dar incentivos ao setor?
DIAS ? Hoje já existem alguns incentivos para investimentos em novas usinas que atuam tanto com geração de energia a partir do bagaço de cana, quanto para a produção de açúcar e etanol. O BNDES tem sido extremamente parceiro de nosso setor.
DINHEIRO ? E por falar em incentivos: havia certa expectativa no ano passado de que a sobretaxa de US$ 0,54 sobre o galão do etanol pudesse ser derrubada no Congresso dos Estados Unidos, o que não aconteceu. Como quebrar essa barreira para a entrada no mercado americano?
DIAS ? Acho que precisamos enxergar o etanol brasileiro em um cenário além do mercado americano. Hoje, com os subsídios governamentais, eles se tornaram o maior produtor de etanol do mundo, tendo por base o milho. Nesse contexto, acho que vai haver um conjunto de eventos que podem forçar a derrubada dessa taxação naturalmente. Mas, para isso, seria necessário, por exemplo, que o Japão passasse a comprar mais etanol e que a Comunidade Europeia alterasse a mistura de etanol na gasolina vendida lá. Atualmente, essa proporção é de 10% e o ideal seria que crescesse para 15% ou 20%. Isso forçaria uma demanda maior por etanol.
“Usaremos a estrutura global da Shell para atingir os mercados internacionais”
Posto da Shell em Oakland, Califórnia
DINHEIRO ? E como o Brasil ficaria nessa história?
DIAS ? A grande vantagem do etanol brasileiro é o seu baixo custo de produção, imbatível em termos globais. Esse é o primeiro ponto. No segundo ponto, por conta dos benefícios quando comparados aos combustíveis fósseis, acho que é uma questão de tempo para que os mercados europeu, asiático e americano abram mais espaço para o etanol, independentemente de onde ele seja produzido. E nesse cenário o etanol brasileiro vai levar vantagem. É baseado nesse cenário que vejo a importância dos investimentos que estamos fazendo para aumentar a produção de etanol no País.
DINHEIRO ? O sr. acredita que essa abertura ao etanol brasileiro também possa acontecer na América Latina, levando-se em conta até mesmo as facilidades logísticas e a proximidade geográfica?
DIAS ? Se você for pensar na capacidade de produção e na logística que a Raízen tem, acho que seria possível fornecer etanol para a Argentina, o Chile e para os países da América Central, embora ainda sejam mercados pequenos. Mas isso dependerá essencialmente de como cada país definirá a composição de sua gasolina. Se o governo argentino optar pela adição do etanol na gasolina, como é feito no Brasil, estaremos prontos para suprir essa demanda.
DINHEIRO ? A China também estaria inserida no mapa global da Raízen?
DIAS ? A China é sempre um potencial mercado para qualquer produto. Citei o Japão porque, entre os países asiáticos, é o que está mais maduro em relação ao uso de etanol.
DINHEIRO ? O sr. já definiu como será a estrutura logística global da empresa para dar conta dessa demanda crescente no mercado global?
DIAS ? A negociação do etanol será feita pela Raízen. Mas, certamente, usaremos a estrutura da Shell no mundo inteiro para nos colocar de uma forma mais competitiva e atingir os mercados que forem interessantes para nossa estratégia. Como a Shell mantém uma estrutura global, não faria sentido que a Raízen investisse em estrutura própria de distribuição e armazenagem no Exterior. O que vou fazer é usar as instalações da Shell lá fora para colocar o nosso etanol.
DINHEIRO ? E como romper as resistências dos consumidores americanos e de outros países em relação aos veículos movidos a etanol?
DIAS ? Com o advento do motor flex, o poder ficou na mão do consumidor. É ele quem decide que tipo de combustível colocar no tanque de seu veículo. A proporção da mistura entre etanol e gasolina depende do valor de cada combustível. Outro elemento que pode ajudar a acabar com essa insegurança é a percepção das vantagens ambientais do etanol em relação aos combustíveis fósseis.
DINHEIRO ? No lançamento da Raízen, o sr. revelou o interesse na transformação do etanol em commodity mundial. Como pretende ajudar a consolidar isso?
DIAS ? Queremos transformar o etanol em uma commodity global. Nossa primeira vantagem nesse processo é contar com a estrutura mundial da Shell, a maior distribuidora de combustíveis da Europa, com 45 mil revendedores, grande credibilidade no mercado e que vem defendendo o biocombustível como alternativa para os derivados de petróleo. E na hora em que uma companhia como a Shell coloca US$ 6 bilhões totais em recursos e ativos em uma companhia brasileira especializada em etanol, a mensagem que fica é que, mais que um discurso, ela acredita nesse produto. E essa parceria representa uma espécie de aval a nossa atuação na Europa.
DINHEIRO ? Por que o nome Raízen?
DIAS ? É uma palavra derivada da junção de raiz, da cana-de-açúcar, com energia, o que sintetiza o que fazemos. Essa nova empresa nasce com um faturamento de R$ 50 bilhões, 23 usinas de cana-de-açúcar, 4.500 mil postos de combustível e 40 mil funcionários. Já nascemos como uma das cinco maiores companhias em faturamento do Brasil.