Da música ao táxi, do comércio aos hotéis. Por onde as empresas de tecnologia passam, elas conseguem alterar ou estraçalhar mercados consolidados. E o próximo setor no qual os titãs do Vale do Silício pretendem avançar é o financeiro, um dos mais regulamentados do mundo. Empresas como Apple, Amazon, Facebook e Google já oferecem alguns serviços que até bem pouco tempo atrás eram exclusividade dos bancos. Não se trata de uma pregação no deserto. Os consumidores na faixa etária entre 18 e 24 anos, que já nasceram em um contexto digital, de acordo com a consultoria americana Accenture, estariam abertos a usar uma companhia de fora do ramo financeiro para fazer operações bancárias.

“Bancos despreparados para esses novos competidores terão morte certa”, escreveu Francisco González, CEO do grupo bancário espanhol BBVA, no jornal britânico Financial Times. Não se trata de um discurso vazio. Em fevereiro deste ano, o BBVA comprou, por US$ 117 milhões, a startup americana Simple, que desenvolve aplicativos que ajudam os clientes a gastar seu dinheiro de forma mais inteligente. “A revolução está sendo liderada pelos clientes”, afirma Flaviano Faleiro, executivo de estratégia para a área de finanças da Accenture.

“As empresas de tecnologia criaram uma nova experiência de uso, baseada na simplificação, e um conjunto de serviços que os transformaram em imperadores inquestionáveis do meio digital.” O risco, na visão do analista, é de que os bancos fiquem relegados à retaguarda, cuidando da infraestrutura, deixando a turma high-tech responsável pela interface com o usuário. Com isso, até 30% da receita dos bancos pode passar para as mãos das empresas do Vale do Silício, estima a Accenture. A área de pagamentos é a mais vulnerável para os bancos. É nesse segmento que atua o pioneiro PayPal, que atualmente possui 152 milhões de contas e está disponível em 203 países, entre eles o Brasil.

“O celular vai cumprir todas as funções de uma carteira”, afirma Paula Paschoal, diretora de desenvolvimento de negócios do PayPal Brasil. “O que freia a adesão ao pagamento online é o risco e isso o PayPal garante.” A companhia, fundada por Peter Thiel, na década de 1990, e adquirida pelo eBay, nos anos 2000, parece estar fazendo seu dever de casa. Segundo a Accenture, ela é a marca com maior credibilidade para operações bancárias, à frente de nomes tradicionais, como Google e Walmart. Mas os grandalhões de tecnologia querem recuperar o tempo perdido.

Apple e Facebook, por exemplo, deixaram claro que vão participar dessa festa. A empresa comandada por Tim Cook desenvolveu o iBeacon, aparelho instalado em pontos de venda para trocar informações com o iPhone. Além disso, a Apple conta com a tecnologia de reconhecimento de impressão digital em seu smartphone e especula-se que deverá incluir o recurso NFC (sigla para Near Field Communication), que permite transmissão de dados entre celulares e lojas, na próxima versão do iPhone, que deve ser lançada em 9 de setembro. O CEO e fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, deixou escapar seus planos para a área durante uma conferência com analistas, em julho.

Segundo ele, com o tempo, o aplicativo de mensagens Messenger servirá para efetuar operações financeiras. Mas a rede social, que conta com mais de um bilhão de usuários, quer ir além, de acordo com o jornal britânico Financial Times. O Facebook pediu autorização na Irlanda para operar como gestor de moeda eletrônica. Isso valeria para fazer transferências entre perfis dentro da União Europeia. Esse novo departamento do Facebook teria sede em Londres, mas com foco nos países emergentes. A Amazon, de Jeff Bezos, também demonstrou apetite pela atividade financeira.

No começo de agosto, a empresa de Seattle lançou o Local Register, leitor de cartões e aplicativo móvel desenhado para incentivar pequenas empresas e profissionais de serviços diversos a aceitarem pagamento através de smartphones e tablets. Como acontece na maioria das vezes, a maior loja eletrônica do mundo entrou na competição oferecendo taxas baixíssimas, levantando suspeitas de estar operando no vermelho. O aparelho pode ser acoplado a um smartphone, tablet ou no e-reader Kindle, processando pagamentos de cartões de crédito e débito por meio de rede segura da Amazon.

No fim do mês passado, a empresa de Bezos estreou também a Amazon Wallet, plataforma de pagamentos para dispositivos móveis que armazena dados de vales-presente e cartões. Um serviço similar é oferecido pelo Google há três anos. O Google Wallet, no entanto, demorou para começar a funcionar e foi inicialmente lançado apenas para um modelo de telefone – o Nexus, com design da própria empresa. Embora o Google não tenha engrenado nessa área, analistas preveem que os serviços financeiros são uma peça-chave para a estratégia do maior buscador da internet, que já detém diversos dados financeiros em serviços como a loja de aplicativos Google Play.

“Um passo lógico é usar produtos, informações dos consumidores e de transações para dar conselhos e recomendações financeiras personalizadas aos usuários”, afirma Oliwia Berdak, analista de eBusiness da consultoria americana Forrester. Para analistas, as empresas de tecnologia dificilmente ingressarão em áreas mais regulamentadas da atividade bancária, como o crédito, mas contam com vantagens para prover serviços mais simples. “São marcas com as quais os usuários se relacionam diariamente e que, em geral, funcionam bem”, afirma Pietro Delai, gerente de pesquisa da consultoria IDC Brasil. É bom as interfaces dos home bankings, das redes bancárias tradicionais, cheias de botõezinhos e complicações para serem acessadas, aprenderem algumas lições com o pessoal do Vale do Silício.