16/02/2001 - 8:00
Imagine que você seja um diretor de vendas de uma multinacional, tenha dedicado 20 dos seus 40 anos à empresa, nunca se recusou a levar trabalho para casa e seu superior já prometeu um aumento de salário. Toda essa bagagem profissional pode ir para o espaço no momento em que sua empresa entra em um processo de fusão com uma concorrente. E, sim, você é um dos candidatos a ir para o olho da rua. Esse é o drama vivido atualmente pelos 2,3 mil funcionários no Brasil da nova gigante da indústria farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), nascida da união das britânicas GlaxoWellcome e SmithKline Beecham. Há 14 meses, desde o anúncio de intenção de união, eles vivem momentos de ansiedade, e cerca de 450 já foram demitidos. Na frente desse processo doloroso está o novo presidente da filial, John Anderson, brasileiro que morou 18 anos fora do País e foi chamado pela cúpula do conglomerado para tocar os novos rumos da filial. ?Uma fusão infelizmente envolve a famosa dança de cadeiras. Quem não acha seu lugar termina no programa de dispensas?, lamenta Anderson. E o pior é que o processo de reestruturação ainda não foi concluído. Há até a possibilidade de ser fechada uma das duas fábricas da nova companhia, no Rio.
O trabalho de Anderson para colocar as duas marcas dentro dos trilhos da globalização desenhados pelo conglomerado será árduo. A GSK é agora número um no ranking farmacêutico mundial, com faturamento de US$ 27,2 bilhões. Mas no Brasil tem uma performance considerada insuficiente. Em 2000, as duas empresas faturaram US$ 200 milhões, uma queda de 30% na receita frente a 1999. O Brasil terá de ser um dos centros de produção mundial do grupo, exportando medicamentos para a Ásia, África e América Latina. Para dar o empurrão na reestruturação, os administradores da GSK adotaram o estilo mais objetivo e centralizador da antiga SmithKline, em vez da cultura de resultados a longo prazo da Glaxo Wellcome. Anderson afirma que haverá uma redução nos 79 medicamentos comercializados aqui, como antibióticos, a fim de não haver canibalização na própria empresa. Os cortes de pessoal, no entanto, são cruciais nos planos da companhia. O setor que tem sofrido mais é o de administração. Nos últimos meses, todos os funcionários foram obrigados a declarar qual o cargo que pretendiam ocupar na nova companhia e passaram por horas de entrevistas. Afinal, a GSK não pretende ter dois diretores comerciais ou dois de finanças. Boa parte dos funcionários já passou por esta epopéia e não sabe se fará parte do novo time ou receberá o cartão vermelho. ?Neste último caso, informamos ao profissional que infelizmente há alguém melhor na empresa até então concorrente.?
A consultoria norte-americana Boston Consulting tem trabalhado ativamente no processo de reestruturação. Em alguns casos, em vez de ser demitido, o funcionário termina numa fila de pessoas excluídas e pode ser indicado para outra área. Ou então é fisgado pela rede de headhunters à cata de executivos frustrados. ?Nestas horas, existem sempre os urubus?, ironiza Anderson. Uma fusão do tamanho da GSK costuma mexer na produtividade dos funcionários. Anderson admite que em 2001 a receita deve ser a mesma de 1999, por causa dos transtornos da fusão. ?Mas espero que a produtividade não caia.? Sua previsão é de que só a partir de 2003 a filial comece a deslanchar e chegue a mais de US$ 215 milhões. Afinal, tocar um transatlântico do porte da GSK e fazer reformas em pleno mar não é tarefa para marinheiro de primeira viagem.