02/06/2019 - 9:34
Desde 1953, quando o neozelandês Edmund Hillary e o sherpa Tenzing Norgay chegaram pela primeira vez ao cume do Monte Everest, cerca de 5 mil pessoas já repetiram o feito e conquistaram o topo do mundo, a 8.848 metros de altitude. Mas, mesmo com todo o avanço tecnológico, a escalada continua sendo extremamente perigosa.
Em seis décadas, mais de 300 pessoas morreram – 11 delas neste ano – em expedições que fracassaram em razão do clima, de avalanches, tempestades, mas também por erros de planejamento, que podem resultar, por exemplo, na falta de oxigênio.
Especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de São Paulo estimam que, para reduzir os riscos, são necessários, em média, três anos de preparação e investimento de R$ 270 mil – incluindo R$ 45 mil entre cursos e testes práticos em locais de menor exigência técnica e R$ 40 mil de equipamento. Além disso, a jornada ao topo do Everest propriamente dita, que dura cerca de 50 dias, não sai por menos de R$ 185 mil, já incluindo o transporte até o Nepal, a taxa de R$ 43 mil (US$ 11 mil) paga ao governo para obter a permissão de escalada, a logística necessária nos acampamentos de apoio e a companhia de um guia local – um sherpa. Para alguns, o gasto em tempo e dinheiro é maior.
O empresário Francisco Amaral, de 39 anos, decidiu mudar seu estilo de vida sedentário e se empenha desde 2015 em concretizar a aventura. “Desde a escola, tive muito contato com a natureza, com trilhas e trekking. Quando resolvi cuidar de mim e buscar novos desafios, veio a ideia do Everest. A primeira coisa que pensei foi: preciso me preparar”, afirmou.
Desde então, passou a treinar, recuperou condicionamento físico, investiu na formação técnica – com cursos de escalada em rocha e em neve – e comprou equipamento. Fez subidas em locais mais acessíveis – no Equador, na Bolívia e na África – e foi, gradualmente, aumentando a dificuldade. Nesse processo, ele calcula ter gastado pelo menos R$ 155 mil. “É uma estimativa. Não considerei mensalidade de academia, personal trainer, alimentação adequada, entre outros fatores”, disse.
Em comparação com o começo da preparação, ele perdeu cerca de 10% de seu peso. “Treino seis vezes por semana, 2 horas por dia. Faço fortalecimento muscular, trabalho aeróbico e cardiopulmonar”, conta Amaral, que pretende subir o Everest entre abril e maio de 2020. “O último passo deve ser em setembro, quando tentarei escalar o Manaslu (oitava montanha mais alta do mundo, com 8.156 metros, também no Himalaia).”
Até a base do Everest (a 5.380 metros), Francisco terá a companhia da mulher, Daniela. “Para mim, não faria sentido fazer isso se ela não estivesse junto”, disse. Depois, ela volta ao Brasil, onde esperará com os três filhos do casal a chegada de Amaral ao cume. “Vou tentar chegar ao topo, mas com a segurança em primeiro lugar. O montanhismo tem de ser um meio de vida, não um meio de morte.”
Na fila
Uma foto com centenas de alpinistas enfileirados na chamada “Zona da Morte” do Everest, congestionados a mais de 8 mil metros de altitude, chamou recentemente atenção para os riscos em uma jornada altamente perigosa. Carlos Santalena, que já subiu três vezes até o topo, diz que a situação é reflexo de uma questão mais profunda: o controle de quem é autorizado a escalar o Everest que, segundo ele, fica mais a cargo das agências de turismo do que do governo do Nepal.
“Hoje, com toda a tecnologia que temos, é muito mais fácil reconhecer com antecedência as janelas de bom clima para tentar (chegar) ao cume”, diz Santalena, ao explicar porque essa não é uma justificativa plausível para o engarrafamento.
Para ele, dificilmente a situação será alterada pelo governo do Nepal – de onde parte a maioria das expedições – em razão do prejuízo que a restrição causaria. Segundo o New York Times, considerando todos os aspectos econômicos envolvidos, a escalada do Everest proporciona US$ 300 milhões por ano em receitas ao país, um dos mais pobres do mundo.
“Falta ao Nepal impor um crivo e não permitir que qualquer pessoa que pague possa escalar o Everest, além de ser ativo na decisão sobre as datas que cada agência deve ter para levar as pessoas ao topo, com base nas informações climáticas”, diz.
Entre outras mudanças que Santalena cita como positivas estão a implementação de um limite de permissões por temporada, com sorteio, se houver mais interessados, além da exigência de comprovação de escalada em outras montanhas com mais de 8 mil metros.
A Associação de Montanhismo do Nepal também defende que o governo fiscalize se os montanhistas cumprem pré-requisitos antes de receberem a permissão de escalada. “O governo deve criar políticas rígidas para impedir que alpinistas inexperientes tentem escalar o Everest”, afirmou ao NYT Santa Bir Lama, presidente da entidade.
Lama também acusa as agências que oferecem pacotes de estarem mais preocupadas com o lucro do que em garantir que as regras de segurança sejam cumpridas e cobra que o governo passe a emitir as autorizações com meses de antecedência – e não dias, como ocorre hoje -, para que os montanhistas tenham tempo de se preparar.
Na quarta-feira, porém, durante evento para celebrar a primeira escalada ao topo do Everest, funcionários nepaleses disseram não haver nenhum plano para limitar as escaladas. Segundo Gokul Prasad Baskota, ministro da Comunicação, o congestionamento não é causado pelo excesso de permissões, mas sim em razão da falta de treinamento de alguns montanhistas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.